O intervencionismo judicial
Para ministro Luiz Fux, responsabilidade por tensões institucionais é dos demais Poderes
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo – 08 de outubro de 2020 | 03h00
Na primeira reunião em que participou como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux, que está à frente do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 10 de setembro, tocou num tema politicamente importante. Trata-se do excesso de intervencionismo do Judiciário na vida política e econômica do País, gerando com isso tensões no equilíbrio entre os Poderes.
É preciso fazer com que o Judiciário volte a ter uma “imagem respeitável”, disse ele ao discutir o problema da judicialização e as críticas ao ativismo judicial vindas do Executivo e do Legislativo. A sessão do CNJ foi realizada por meios virtuais simultaneamente com a primeira reunião de Fux com os presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho. Ou seja, o presidente do STF falou sobre uma questão delicada para a cúpula da Justiça brasileira.
Segundo ele, apesar de o excesso de intervencionismo judicial gerar tensões institucionais, a responsabilidade não é da Justiça, mas dos demais Poderes. Nesse ponto, Fux está certo. Como o Executivo muitas vezes exorbita de suas prerrogativas, ora tratando por matérias que só podem ser objeto de lei ordinária, ora incluindo nas medidas provisórias temas que alteram a Constituição, todas as vezes que o STF é acionado para julgar ações de inconstitucionalidade contra atos e iniciativas desse Poder ele não pode deixar de tomar uma decisão. E seja esta qual for, a Corte sempre será criticada pela parte derrotada.
O mesmo também acontece no Congresso. Apesar de a Câmara e o Senado serem Casas políticas, muitas vezes as lideranças parlamentares não conseguem administrar suas divergências e decidi-las com base em leis específicas ou no regimento interno. Elas se acostumaram a encaminhar seus impasses para o STF. Isso ocorre igualmente quando corporações profissionais, movimentos sociais e organizações não governamentais batem às portas dos tribunais questionando políticas públicas e decisões do governo.
Por isso, disse Fux, se por um lado o Judiciário não está invadindo a área de competência dos demais Poderes e absorvendo matérias que não pertencem originariamente à sua área de atuação, por outro não pode deixar de agir quando é devidamente provocado. “Não temos um governo de juízes nem devemos aceitar essa pecha de judicialização da política. O que existe é uma política que judicializa seus feitos quando não consegue resolver, em sua própria arena, suas questões intramuros”, afirmou o presidente do Supremo.
Durante os debates, o desembargador Ítalo Mendes, presidente do TRF 1, com sede em Brasília e jurisdição em 14 Estados, pôs o dedo na questão que mais incomoda sua corporação, atualmente. Ele disse que as acusações de ativismo contra os juízes estão propiciando um crescente questionamento da Justiça, como instituição, e afirmou que ela tem de ser resguardada.
Subjacente a esse temor e a esse anseio estava um problema conhecido: o descontentamento da magistratura com o modo como o presidente Jair Bolsonaro vem tratando a Justiça, acusando-a de não ter permitido que ele enfrentasse a pandemia de covid-19, depois que o STF reconheceu a autonomia concorrente dos Estados e municípios. Consciente da delicadeza do tema e do risco de sua resposta gerar um desnecessário bate-boca com o chefe do Executivo, Fux foi prudente. Afirmou que a Justiça tem de ser preservada, mas que seus membros precisam aprender a lidar com os desafios a ela colocados por problemas conjunturais e contingências, como é o caso da pandemia e dos ataques despropositados do chefe do Executivo.
A resposta não foi direta. Mas Fux deixou implícito que compreendeu o que os juízes reivindicam. Ficou claro que ele não contemporizará quando a Justiça for atacada e saberá reagir com a devida firmeza, quando necessário.
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