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ESTADO FEDERAL

“A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado
muito evidente através da História, não havendo exemplo de convivência de ambas.
Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder
político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um
Estado Unitário, com governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com
ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Varga e a Argentina de Perón. Federalismo
e ditadura são incompatíveis.” 


A CONSTITUIÇÃO COMO BASE JURÍDICA
“A diferença fundamental entre a união de Estados numa federação está na base
jurídica. Os integrantes se acham ligados numa federação, os Estados que a integram
aceitam uma Constituição comum e, não podem deixar de obedecer a essa Constituição
e só tem os poderes que ela lhes assegura.” 

NASCIMENTO DE UM NOVO ESTADO
“Quando celebram uma aliança e decidem constituir uma federação ou quando aderem
a uma federação já constituída, os Estados perdem a condição de Estados e passam a
ser partes integrantes do Estado Federal.”


PROIBIÇÃO DE SECESSÃO
“A regra, no Estado Federal, é que as unidades federadas não podem desligar-se da
federação, isto é, não se reconhece o direito de secessão. Foi exatamente o desejo de
constituir uma aliança sólida e indissolúvel que levou à criação do Estado Federal, sendo
lógico, portanto, o estabelecimento de uma regra constitucional proibindo os Estados de
se retirarem de uma federação a que aderiram.”


SOBERANIA DA UNIÃO E AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS
“A decisão de ingressar numa federação é um ato de soberania que os Estados podem
praticar, mas, quando isso ocorre, pode-se dizer que essa é a última decisão soberana
do Estado. Realmente, a partir do ingresso na federação, a soberania pertence à União,
e os federados, embora gozando de autonomia, ficam sujeitos ao que dispõe a
Constituição federal, sendo obrigados a obedecer e cumprir, em relação a certos
assuntos, as decisões do governo central. Mas o próprio conceito de soberania como
poder supremo, uno e indivisível elimina a hipótese dessa dualidade. O que se pode
afirmar é que os Estados que passam a integrar uma federação participam da soberania
da União, influindo sobre as decisões soberanas, pois estas são decisões do conjunto
no qual eles se acham integrados.

Os membros de uma federação gozam de autonomia, que é poder de autogoverno,
incluindo a possibilidade de escolher seus governantes e de agir por vontade própria
em relação a muitos assuntos. Mas as decisões do poder autônomo devem ser tomadas 
dentro dos limites fixados na Constituição federal e ficam sujeitas a controle de
constitucionalidade por um órgão da União.”


COMPETÊNCIAS PRÓPRIAS E EXCLUSIVAS
“No Estado Federal, as unidades federadas, comumente chamadas de Estados membros,
recebem diretamente da Constituição federal suas competências. Essa
distribuição constitucional de competências, que implica o reconhecimento de poderes
e a atribuição de encargos, não depende de uma complementação por lei federal e não
pode ser afetada por lei federal.

O problema das competências pode ser considerado o ponto central da organização
federativa. É indispensável, antes de tudo, que a distribuição das competências entre a
união e os Estados seja feita na própria Constituição, para não haver o risco de que a
perda ou a redução excessiva das autonomias rompa o equilíbrio federativo ou mesmo
anule a federação, criando um Estado que, na realidade seja unitário pela centralização
do poder. É importante acentuar que no Estado Federal o que se tem é uma
descentralização política e não apenas administrativa, isto é, existem múltiplos centros
de decisão, cada um tendo exclusividade em relação a determinados assuntos, o que é
muito mais do que a simples descentralização da execução.
Os seguintes pontos são fundamentais quando se trata do problema das competências:

1) é indispensável que não se estabeleça a supremacia da união ou das unidades
federadas, devendo-se procurar uma distribuição de competências equilibrada,
que assegure a autonomia de cada centro de poder, sem prejudicar a eficiência
de qualquer um deles. Nem as unidades federadas devem ser subordinadas à
União, nem esta deve ser sujeita àquelas.

2) Como regra, à União são atribuídas competências para as matérias de interesse
geral, que importam a todo o conjunto federativo, ficando com as unidades
federadas os assuntos de interesse preponderantemente local ou que se supõe
serão tratados com mais propriedade e eficiência se entregues ao poder local.
Essa regra, fixada pelos federalistas do século XVIII, permite grande flexibilidade
na distribuição das competências e exige mesmo uma interpretação dinâmica
dos dispositivos constitucionais, pois com a modificação das condições de vida,
com os progressos da ciência e da técnica e com a mudança da significação
social de muitos fatos torna-se conveniente, ou até necessária, a transposição
de certos assuntos de uma para outra esfera de competências;

3) É conveniente que se faça a enumeração das competências na própria
Constituição, para reduzir a possibilidade de conflito ou de dúvida, mas deve ser
desde logo estabelecido a quem pertence a competência residual ou
remanescente, isto é, quem tem o poder e a obrigação de cuidar dos assuntos
não contidos na enumeração. Partindo do pressuposto de que os Estados,
unidades federadas, entregaram à União uma parte de suas competências,
quando decidiram criar o Estado Federal, a Constituição dos Estados Unidos da
América continha implícita, desde o início, a regra segundo a qual tudo o que
não foi transferido à União continua no âmbito da competência estadual. Essa
regra foi tornada expressa pela 10ª Emenda à Constituição, posta em vigor em
1791. 

AUTONOMIA FINANCEIRA DA UNIÃO E DOS ESTADOS
Não se pode perder de vista que a distribuição de competências significa uma
atribuição de poderes e, ao mesmo tempo, de encargos, pois quem recebe a
competência para determinado assunto é que deve legislar sobre ele e adotar as
providências de que ele necessite no âmbito da administração pública, inclusive a
criação e a manutenção de serviços. Maior número de competências pode significar
mais poder político, mas significa também maiores encargos, mais responsabilidade.
Por esse motivo, é imprescindível que, ao ser feita a distribuição das competências,
sejam distribuídas, em medida equivalente, as fontes de recursos financeiros, para
que haja equilíbrio entre encargos e rendas. Não havendo tal equilíbrio, duas
hipóteses podem ocorrer: ou a administração não consegue agir com eficiência, e
necessidades fundamentais do povo deixam de ser atendidas ou recebem um
atendimento insuficiente; ou o órgão encarregado do serviço solicita recursos
financeiros de outra fonte, criando-se uma dependência financeira que acarreta,
fatalmente, a dependência política.

Ao ser criado o Estado Federal, no século XVIII, uma das grandes preocupações
era assegurar recursos suficientes à União.
Quando se criou o Estado Federal houve a preocupação de assegurar recursos
próprios e permanentes à União, para que esta pudesse desempenhar com
eficiência suas atribuições, que não se limitavam ao atendimento das emergências
de guerra, mas incluíam também inúmeros serviços de interesse geral e
permanente. Foi, então, reconhecida uma competência tributária própria para a
União e para os Estados. Com o passar do tempo o problema financeiro mudou de
característica, pois, além de ter competência exclusiva para cunhar moeda, a União
ficou com o controle do sistema bancário e ampliou seu poder tributário, passando
a ser dos Estados-membros o problema de obter recursos suficientes para o
desempenho de suas atribuições.

O poder tributário estadual é, em princípio, bastante amplo, pois a Constituição só
proibiu que os Estados recebam tributos sobre importação e exportação. Assim
sendo, cada Estado cria seus próprios tributos, levando em conta suas respectivas
características econômicas e as condições de vida de sua população. Embora
muitas funções estaduais tenham passado para a União, com o tempo foi sendo
demonstrada a insuficiência das rendas estaduais, que são provenientes,
basicamente, de impostos sobre a renda dos cidadãos, sobre vendas e sobre o
consumo. A União tem dado auxílio financeiro a Estados em situações de
emergência, mas a base das rendas estaduais continua sendo os próprios tributos
estaduais, havendo também o recurso a empréstimos públicos para a execução de
obras ou serviços especiais.”

DESCONCENTRAÇÃO DO PODER POLÍTICO
“Uma característica importante para que se compreenda o sentido inovador e o
alcance do federalismo é a desconcentração do poder político, que é muito mais do
que a simples descentralização administrativa, a qual também pode ocorrer num
Estado Unitário.

Quando se propôs que as antigas colônias britânicas se unissem numa federação,
dotada de um poder político central, isso despertou reações contrárias, pois muitos 
não percebiam que diferença podia haver entre a antiga subordinação a um poder
central inglês e uma subordinação a um poder central americano. Coube sobre tudo
a Hamilton, Jay e Madison, três dos principais criadores do Estado Federal, através
de artigos assinados com o pseudônimo Publius e pouco depois reunidos em livro,
com o título O federalista, demonstrar que o federalismo representava a existência
de duas esferas de poder político: uma federal, concentrada na União, e outra
estadual, assegurando-se a cada Estado o poder de agir com autonomia,
organizando seu próprio governo e escolhendo seus governantes, estabelecendo
suas prioridades, tendo suas próprias fontes de renda, exercendo seu poder
legislativo e, afinal, desempenhando as atribuições de sua competência sem
nenhuma possibilidade de interferência da União.

Para muitos autores esse é o verdadeiro ponto diferenciador do Estado Federal: a
União e os Estados tem competências próprias e exclusivas, asseguradas pela
Constituição. Nem a União é superior aos Estados, nem estes são superiores
àquela. As tarefas de cada um são diferentes mas o poder político de ambos é
equivalente.

Tendo autonomia política, os Estados tem sua vida política própria, havendo muitos
partidos políticos de âmbito estadual e até municipal, devendo-se notar que a
Constituição norte-americana não contém qualquer regra sobre partidos políticos,
sendo ainda parcialmente estadual a legislação eleitoral. É oportuno assinalar que
a organização municipal também não está prevista na Constituição dos Estados,
ficando, portanto, no âmbito da competência legislativa estadual o estabelecimento
de normas sobre a organização dos municípios, notando-se, em consequência, que
essa organização é bastante diversificada, pois a única exigência é que sejam
respeitados os princípios inerentes a um governo republicano.

É interessante observar que, no início, quando as antigas colônias haviam-se
declarado independentes – transformando-se portanto em Estados e, como tais,
dotados de soberania -, a proposta de criação de um Estado Federal, entregandose
à União o exercício da soberania, levou à conclusão de que os federalistas eram
favoráveis à centralização do poder político. Mas, depois que experiência
demonstrou que a autonomia política dos Estados era uma realidade e não apenas
uma ficção, houve uma inversão na consideração do assunto. Muitos Estados
Unitários, que tinham, portanto, um poder político centralizado, adotaram a forma
federativa, exatamente com o objetivo de promover a desconcentração do poder
político.”

NASCIMENTO DE NOVA CIDADANIA
“Esse ponto deu margem a muitas controvérsias no momento de criação dos
Estados Unidos da América, pois muitos não queriam perder a cidadania que haviam
conquistado com a independência. Para contornar os problemas políticos
resultantes dessa resistência, a Constituição norte-americana estabeleceu apenas
que os cidadãos de cada Estado teriam direito, nos demais Estados, a todos os
privilégios e imunidades que estes concedessem aos seus próprios cidadãos. Desse
modo ficava declarada a permanência da cidadania estadual, sem que se fizesse
qualquer menção à nova cidadania que havia nascido com a criação do Estado
Federal. 

Mais tarde, entretanto, através da 5ª Emenda à Constituição, de 1868, ficou
estabelecido que todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos
e sujeitas à sua jurisdição são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado em que
residem. Com isso ficou afirmada a existência de uma cidadania norte-americana,
dispondo-se também, pela mesma emenda, que nenhum Estado poderá fazer ou
pôr em vigor qualquer lei que restrinja os privilégios e imunidades dos cidadãos dos
Estados Unidos. E na afirmação da cidadania norte-americana estava implícita a
obrigação de cumprir todas as leis dos Estados Unidos.

Como a autonomia dos Estados é ampla e é efetivamente respeitada, a existência
de uma cidadania estadual, ao lado da cidadania federal, tem reflexos práticos.
Assim, por exemplo, em matéria tributária ou na parte da matéria eleitoral que ainda
lhe compete, cada Estado pode legislar para os seus cidadãos, só não podendo
restringir-lhes os direitos e nem isentá-los das obrigações que decorram das leis dos
Estados Unidos, pois estas se aplicam a todos que tiverem a cidadania norteamericana.”

Livro: O Estado Federal
Autor: Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari
Nesse espaço serão tratados continuamente os
assuntos da agenda “Eleições 2018”, até que elas
ocorram em outubro/2018.
ARTIGO25
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