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Governo quer ‘filé com osso’ na privatização dos Correios para manter atendimento a 95% da população

Entre as possibilidades estão a venda de participações e uma delegação dos serviços, de forma similar a uma concessão

Amanda Pupo, O Estado de S.Paulo – 08 de outubro de 2020 | 13h17

BRASÍLIA – O governo pretende abrir um cardápio de opções para trabalhar com a privatização dos Correios por meio de um projeto de lei que será enviado ainda neste ano ao Congresso. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, a secretária do Programa de Parcerias e Investimento (PPI) do Ministério da Economia, Martha Seillier, afirma que, em qualquer alternativa, será mantido o atendimento dos serviços postais para 95% da população, da mesma forma que é hoje – com possibilidade de até aumentar. “Em todas as alternativas possíveis trabalhamos com o modelo ‘filé com osso’ – trabalhar subsídio cruzado entre municípios mais rentáveis e menos rentáveis”, disse.

Entre as possibilidades estão a venda de participações e uma delegação dos serviços, de forma similar a uma concessão. A divisão de concessões por região, como foi feito na privatização do sistema de telefonia, não está descartada. Só após a conclusão dos estudos tocados paralelamente é que se fará a recomendação do modelo, que pode contar até com uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). O que o governo espera é que, com o projeto de lei, haja segurança jurídica para encaminhar a privatização.

Como mostrou o Estadão na quarta-feira, 7, o governo já jogou a toalha e considera que o fim do monopólio dos Correios no serviço postal é o único avanço que pode conseguir em privatizações este ano. A secretária diz, no entanto, que o governo trabalha com o cronograma de leilão apenas para o fim de 2021. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

O projeto de lei que será enviado ao Congresso sobre Correios tratará sobre o quê?

Temos estudos contratados via BNDES, e as diretrizes estamos prevendo no projeto de lei. Sabemos que os Correios são uma empresa gigantesca, praticamente universalizou os serviços no Brasil. Hoje 95% da população tem acesso aos serviços. A diretriz da desestatização não é vender e fazer caixa. A diretriz é tornar mais eficiente uma empresa que hoje sofre as consequências de ser uma empresa pública, em termos de engessamento.

O texto desenhará as premissas de prestação dos serviços?

O PL parte da premissa de que o serviço postal tem de continuar sendo universal. É trazer investidor, ou investidores, com obrigações em relação a universalização do atendimento e a modicidade dos preços de alguma maneira. O principal objetivo é abrir a possibilidade da desestatização. Seja por venda de participações, em que se possibilita que a empresa se torne uma sociedade de economia mista; possibilita que tenha venda de controle minoritário ou majoritário no futuro; possibilita que tenha delegação dos serviços por meio de contrato em que uma empresa prestaria os serviços pelos Correios – um instituto parecido com da concessão. Estudos não estão prontos, então não sabemos dizer: ‘Olha, a recomendação é fazer um IPO’, ‘a recomendação é fatiar o Brasil em cinco regiões e assinar cinco contratos de concessões com cinco parceiros privados que vão fazer o que os Correios fazem’.

Uma espécie de cardápio de opções para a desestatização?

Exato. Pode ser visto como um cardápio, mas como um cardápio limitado a diretrizes importantes. Então, uma das opções que não está no cardápio é simplesmente – como disse o presidente Bolsonaro – colocar na prateleira e vender.

Uma PEC precisa ser aprovada para desestatizar os Correios, já que a Constituição prevê a União com o  monopólio dos serviços postais. Essa PEC ainda será enviada? 

Não. Nós optamos por projeto de lei que regulamenta a atual redação da Constituição. Hoje o artigo 21 diz que compete à União manter o serviço postal. Isso é prestar o serviço diretamente? É criar uma empresa estatal? Mas poderia ser também por meio de um parceiro privado em contrato, por exemplo, de concessão de prestação de serviço? Ou essa empresa poderia ter controle acionário de um parceiro privado? Então nós optamos por regulamentar esse artigo da Constituição.

Há dúvidas sobre como a iniciativa privada vai atender lugares que não são rentáveis economicamente.

Não podemos ter desatendimento de cidades – os Correios já estão em praticamente todas os municípios. Então mesmo que seja uma empresa só prestando serviços no lugar dos Correios, e não por blocos, ela vai ter que ter subsídio cruzado entre municípios mais rentáveis e menos rentáveis (filé com osso). É premissa é que não tenhamos desatendimento de cidades em função da desestatização. Sobre a forma, eu preciso de fato ter agência em todas as cidades ou eu posso ter parcerias com braços de outras áreas que me garantam atendimento da mesma forma a todas as cidades com eficiência, agilidade?

A possibilidade de o governo dar subsídios para áreas de mais difícil acesso é trabalhada no projeto?

Hoje a empresa não é dependente do Tesouro e por isso não demanda aporte. Mas o que tem por trás disso? A imunidade tributária dos Correios. Os estudos vão conseguir precificar melhor quanto custa isso, se a eficiência da empresa privada supre. Trabalharemos para evitar qualquer tipo de gasto adicional. O PL prevê a possibilidade de se manter algum tipo de imunidade tributária para a empresa que prestar serviços no lugar do governo, caso isso seja necessário para garantir a viabilidade sem precisar ter aporte do governo.

O modelo de privatização das telecomunicações é uma das opções estudadas?

Um dos exemplos, com certeza. Não necessariamente vai ser uma “proposta cópia” de algum modelo específico. Pode ser um híbrido, do que já fizeram as teles no Brasil, com o que já fez a Alemanha em termos de desestatização. A DHL, na Alemanha, foi fruto do processo de desestatização e virou essa gigante mundial.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) será a reguladora?

Isso. Já conversamos com o presidente da Anatel (Leonardo Euler de Morais), e ele até nos disse que em outros países não é incomum que se tenha esse papel de agência de telecom junto a comunicações de forma mais ampla. Então, o projeto de lei prevê esse papel para a Anatel.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, citou recentemente que cinco empresas estão interessadas na privatização dos Correios. Esse interesse procede?

Já fizemos uma rodada de diálogo com mercado sobre setor postal. Ficou muito claro que os grandes players do segmento de vendas online têm muito interesse em não necessariamente adquirir essa empresa, mas em acompanhar o processo. Como não evoluímos ainda na definição da modelagem, é muito difícil dizer: ‘tal empresa tem interesse ou não tem interesse’.

Tem alguma previsão de quando o projeto de lei será enviado ao Congresso?

Estive com o ministro Fábio Faria na semana passada, o time dele já estava bastante envolvido. Quando o ministro assinar vai para o Palácio do Planalto. A expectativa é para este ano. A primeira fase dos estudos também fecha neste ano, com isso já haverá melhor leitura das alternativas. Em 2021 entra na fase 2 dos estudos, com precificação, contrato, minutas. A ideia seria no meio do ano ter isso pronto para abrir a consulta pública, e depois protocolar no Tribunal de Contas da União (TCU). Então trabalhamos hoje com um cronograma de leilão ainda no final de 2021.

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