Reforma do Estado
O Brasil evoluiu nas últimas décadas. Mas essa permanece como uma tarefa inconclusa
Fabio Giambiagi, O Estado de S.Paulo – 07 de outubro de 2020 | 03h00
A atuação do Estado está ligada a múltiplos elementos e pode ser julgada sob diversas óticas. De qualquer forma, o mais importante é ele desempenhar o papel para o qual existe, que é o de atender adequadamente à população – e, nesse sentido, é evidente que o Estado brasileiro deixa bastante a desejar.
Exatamente por essa deficiência, a expressão “reforma do Estado” permeia as reflexões sobre o tema geral das grandes reformas do País há muitos anos. Levando em conta esse pano de fundo, eu e meus colegas da área de planejamento do BNDES Sérgio Guimarães Ferreira e Antônio Hoelz Ambrozio organizamos o livro Reforma do Estado Brasileiro – Transformando a Atuação do Governo, recentemente publicado pela GEN Editora.
Procuramos explicar o sentido do livro na apresentação que antecede os capítulos. O objetivo de qualquer organização pública deve ser a busca da eficácia, da eficiência e da efetividade. Eficácia se mede pela capacidade de entregar o produto ou serviço; eficiência, pela capacidade de fazê-lo ao menor custo possível; e efetividade, pela capacidade de produzir o maior impacto possível para a sociedade. Sabemos que no Brasil o Estado não tem sido eficaz. Obras públicas paradas são o exemplo mais óbvio em todos os níveis. O Estado aqui também não é eficiente. Os serviços públicos, além de ineficazes em sua operação, são ofertados de forma custosa. Por último, o Estado brasileiro tem baixa efetividade na medida em que suas intervenções têm muitas vezes baixo impacto.
O livro, de 23 capítulos, é aberto com a tirada de W. Churchill de que “é mais fácil comprar um submarino que ser autorizado a comprar um pacote de chá para as reuniões de gabinete”, algo que merece reflexão nos tempos atuais, em que os controles de todo tipo começam a cobrar um custo importante para a agilidade da gestão em todos os âmbitos. O livro conta com prefácio de Armínio Fraga, “orelha” escrita pelo jornalista Fernando Dantas e contracapa do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, e se divide em oito blocos.
O primeiro grupo de capítulos basicamente introduz o tema da natureza e das formas de funcionamento do Estado moderno. A segunda parte traz um conjunto de capítulos que trata do equilíbrio intertemporal de receitas e despesas, com abordagens complementares que lidam com o tema – muito discutido na literatura internacional – das regras fiscais.
A terceira parte lida com o que poderíamos denominar “função de produção” da administração pública, representada pelos recursos humanos e pelas compras de bens e serviços. A quarta parte trata do desafio de alocar recursos escassos de forma a maximizar o resultado final desejado e inclui capítulos sobre propostas de redefinição do processo orçamentário, gestão pública baseada em evidências, processos de monitoramento e avaliação, mecanismos de transformação da gestão pública e a integração das diversas políticas governamentais.
A quinta parte engloba capítulos cujos autores procuraram responder a uma mesma indagação: como aproximar o governo das preferências e necessidades dos cidadãos? Isso implica discutir temas ligados à descentralização administrativa, à lógica de ação dos agentes políticos, às normas que regem a conduta dos administradores públicos, ao aprimoramento do combate à corrupção e à relação entre o comportamento dos governos e o fenômeno das novas mídias.
A sexta parte traz propostas de mudança da atuação do Estado. Ela inclui um relato do processo de privatização desde 1990 até os dias atuais; uma reflexão sobre o papel do Estado como regulador, com um olhar sobre o caso específico do setor de energia; uma discussão acerca de como melhorar a efetividade de algumas políticas; e a necessidade de quebrar barreiras à entrada e de usar o Estado para favorecer os mecanismos de competição.
A sétima parte discute uma velha questão da teoria do Estado: quem controla o controlador? Nele se procura definir os limites que o Estado deveria ter na função de controle e a relação entre o Judiciário e os demais Poderes.
Por último, há uma oitava parte com uma reflexão sobre a definição das questões de que o livro trata, mas avaliadas à luz da crise do coronavírus de 2020.
O estudo dos processos de desenvolvimento que levaram sociedades outrora com sérios problemas a se tornar agrupamentos de cidadãos prósperos nos ensina que as instituições desempenham papel-chave para o progresso. Nesse sentido, não há dúvidas de que o Brasil evoluiu nas últimas décadas. A Constituição de 1988 envolve um compromisso social importante, temos ritos democráticos que se repetem sem percalços há muitas eleições e a macroeconomia está mais organizada que do no passado, com inflação; e agora também com taxas de juros baixas. A reforma do Estado, porém, permanece como uma das tarefas inconclusas de nossa caminhada.
Esperemos que a leitura do livro possa representar uma modesta contribuição para a reflexão sobre o tema.
*ECONOMISTA
ARTIGO641