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PAPER 106: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)

Tema: “Mudança de paradigma.” (3)

” … eu hoje diria a um eleitor: ‘Vote em quem prometer que vai mudar a Constituição.’ “

Delfim Netto (Estadão, 09/01/2021, página B5)

 

Este “PAPER”, a exemplo dos dois últimos, se relaciona ao debate público provocado  pelo Ensaio “Mudança de paradigma”, no qual estaremos focando também  a questão do Judiciário.

Ao nosso ver, no atual contexto do conjunto de quase todos os países com expressivo endividamento público, o convite ao debate é atrativo por outras razões, não somente ideológicas.

Na verdade, afigura-se como uma opção que a sutileza atrai para o centro das discussões, um inteligente – e até astuto – nacionalismo, associado à evidente necessidade de segurança nacional financeira que preserve a soberania dos povos e viabilize o progresso lastreado na liberdade e democracia.

A pandemia mostra as diversas características dos nacionalismos, o poderio e onde ele se encontra. O desenvolvimento econômico requer investimentos, ou seja, poder financeiro.

O comportamento humano (e dos países também), tende sempre a aceitar alternativas: ora é o nacionalismo, ora é a globalização, ora é o parlamentarismo ou outras formas de governo, ora prevalece a comunicação digital, ora analógica, enquanto o foco deveria ser o bem comum da sociedade e o interesse nacional do povo, porque afinal as pessoas vivem no território nacional.

Por tais razões, a alternativa deve ser aquela que melhor atender à condição cultural de cada um, ao objetivo nacional e ao seu grau de comprometimento com a Nação.

A tese do economista Lara Resende é atrativa na circunstância atual da economia brasileira – endividamento público, POBREZA, baixa produtividade, pequeno mercado interno para viabilizar competitivamente as empresas brasileiras, incapacidade de proporcionar ocupação laboral para amplos setores da população, elevada carga tributária, pequeno PIB em face dos custos fixos (Estado), crises políticas e econômicas permanentes, que já avançam por quase um século (desde 1930).

O equacionamento e solução desses problemas requer estadistas com inventividade, inteligência, capacidade de decisão, discernimento e lucidez para, com liderança política, conduzir a Nação a melhores dias para nossos filhos e netos, os quais terão de se envolver e também  participar desta empreitada.

As nossas atuais dificuldades devem ser superadas com objetivos estratégicos fundados no desenvolvimento econômico e processados por comando político eficiente, para produzir o desenvolvimento social e cultural.

Já nos manifestamos anteriormente a respeito da necessidade de mudanças constitucionais e legais como fulcro na transformação e aperfeiçoamento da cultura, dos processos e procedimentos institucionais que gerem a empolgação popular, para construir a confiança indispensável ao êxito.

Esse quadro poderá ser uma realidade, caso a “Mudança de paradigma” venha a ser adotada, em face da escassez de alternativas para financiar o desenvolvimento econômico nacional.

O endividamento público é uma opção viável e poderosa, se estruturado adequadamente para investimento com retorno assegurado, com viabilidade econômica comprovável. Que fique claro para a sociedade  a distinção entre as responsabilidades do Estado e as funções de governo.

Nossos “PAPER”s resultantes de conhecimentos e experiências dos membros do Conselho Brasil-Nação, trazem ao debate opiniões que julgamos válidas, de personalidades conhecidas e respeitadas, publicadas na mídia nacional e internacional, ou outros meios de veiculação como livros, revistas, debates públicos ou redes sociais.

O Judiciário brasileiro, um dos três poderes da República, precisa ser mais adequado às necessidades do Brasil, qualquer que seja a alternativa adotada, não necessariamente a que agora estamos debatendo, em face das diversas manifestações a seguir expostas.

No “PAPER”15 de 19/02/2018, “Escreve o Prof. Luiz Werneck Vianna, sociólogo da PUC-RIO, no Estadão de 04/02/2018: ‘A Carta de 88… …ampliou o número de agentes com papel ativo no controle de constitucionalidade das leis. Como a experiência vai demonstrar, essas inovações irão afetar o poder soberano, rebaixando sua capacidade discricionária de governar o País. Sem querer, silenciosamente uma mutação toma corpo na sociedade e na política no sentido de submetê-la a um governo de juízes. As eleições que se avizinham são o momento oportuno para que a sociedade retome seu destino em suas mãos e avive os partidos e a política, cortando pela raiz esse experimento nefasto a que estamos sendo submetidos.’ ”

A Federação do Comércio do Estado de São Paulo em 17/08/2000, portanto há 20 anos, com o título de “Reforma do Judiciário” possibilitou ao  jurista, professor de Direito e advogado militante, Dr. Ives Gandra Martins, expor em palestra, disponível no “site”, sua visão do Judiciário, a seguir transcrita parcialmente:

“Fiz palestra neste conselho, creio que em 1987, quando estávamos em pleno processo constituinte, analisando o projeto que se discutia na comissão de sistematização.

Hoje o tema está novamente relacionado ao problema constituinte, à necessidade de uma reforma do Poder Judiciário. Minha intenção é fazer uma análise, diagnosticando os problemas do Poder Judiciário, relacionando o que me pareceria adequado para que essa reforma se fizesse… (…)

(…) Onde está o mal do Poder Judiciário hoje no Brasil? A culpa será dos magistrados, que não estão à altura de responder aos diversos desafios, ou estamos com uma estrutura de Poder Judiciário inadequada para as demandas que o processo constituinte gerou no país? Se analisarmos o número de magistrados que temos, verificaremos que, pela população brasileira, o número é absolutamente inadequado, inferior às necessidades. Para 165 milhões de habitantes temos em torno de 13 mil magistrados em nível federal e estadual. Vale dizer, em nenhum país do mundo civilizado há tão poucos magistrados para tantos jurisdicionados.

Por outro lado, a Constituição de 1988 criou quatro instâncias de administração de justiça. Hoje, um bom advogado, numa questão em que tem poucas possibilidades de êxito, consegue prolongar o processo por oito, dez, 12, 15 anos, em face da possibilidade de utilizar essas instâncias. Em verdade, temos uma instância inicial, um juízo monocrático, os tribunais federais e estaduais, Alçada e de Justiça, além dos do Trabalho, e duas instâncias de administração de justiça, que são o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um bom advogado, em função das excessivas competências outorgadas aos tribunais superiores, pode levar qualquer ação ao STJ e ao STF simultaneamente, alegando questões de legalidade e de constitucionalidade. Outro dia o ministro Moreira Alves, com muita pertinência, dizia que um bom advogado vai a um juiz de primeira instância e junta como prova uma lista telefônica. O juiz denega e diz: ‘Por que essa lista telefônica no processo?’ E indefere aquela colocação. Cerceamento ao direito de defesa, artigo 5º, inciso LV da Constituição, pré-questionamento constitucional leva essa questão ao STF.

Por outro lado, nossa Constituição é de pormenores. Tem princípios importantes, mas muito mais dispositivos de legislação complementar ordinária ou de meras portarias do que uma Carta civilizada. É interessante notar que o Paraguai e a Argentina, na década de 90, realizaram uma revisão constitucional e, aproveitando muitos erros e equívocos que tivemos, conseguiram produzir textos indiscutivelmente melhores do que o nosso. O resultado é que a litigiosidade em nível constitucional nesses países praticamente não existe.

É muito difícil qualquer país civilizado ter uma Constituição tão pormenorizada como a nossa. Vou citar dois apenas, como dispositivos que causam espécie. O artigo 242 diz: ‘O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal’. Isso é um princípio constitucional e inibidor, quer dizer, o colégio não pode sair do Rio de Janeiro. O constituinte, para preservar, impediu a evolução do colégio. Outro dispositivo, o artigo 26: ‘No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. A comissão terá a força legal de Comissão Parlamentar de Inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de 60 dias, a ação cabível’. Ora, o foro de competência para decidir sobre nosso endividamento é sempre fora do país. Então os senhores imaginem o procurador-geral da República chegando aos Estados Unidos e declarando que vai entrar com ação competente (sem ter competência nenhuma nos Estados Unidos) para dizer: ‘Não vamos pagar porque segundo a comissão do Brasil aquele ato assinado por todos nós não tem validade’.

Nossa Constituição surgiu com 315 artigos e hoje já tem mais de 330. A Carta americana tem sete artigos e sofreu 26 emendas em 213 anos. A nossa tem 12 anos e 36 emendas até agora, inclusive a que vamos discutir aqui. É evidente que uma Constituição dessas aumentaria consideravelmente a litigiosidade dentro do país, razão pela qual, a partir de 88, tivemos uma multiplicação decorrente não só dos inúmeros conflitos causados pela Carta, mas, mais do que isso, com a colocação de diversos dispositivos que obrigam necessariamente o juiz a se manifestar em relação a tudo. O Supremo ficou com a competência de julgar inclusive questões sem nenhuma relevância. O STF recebe por ano 80 mil processos, e são 11 ministros. Nesse período, a Suprema Corte dos Estados Unidos decide 150 processos. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), com 17 ministros, recebeu 130 mil processos em 1999. No STJ, com 33 ministros, são 113 mil processos por ano. Todos os processos têm de ser públicos, todos têm de ser motivados, e os tribunais superiores fazem apenas administração de justiça, em vez de manter a ordem institucional. Numa boa organização judiciária, administração de justiça se faz em primeira e segunda instâncias. Aos tribunais superiores cabe manter a estabilidade institucional. Eles têm de permitir que as instituições sejam corretamente interpretadas. No Brasil as quatro instâncias são de administração de justiça. É evidente que com 80 mil processos por ano e dez ministros, porque o presidente nunca relata, mas apenas preside as reuniões plenárias, em verdade temos em torno de 8 mil processos por ano por ministro. É humanamente impossível que um só ministro decida tamanha quantidade de processos. Eles escolhem os mais relevantes.

Essa estrutura precisa ser alterada: instâncias de mais, escassez de magistrados e excesso de recursos processuais. Se analisarmos o Código de Processo, os próprios regimentos internos dos tribunais e as novas ações criadas, algumas inclusive jurisprudencialmente e não em decorrência de dispositivos legais, vamos verificar que o bom advogado é aquele que conhece toda a mecânica processual. Diria mesmo que nossa Justiça passou a ser elitista porque o pobre, o cidadão que precisa discutir em juízo mas não pode pagar um bom advogado, muitas vezes pode ter o direito mas perde nos meandros processuais. E muitas vezes alguém sem nenhum direito ganha em função da boa utilização do processo. Isso é o que se pretendia corrigir com a reforma do Judiciário.” (…)

Em entrevista concedida ao Estadão em 08/01/2021, página B5, íntegra no “site”, Delfim Neto,  professor universitário, economista e político, ex-ministro (Fazenda, Agricultura e Planejamento), após responder a diversos questionamentos do âmbito da Administração e da Economia, ofereceu ao final repostas a quatro perguntas a seguir transcritas:

(…) Estadão: “Mas por que tanta gente culpa a Constituição por tudo o que há de errado?

Delfim: “Eu posso dizer, porque fui constituinte. O fato é que, em 1987, foram eleitas pessoas que tinham sido muito amoladas pelo regime autoritário. Esse pessoal foi tomado de uma onipotência extraordinária e fez uma Constituição que impedia o Estado de impedir as pessoas. Nos metemos em tudo o que foi possível. Resolvemos o que seria aplicado em saúde, em educação, na segurança…

Estadão: “Tem uma receita para sair disso?

Delfim: “Estou convencido de que seria necessário estabelecer um limite no STF. Acho que ninguém pode ficar lá, digamos, mais que 10 anos. Mas isso exige mudança na Constituição. Então, eu hoje diria a um eleitor: ‘Vote em quem prometer que vai mudar a Constituição’.

Estadão: “No quadro atual, temos visto muita incoerência, à esquerda e à direita. É um fenômeno brasileiro ou mundial?

Delfim: “Estou absolutamente convencido de que direita e esquerda são sinais de trânsito. A esquerda diz: ‘Eu sou a favor da distribuição de renda’. Mas, alguém é contra? E a direita diz: ‘Eu sou a favor da ordem’. Quem é contra? Então, eu acho que as instituições estão fortes. E que é uma ilusão achar que alguém vai empurrar o Brasil rumo a um regime autoritário.”

Estadão: “O que o leva a pensar assim?”

Delfim: “Primeiro, porque o Supremo está aí, ele é o garantidor dessa liberdade. Segundo, as Forças Armadas, profissionais e independentes da política, vão obedecer às decisões da Constituição. General reformado é civil desempregado, na reserva não tem poder nenhum. Se você reunir mil aposentados do INSS e mais mil generais também aposentados, eles têm o mesmo poder. Poder nenhum de mudar a realidade. As instituições são hoje muito mais sólidas do que eram no passado.”

CONCLUSÃO:

Já em 1993, dois anos e pouco após a fundação do Conselho Brasil-Nação, nossos estudos indicavam que a Constituição “cidadã” não nos levaria a bom porto. E, segundo Sêneca, “se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.”

Há 32 anos estamos os brasileiros a reverenciar o atraso e a POBREZA, ao que se pode deduzir da conduta dos que ocupam os principais cargos da República; esperando que venha dos céus o milagre que torne viável o País; ao invés de divinas, são humanas as ações necessárias (“O Brasil, se quiser sobreviver, não poderá cruzar os braços, indolente e resignado, esperando dos céus aquilo que não sabe criar em suas próprias terras.” – Oswaldo Aranha, 1947).

Ao invés de agir com sábias orientações para trilhar o melhor caminho, são lamúrias por toda parte e em todos os níveis, chegando ao desplante, por diversas altas Autoridades, de culpar a imprensa pela inviabilidade da Administração (Mark Twain – 1835/1910, escritor americano: “Políticos que se queixam da imprensa são como comandantes do navio que se queixam do mar.”)

Como já afirmamos no “PAPER”104, página 6/6, nessa oportunidade de debater a provocativa “Mudança de paradigma”, “A aceitação da tese do ensaio mantida a atual estrutura administrativa será catastrófica, e conduzirá ao aumento da POBREZA, suportada por todas as dificuldades do atual momento.” (…)

No entanto, (…) “…é ao nosso ver, um possível caminho sólido para o desenvolvimento do País, preservando a soberania nacional, e capaz de atenuar até a eliminação da POBREZA, mediante garantia de ocupação laboral aos amplos setores populacionais com a economia orientada para o Comércio Exterior. Isto se tivermos preparado para a realização desta obra política.”

Merece a atenção de todos um frutífero debate com vistas a sábias conclusões, aplicáveis no momento, exigindo  das Autoridades a iniciativa de abandonar a inércia comodista e assumir o protagonismo histórico que a Nação reclama.

Ficar esperando que algo aconteça, ao invés de se envolver e tentar resolver os problemas, é a maneira mais eficiente para nada acontecer de novo.

A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político, cultural e social para transformar o Brasil na melhor nação do mundo para se viver bem.

Personalidades autoras de artigos e citações neste “PAPER”:
– André Lara Rezende, economista;
– Antônio Delfim Netto, professor universitário, economista e político, ex-ministro (Fazenda, Agricultura e Planejamento);
– Ives Gandra Martins da Silva, jurista, professor de direito e advogado militante;
– Luiz Werneck Vianna, sociólogo da PUC-RJ;
– Mark Twain , escritor americano;
– Osvaldo Aranha, político, diplomata e advogado;
– Sêneca, político e filósofo romano ( sec. I).

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