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O imposto sobre grandes fortunas

Taxar os mais ricos é instrumento inadequado para fazer justiça social

Celso Ming, O Estado de S.Paulo – 19 de agosto de 2020

Os ricos ficam cada vez mais ricos, mesmo durante a pandemia. Se para uma política de redistribuição de renda é preciso taxar os que têm, por que então não implantar de uma vez o Imposto sobre Grandes Fortunas, já previsto na Constituição de 1988 e até agora não regulamentado? Ou, por outra, por que esse imposto não consegue decolar?

Esta Coluna já comentou esse assunto. É preciso voltar a ele. Isso é como o tema da liberação das armas à população. É preciso combatê-la e não desistir de expor as razões pelas quais não se pode brincar com esse fogo.

A verdade é que esse imposto não é o que parece. Trata-se de um instrumento inadequado de fazer justiça social. Não vem dos endinheirados a principal resistência a ele. Bilionários conhecidos, como Abigail Disney, Arnold Hiatt, Chris Hughes e George Soros, já se manifestaram a favor dessa taxação. As maiores dificuldades a seu funcionamento são técnicas.

A enorme complexidade desse imposto sobre as grandes fortunas e as questões jurídicas suscitadas têm levado muitos países a desistir da ideia de adotar o tributo Foto: Fabio Motta/Estadão

É um imposto de alta complexidade e nada eficiente. Sua base tributária é de quantificação difícil, qualquer que seja o tamanho da fortuna que viesse a ser objeto dessa taxação. É, também, de cobrança muito complicada e seu retorno arrecadatório, muito baixo. O custo de manutenção da máquina para fazê-lo funcionar é mais alto do que a receita por ela proporcionada.

Quando é medido em preços de ações de empresas abertas, é fácil saber quanto vale um patrimônio. As cotações estão disponíveis todos os dias nas bolsas de valores. O problema está em avaliar o resto. Até mesmo grandes empresas de sociedade limitada ou pequenas e médias indústrias, estabelecimentos comerciais, imóveis, obras de arte, semoventes (rebanhos, por exemplo) e intangíveis (como marcas, patentes, logotipos, pontos de venda) são de difícil avaliação.

Uma coisa é o que você acha que vale e outra, bem diferente, é o preço que consegue obter, caso coloque à venda. Basta conferir o que acontece com os leilões de objetos, imóveis, de gado ou de áreas de prestação de serviços, mesmo quando pré-avaliados por especialistas. E vá botar tudo isso num patrimônio tributável. As divergências entre o Fisco e o contribuinte, sobre o tamanho da fortuna a ser submetida à taxação, podem ser objeto de demandas infindáveis na Justiça.

Mesmo que essa dificuldade seja transposta, com base numa declaração de patrimônio feita previamente pelo contribuinte ou outro recurso qualquer, difícil também é cobrar esse imposto. No caso dos chamados bens de raiz, será preciso que o contribuinte venda sua fazenda ou seus imóveis, mesmo num mercado deprimido, para fazer caixa suficiente e, assim, ter como quitar suas novas obrigações?

Também complicado é submeter uma fortuna financeira a essa taxação. O resultado mais conhecido é a fuga de capitais, como aconteceu na França, no tempo em que havia esse imposto, quando ficaram conhecidos os conflitos do fisco francês com o ator Gérard Depardieu. Ou, então, haverá desistência de novos investimentos no país. A enorme propensão à debandada de patrimônio financeiro tenderia a concentrar a cobrança sobre bens cuja propriedade já é taxada, como veículos (IPVA), imóveis urbanos (IPTU) e imóveis rurais (ITR).

Não se pode confundir esse imposto com o imposto sobre herança, hoje cobrado pelos Estados. Chama-se Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD). Para que possa ser cobrado, o proprietário primeiro tem de morrer ou doar em vida.

Também é ponto pacífico entre os especialistas que a capacidade de receita é baixa. Não compensa o trabalhão que dá para arrecadá-lo (veja o gráfico). O manejo do Imposto de Renda parece muito mais eficaz como instrumento redistributivo.

Essas são as principais razões pelas quais esse imposto só foi adotado por um grupo restrito de países. E, na maioria deles, onde passou a ter vigência, foi logo abandonado. Assim aconteceu no Japão (1950), na Áustria (1994), na Alemanha, Irlanda e Dinamarca (1997), na Finlândia (2006), na Suécia (2007), na Grécia (2009) e na França (2018).

A OCDE publicou em 2018 um extenso documento (The Role and Design of the Wealth Taxes in the OECD) em que expõe suas dúvidas sobre a utilidade desse imposto. Entre os países da OCDE, atualmente só funciona na Suíça, na Espanha e na Noruega.

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