‘O desemprego pode atingir proporções ainda desconhecidas’
O Estado de S. Paulo – 19 Oct 2020
Ricardo Antunes, sociólogo e professor da Unicamp
Antunes diz muitas profissões irão desaparecer
O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas, acredita que o aumento da digitalização e da automação vai criar um desemprego de proporções ainda desconhecidas no Brasil e no mundo. Segundo ele, a pandemia do novo coronavírus pegou o mercado de trabalho corroído por anos de desestruturação e, como ocorreu na primeira revolução industrial, muitas profissões vão desaparecer.
Durante a pandemia, Antunes lançou o e-book Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado, que traz uma reflexão sobre tudo que está ocorrendo nos últimos meses. Nas próximas semanas, ele lança também o livro Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0, com 19 capítulos, mostrando as facetas desse mundo moderno e seus reflexos na sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão:
- Quais os reflexos da digitalização no mercado de trabalho?
A pandemia desnudou, acentuou e exacerbou tendências que estamos presenciando na última década. Por um lado, há um avanço espetacular das chamadas tecnologias de informação e da comunicação, que resultaram num processo de automatização digital profunda em todo o universo produtivo. Esse avanço se deu paralelamente com um processo que começou em 1973 e se acentuou em 2008 e 2009, com uma enorme informalização do trabalho. Ou seja, houve uma desregulamentação e uma demolição de toda legislação protetora do trabalho até então existente. A pandemia encontrou um mundo com uma tecnologia altamente desenvolvida e ao mesmo tempo um mercado de trabalho corroído pela desestruturação. Hoje temos uma força de trabalho global sobrando em todas as profissões. A maioria desses trabalhadores que perderam seus empregos, mesmo aqueles com qualificação, está conseguindo trabalho só nas plataformas digitais.
- Isso vai piorar?
A pandemia serviu como laboratório das corporações em alguns experimentos do trabalho. Um que explodiu e está dando certo é o home office. É claro que nem tudo pode ser feito em home office. Mas há uma infinidade de outras atividades que podem, especialmente na área de serviços. Na minha opinião, tudo isso vai provocar um desemprego que vai atingir proporções ainda desconhecidas. Tem a história de que a tecnologia vai criar novos postos de trabalho. Sim, mas enquanto cria um, o mercado perde 100. Alguém pode imaginar que as empresas estão criando internet das coisas, inteligência artificial, impressora 3D, big data e internet 5G para contratar mais trabalhadores? O que é internet das coisas?
- Pelo que estamos vendo, o caminho da digitalização e automação não tem volta. Há como reduzir os impactos no mercado de trabalho?
Sim, o trabalho digital e a automação tendem a se acentuar. Para que suas consequências e impactos sejam reduzidos ou minimizados, é imprescindível que o trabalho seja regulamentado. Ou seja, seja provido de plenos direitos. É inaceitável que o trabalho uberizado ou plataformizado, que não para de se expandir globalmente, seja desprovido de direitos, assemelhandose ao que denominei como escravidão digital, isso em pleno século 21. Assim, um imperativo crucial é impedir a destruição de direitos que está em curso e se acentuou durante a pandemia. E que está se expandindo para o conjunto dos assalariados, nas mais diferentes atividades. Mas há uma outra questão decisiva: a automação e o trabalho digital não podem continuar sendo comandados e impulsionados pelo mercado, mas devem ter um predominante sentido humano, público e social. Se esses dois pontos não forem seriamente contemplados, a devastação social será ainda maior. /R.P.
ARTIGO163