Propostas de reforma tributária são ruins
Para professor da USP, mudança nos tributos no Brasil deveria ser feito por meio de leis ordinárias e complementares, o que facilitaria o processo
Entrevista com Heleno Taveira Torres, professor de Direito Tributário da USP
Márcia De Chiara, O Estado de S.Paulo – 21 de fevereiro de 2020 | 14h00
Heleno Taveira Torres, professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, considera as duas propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso – uma na Câmara e outra no Senado – inviáveis e tecnicamente muito ruins. Ele defende uma reforma tributária fatiada, que reformule a estrutura de cada imposto existente, sem criar novos.
Essa mudança, na sua opinião, poderia ser feita por meio de leis ordinária e complementar, sem necessidade de alterar a Constituição. Isso daria celeridade ao processo, que poderia ser conduzido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “O Guedes tem de sair da caixinha do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e criar a caixinha do fatiamento.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. avalia o sistema tributário atual?
É um sistema defasado. A legislação é muito ruim, com conceitos indeterminados e uma quantidade enorme de leis, que vão gerando dúvidas na interpretação e que acabam questionadas na Justiça. Isso cria muita litigiosidade. O passivo tributário chega a R$ 5 trilhões. É quase um PIB (Produto Interno Bruto) inteiro.
Como o sr. vê o encaminhamento da reforma tributária?
Temos a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110 no Senado e a PEC 45 na Câmara. O meu entendimento é que, para fazer a reforma, não é preciso mudança excessiva na Constituição. Poderíamos fazer uma reforma ampla, dando segurança jurídica aos investimentos, reduzindo conflitos e gerando melhor ambiente de negócios com ações rápidas e efetivas na própria legislação de cada imposto existente. Se fosse vontade do governo federal de realmente implementar a reforma, isso poderia ser feito só com lei complementar e ordinária, mas não com PEC.
Por que, então, as PECs?
Quando não havia proposta, Rodrigo Maia (presidente da Câmara) abraçou o projeto do IBS. Na época, era a única proposta, que se consolidou na PEC 45. O objetivo foi manter ativa a discussão da reforma. Ainda bem que ele fez isso. Mas até agora não veio a proposta do governo. A Constituição diz que é competência do presidente e, obviamente dos ministros, de apresentar mudanças sobre tributação.
O que o sr. acha das PECs?
Do ponto de vista técnico, são muito ruins. A reforma que está sendo construída é só sobre a tributação do consumo. Mas o sistema envolve também a tributação da renda, da folha de salários, questões sobre multas, processo de arrecadação e cobrança. Precisamos de uma reforma tributária mais ampla. As duas PECs não resolvem os problemas dos tributos sobre consumo, criam duplicidade de sistemas, o que não é bom para a economia. As pessoas vão ficar com medo de investir até que conheçam as leis e como vai se comportar o funcionamento do novo imposto. O sistema velho, não reformado, estará funcionando ao lado do novo sistema de tributação de consumo. Isso é perigosíssimo.
O que o sr. acha do movimento dos empresários contra as PECs e pedindo a desoneração da folha e a criação da nova CPMF?
Um absurdo, vergonha alheia. Só compreendo e entendo essa manifestação como uma rejeição às PECs que estão em andamento e por falta de medidas reais e concretas de reforma, que deveriam vir do Ministério da Economia.
Qual seria a proposta factível?
A reforma não deveria ser constitucional, mas infraconstitucional. O correto hoje, para ser mais rápido e atender às demandas da sociedade, seria reformar a estrutura de cada imposto, por lei ordinária e complementar.
Qual o mecanismo para fazer uma reforma tributária sem mexer na Constituição?
O mecanismo seria o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter um olhar reformador sobre o sistema tributário. Ele precisa mandar para o Congresso projetos de lei complementar. O Guedes tem de sair da caixinha do IBS e criar a caixinha do fatiamento. Vamos fatiar essa reforma tributária, tributo a tributo, e mexer em cada um. Seria mais rápido e eficiente. A celeridade está nas mãos do ministro. Ele é quem decide: se quer fazer uma reforma rápida e simplificadora e indutora de segurança jurídica ou se quer continuar com um sistema absolutamente confuso, complexo e com um debate centrado em duas PECs, que não vão para lugar nenhum.
E por que o ministro não faz isso?
Ele é um homem de mercado financeiro e não tem essa compreensão de Estado e da importância do que é ser um estadista reformador. O sistema tributário não é só o pagamento de imposto. É também o grande processo de alinhamentos federativos, de equalização de financiamentos de Estados e municípios, de redução de conflitos. É preciso usar o sistema tributário como indutor das políticas que o Estado quer ver realizadas. Quais são essas políticas? Nós não sabemos.
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