A falsa solução parlamentarista
FERNÃO LARA MESQUITA*, O Estado de S.Paulo – 22 de Agosto 2017
Parlamentarismo, com ou sem voto distrital misto, aquele em que se vota uma vez no representante e outra no partido, agora virou o santo remédio para tudo. Como é que dá para discutir a sério essas firulas mantido este fundo partidário que premia automaticamente todo bandido que vestir um uniforme de político?! Como entregar seu destino a “partidos” regados a dinheiro público – e, portanto, fracos e corrompidos desde o DNA – antes de tomar a providência palmar de fechar essa torneira e deixar para o eleitor a decisão de sustentar ou não os partidos que lhe sejam úteis? O Brasil tem de ir à raiz dos seus problemas. Poder, que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando é absoluto, é concentração. Democracia é dispersão. Muito pior que o poder econômico, portanto, é ele acrescido do poder político, do poder de polícia e do poder militar. O monstro onde tudo isso se acumula se chama “Estado”. Cada grama das prerrogativas de que o eleitor, ÚNICA fonte de legitimação do poder do Estado, abrir mão em favor dessa entidade é uma tonelada de opressão que estará contratando. Não há exemplo histórico de falha dessa regra. Não demorou dois minutos para seguirmos o padrão assim que delegamos ao Estado (e ao PT!) a redefinição do custo das eleições que o PT tinha feito disparar comprando “hegemonia” com dinheiro de “campeões nacionais” de laboratório e corrompendo sistematicamente as instâncias de representação. Todo o mundo politicamente adulto aceita o financiamento privado porque as alternativas são muito piores. Nos EUA, o partido tem cinco dias para registrar e tornar pública cada doação. O Estado checa, na hora, se ela está dentro da regra. O eleitor, informado antes de votar, decide se, mesmo estando dentro da regra, o candidato ou o partido estão ou não se vendendo ao aceitá-la. É claro que o Estado nunca julgará melhor que ele. “O problema do financiamento privado é a ‘contrapartida’ que se compra com as doações?” Sim, é verdade. Mas estas é impossível esconder. Para isso existe a polícia, que será tanto mais eficiente e “orientada para o cliente” quanto mais indiscriminado for o império da lei e o emprego do delegado e do policial dependerem da aprovação da população que eles servem. Para isso também eles são eleitos e demissíveis por recall a qualquer momento nas democracias que vão além da aparência, assim como os políticos e até os juízes. Se cada parte estiver no lado certo desse jogo, portanto, para cada Joesley haverá um Sergio moro. Já com financiamento público não, porque aí a “polícia” e o “ladrão” serão a mesma pessoa e uma face dessa mesma entidade perdoará os crimes da “outra” com desculpas de boi dormir para eliminar adversários e levar adiante o esquema de poder comum. Em “democracia representativa” de verdade só eleitor elege ou deselege representante, cada um o seu, porque não tem outro jeito de uma “representação” ser fidedigna. Ninguém dá mole para dono de partido ficar com metade ou com a sua representação inteira pela simples razão de que nada sugere que ele saiba melhor que você o que é bom para você. O parlamentarismo facilita, sim, desmontar governos, mas não muda necessariamente o jeito de montá-los. Pode-se seguir comprando “coalizões” como sempre, a cada novo governo formado, reunindo meia dúzia de pessoas num quartinho de hotel. É fácil demais para não acontecer. O que esse sistema proporciona, na verdade, é que isso aconteça mais vezes ao longo do mesmo percurso. Parlamentarismo não é, portanto, nem a solução indicada se o que você quer é realmente mandar na sua própria vida nem, muito menos, um sistema forte o suficiente para deter o tsunami de corrupção brasileiro. Na velha Europa, funciona mais ou menos bem em países pequenos, muito ricos e de distribuição homogênea de renda e educação; e bem pior nos países pequenos com desigualdades maiores. Lá, quem escapou do vórtice da corrupção escapou contra o sistema parlamentarista e sem nenhuma contribuição especial dele, porque esse é um tipo de arranjo que, ao antepor a estrutura dos partidos e suas hierarquias internas entre a vontade do eleitorado e a máquina pública, dilui responsabilidades, tira-lhe a agilidade e abre-lhe os flancos à corrupção, favorece o status quo e acomoda o privilégio contra o império do merecimento. Mantém trancafiada, enfim, a porta para Silicon Valley, que não está exclusivamente onde está por acaso. Adotá-lo seria uma traição aos seus filhos. Já o sistema distrital puro com ferramentas de democracia semidireta é intrinsecamente avesso à corrupção e à “privilegiatura”. Sem “listas”, nem suplentes, nem vices, nem qualquer outra forma de “terceirizar” a representação de cada eleitor, leva à individualização das responsabilidades e muda necessária e obrigatoriamente o jeito de formar governos. Caiu alguém, por recall ou “na paz”, o distrito elege outro. Não abre espaço para conchavos.
Difícil? Nada na vida é fácil. Os asiáticos têm conseguido ir do zero ao infinito em duas ou três gerações com eles. Os sistemas estabelecidos têm sempre muita força, mas quando o povo quer mesmo até governo do PT cai. Só é preciso concentrar o foco. Com a 1.ª ferramenta obtém-se a 2.ª; acionando-se as duas juntas, consegue se a 3.ª; e assim vai. Onde aconteceu, o primeiro passo foi sempre a retomada da propriedade dos mandatos pelos eleitores. O recall põe polícia na política. Arma a mão do eleitor para se fazer respeitado. Não existe recall para presidente porque isso para o país (além de ensejar o golpismo). Mas com o recall consegue-se, passo a passo, o “referendo”, que dá ao eleitor o poder de escolher quais leis concorda em seguir, e as “primárias diretas” que abrem as portas à renovação. Isso muda o país de dono. E, com ele sendo seu, você cerca o presidente tirando poderes da União de modo a garantir que nem que lhe caia um Trump sobre a cabeça você será gravemente ferido. É uma construção. Depois do primeiro passo, o céu é o limite.
* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
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