O rombo fiscal e a incerteza
Com dívida fora dos padrões, governo deveria cuidar mais da credibilidade
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo – 08 de outubro de 2020 | 03h00
Os estragos causados pela pandemia continuam bem visíveis nas finanças públicas, e assim continuarão, provavelmente, por mais uns dois anos. O buraco nas contas do governo central deve chegar a R$ 871 bilhões em 2020, segundo o Ministério da Economia. A projeção anterior, divulgada no mês passado, indicava déficit primário, isto é, sem juros, de R$ 787,4 bilhões. A atividade se recupera desde maio e mais impostos têm sido pagos, mas isso pouco se reflete, ainda, na evolução da receita. Em agosto o governo central arrecadou R$ 121,4 bilhões, 1% mais que um ano antes, descontada a inflação. Pela primeira vez, desde abril, houve ganho real em relação a igual mês de 2019.
Aos números de agosto foi acrescentado um toque de esperança, em nota divulgada pelo Tesouro Nacional. A crise, segundo o texto, pode tornar-se um momento promissor para a pauta de reformas, “com foco na consolidação fiscal e na produtividade da economia brasileira”. Mas a cúpula do Executivo pouco tem feito, até agora, para reforçar esse quase otimismo.
Apesar das promessas de seriedade fiscal, incluído o respeito ao teto de gastos, o presidente exibe e reafirma, no dia a dia, preocupações muito diferentes, centradas na reeleição e balizadas por critérios populistas. Essa orientação é muito clara nas discussões sobre o Orçamento para 2021: é preciso encontrar meios de acomodar a Renda Cidadã na programação financeira e, se possível, incluir alguns investimentos para propiciar eventos políticos e, na melhor hipótese, inaugurações.
A defesa da consolidação fiscal tem-se repetido em notas divulgadas pelo Tesouro juntamente com os informes mensais sobre as contas do governo central. A consolidação em curso – ou ainda em curso – tem permitido, segundo a última nota, reduzir os custos da dívida mobiliária federal.
O custo médio das emissões e do estoque da dívida chegou aos mínimos históricos de 4,85% e 8,54% ao ano, respectivamente. Dirigentes do Banco Central (BC) também têm apontado a confiança na política fiscal como fator importante para a manutenção dos juros básicos em 2% ao ano. Talvez já tenham explicado esse ponto ao presidente da República, mas sem efeito prático. As incertezas são notórias no dia a dia do mercado de capitais e no câmbio instável.
Com a retração dos negócios, a queda do emprego e as medidas emergenciais, incluído o diferimento de tributos, o déficit primário do governo central chegou a R$ 601,3 bilhões em oito meses. Um ano antes havia ficado em R$ 52,1 bilhões, em valores correntes. Até agosto o déficit sem juros foi mais que o quíntuplo do projetado inicialmente para 2020 (R$ 124,1 bilhões).
Um retrato mais amplo das contas públicas é elaborado pelo BC. Os saldos apontados correspondem às necessidades de financiamento, enquanto os cálculos do Tesouro mostram apenas a diferença entre receitas e despesas primárias.
Pelo critério do BC, o governo central teve déficit primário de R$ 96,5 bilhões em agosto e de R$ 601,8 bilhões no ano. Pelo padrão do Tesouro, esses valores foram, respectivamente, R$ 96,1 bilhões e R$ 601,3 bilhões. Com os números de Estados e municípios e da maior parte das estatais (excluídas Petrobrás e Eletrobrás), o setor público teve déficit primário de R$ 87,6 bilhões no mês e de R$ 571,4 bilhões em oito meses.
Somados os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um buraco de R$ 121,9 bilhões para o setor público, em agosto, e de R$ 785,1 bilhões no ano. Esse buraco equivale a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 12 meses o rombo geral chegou a R$ 933,5 bilhões, ou 13% do PIB. A conta de juros alcançou R$ 322,2 bilhões.
Com esse desempenho, a dívida bruta do governo geral – os três níveis mais o INSS – alcançou em agosto R$ 6,4 trilhões (88,8% do PIB) e deve aumentar até o fim do ano. Segundo o Ministério da Economia, poderá bater em 94% do PIB. Em abril o Fundo Monetário Internacional estimou a média de 62% para os emergentes em 2020. O tamanho da dívida brasileira é mais um forte motivo para o Executivo cuidar da credibilidade.
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