PAPER 107: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “Mudança de paradigma.” (4)
“Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez.”
Jean Cocpeau, escritor francês
A série de “PAPER”s sobre o tema, caracteriza a importância que lhe atribuímos: que saídas temos, capazes de nos levar ao desejado padrão de sociedade, econômica e democrática, com condições aceitáveis de cultura e nível social?
A que estamos considerando nesta oportunidade de “Mudança de paradigma”, é discernir no contexto econômico, artificial e viciado, construído com artimanhas competentes que retiraram dos raciocínios e mentes a INICIATIVA de fazer.
Simplificar, não ser simplista, com medidas republicanas, para que nossos procedimentos sejam lastreados em princípios saudáveis na Administração e na austeridade de gestão. Essa condição, bem vista pelo investidor externo, também o será pelo investidor interno: credibilidade, que advirá de um Estado adequadamente estruturado e com governança que angarie confiança e respeito.
De que estamos falando? Estamos tratando de que o capital interno, mesmo se não for suficiente, é fundamental para possibilitar a conquista do investidor externo. O investidor interno também tem de estar satisfeito com o retorno de seus investimentos, aplicados nos Projetos e Planos levados a efeito em programas públicos brasileiros. É o fundamento da credibilidade, da confiança.
O que explica o Japão estar endividado em 269,62% do PIB (“PAPER”104) sem inflação e juros negativos? A primeira resposta, que se possa esperar: “mas é o Japão!” É o que precisamos estudar como fazer para ouvirmos “mas é o Brasil!”
Pedimos ao economista e filósofo Alessandro Francisco, executivo de uma empresa privada, que nos desse seu ponto de vista da “Mudança de Paradigma”, a seguir transcrito:
“É preciso ‘mudar de modelo’
De partida, é preciso ponderar que, uma vez graduado em ciências econômicas, mantive um permanente recuo epistemológico em relação a esse conjunto de saberes – ou a esse “saber de atenção científica”, como Roger Guesnerie denomina a Economia –, o que conduziu minha carreira acadêmica à filosofia das ciências humanas. É a partir desse quadro geral e mais amplo que formulo a reflexão a seguir.
Desde que o atual governo assumiu a gestão do Estado brasileiro, convencionou-se caracterizá-lo de neoliberal. De minha parte, tento a cada dia compreender a suposta estratégia governamental no conjunto de políticas implementadas e, quase sempre, deparo-me com uma dupla constatação: não há estratégia e não há liberalismo.
Sabemos que o liberalismo econômico se modificou significativamente do século XVIII àquele de Walras, Jevons, Menger e Hayek, passando por Mises. Todavia, na complexa continuidade de um modo a outro de racionalização da economia, costuma-se defender a redução do papel do Estado como condição sine qua non de um modelo liberal. Ainda que sejamos críticos desse modelo, se o tomarmos por pressuposto, constataremos uma contradição ao observar a gestão brasileira, pois, nos cortes de orçamento realizados e nas reformas propostas, privilégios são concedidos a algumas categorias profissionais e a selecionados setores empresariais. Além disso, é preciso, de toda maneira, confrontar o liberalismo e o chamado ultraliberalismo, distintivo da Escola de Chicago, com os desafios da contemporaneidade.
A situação brasileira faz lembrar o tempo da França de Luis XIV, o rei Sol, que provocou a revolta popular devido à pressão fiscal. O povo francês padecia com o nível dos impostos, enquanto a nobreza organizava bailes e banquetes. Contudo, noutra perspectiva, as mesmas medidas do atual governo criam um abismo incomensurável entre ele e o reinado de Luis XIV. O rei Sol foi o responsável pela criação da Academia Real de Ciências e do Observatório de Paris; abriu o caminho que hoje corresponde à Avenue des Champs-Élysées; construiu o Hôtel des Invalides, responsável por acolher os enfermos e mutilados de guerras; e fundou ainda a Comédie Française, que reunia duas companhias da época, dentre elas aquela de Molière. Ainda que, em sua época, suas realizações buscassem atender às suas próprias necessidades e àquelas da nobreza, seu reinado acumulou realizações nas áreas da pesquisa e da educação, bem como naquela da saúde, sem preterir as artes e a mobilidade urbana.
No Brasil de hoje, experimenta-se o antagônico. Em março de 2019 foi anunciado o corte de R$ 5,8 bi nas verbas destinadas à educação. Se seus impactos pareciam se restringir inicialmente à pesquisa e à educação superior, pudemos observá-los igualmente na educação básica, em programas específicos voltados à erradicação do analfabetismo. Em seguida, foram suspensas as Parcerias para Desenvolvimento Produtivo (PDPs), que não somente visavam a desenvolver novas tecnologias e a produzir medicamentos como a insulina, mas também a contribuir para a regulação dos preços praticados no setor farmacêutico.
Nesse contexto, retomemos a discussão sobre teoria econômica. Foi Robert Solow que elaborou o modelo de desenvolvimento de tipo neoclássico, ainda hoje dominante. Ele recupera o liberalismo do sec. XVIII sem relegar o papel do Estado, ainda que de forma restrita. O modelo Solow-Swan, como é conhecido, aceita as reflexões de Keynes correlacionando três variáveis capitais: crescimento populacional (trabalho), acumulação de capital e aumento na produtividade (tecnologia). Se, por um lado, a tecnologia é considerada a variável determinante para manutenção do crescimento no longo prazo, por outro, os economistas não se debruçaram suficientemente sobre ela. Então, cabe indagar: como gerar inovação?
A questão acima é a principal preocupação de Philippe Aghion, economista francês que juntamente com Peter Howitt desenvolveu um modelo econômico inspirado nas pesquisas de Joseph Schumpeter. Este sublinhara, muito antes de Solow, a importância da inovação para a longevidade do crescimento econômico.
Segundo Aghion, a aceleração da inovação deve ser empreendida não somente em quantidade, mas também em qualidade. Ele defende que se passe de uma economia de substituição – que adota as transferências de tecnologias advindas de países mais “avançados” como motor de crescimento – a uma economia de inovação, que somente pode ser promovida por meio de investimento em educação e pesquisa. Assim concebida, a inovação não somente impulsiona a produtividade, mas também reduz desigualdades por meio da promoção de mobilidade social.
Como alerta Aghion, desta vez acompanhado de Gilbert Cette e Élie Cohen, é preciso “mudar de modelo”. Eis uma dupla referência. Primeiramente, uma crítica ao saber econômico e, mais precisamente, à “pretensão dos economistas” que visam a tudo solucionar por meio da modelização, “como se as sociedades se fabricassem a partir de modelos”. Em segundo lugar, uma constatação em tom de convocação: é preciso mudar os “modos de pensar” para que o modelo econômico e institucional seja transformado.
Além do uso de subvenção pública para corrigir as desigualdades de acesso (1) ao conhecimento e (2) ao emprego, bem como para reparar (3) a perda de competitividade das empresas, é necessário encorajar a inovação tecnológica por meio de um sistema fiscal adaptado, sem a desregulamentação do mercado ao modo preconizado pelo liberalismo de Chicago.
Segundo ele, uma gestão fundada no modelo keynesiano já não tem o efeito esperado no mundo globalizado, pois os estímulos ao consumo acabam por aumentar a importação, e não a produção doméstica, em especial em países como o Brasil, onde os produtos estrangeiros são mais competitivos: têm usualmente preço e qualidade melhores.
Um contra-argumento à proposta de Aghion é o aumento do desemprego, já que a tecnologia substituiria a mão-de-obra. Entretanto, suas pesquisas indicam que a inovação aumenta a produtividade e, ao contrário do que se pensa, gera mais empregos: extinguem-se atividades e criam-se outras tantas, daí a importância do investimento em educação, condição de possibilidade da mobilidade social. Como se vê, uma reforma da educação passa necessariamente pela qualidade dos professores e pela sua formação continuada, oportunizando a retificação das desigualdades de “acesso ao conhecimento”.
Outro contra-argumento concerne à ecologia. O investimento em tecnologia aumenta a produtividade e demanda cada vez mais recursos, o que promoveria uma dupla investida sobre a natureza: amplificação da poluição e da extração. Contudo, o investimento em inovação defendido por Aghion é imperiosamente em tecnologia verde.
O recente artigo de Andre Lara Resende – Por que Summers e Bernanke agora defendem política fiscal expansionista? –, que justifica a necessidade impreterível de aumento do gasto público em meio à pandemia de covid-19, não somente se harmoniza com declaração da atual Secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen – “Responsabilidade fiscal, neste momento de crise, é oferecer estímulo” –, mas também com o modelo preconizado por Philippe Aghion.
Enfim, é urgente “mudar de modelo” – e, aqui, refiro-me mais precisamente à orientação das medidas da atual gestão do país –: sem investimentos em pesquisa e em educação e sem a premente paralização de cortes de orçamento em programas como as PDPs, não conseguiremos senão gerar perda de competitividade e recessão, degradando as condições de vida dos brasileiros.
As mais recentes deliberações do governo brasileiro continuam a preocupar, pois, considerando as ponderações acima, pergunto-me em que direção o Brasil caminha ou, mais radicalmente, se realmente caminhamos…
* Alessandro Francisco é economista com Duplo Doutorado em Filosofia (PUC-SP e Université Paris 8), professor de cursos de pós-graduação Lato sensu do UNIFAI, pesquisador associado à Université Paris 8 e membro da International Society for Eighteenth-Century Studies.”
Em 06/02/2019, página A11, o jornal Valor Econômico divulgou sob os títulos “Berlim dá guinada e entra na guerra econômica global” e “Alemanha adota política industrial protecionista”, a seguir transcritos parcialmente:
“A Alemanha anunciou ontem que vai intensificar esforços para proteger setores importantes de aquisições e da concorrência de estrangeiros, enquanto tenta combater o que classificou de crescente protecionismo de EUA e China.”
(…) “…Altmaier (ministro da Economia) negou que ela seja conflitante com a economia de livre mercado.” (…) (…) “… não há país bem-sucedido que dependa exclusivamente, sem exceção, das forças de mercado para atingir seus objetivos“, afirma Altmaier.
(…) “Se perdermos capacidade tecnológicas essências e, como resultado, nossa posição na economia mundial, isso teria consequências dramáticas em nosso estilo de vida, na capacidade de ação do Estado e em sua capacidade para modelar quase todas as áreas econômicas. E, em algum momento, também na legitimidade democrática das instituições.”
(…) “Ele acrescentou que os detalhes do plano serão finalizados em discussão com executivos de empresas, parlamentares e sindicatos.” (…)
Todos se lembram que na crise de 2008 o governo americano decidiu comprar 100% das ações da GM.
Esses comentários, em especial o ponto de vista do professor e economista Alessandro Francisco, evidenciam que atento ao interesse nacional, que é o interesse do cidadão da Nação. Cada país deve optar por investimentos públicos produtivos inteligentes e competentemente estruturados. O cidadão deve ser sempre a prioridade. Não faz sentido, quando questões vitais estejam em jogo, acomodar-se em dogmas econômicos que prejudiquem a INICIATIVA de fazer. As empresas privadas são instituições dos países, e expressam capacidade de know how e tecnologias, empregadoras e geradoras de receita tributária, o que explica a razão de merecerem a proteção dos governos de seu país.
CONCLUSÃO:
Essa a oportunidade que temos discutido sobre o tema “Mudança de paradigma”. Isto requer coragem, inteligência e patriotismo das lideranças políticas; é necessário simplificar: novas condições constitucionais e legais para fechar (encerrar atividades) os organismos e empresas públicas desnecessários, ineficazes e ineficientes, que estejam compondo o custoso aparato burocrático estatal brasileiro (são invendáveis – quiçá por R$ 1 trilhão), para dar lugar a investimentos públicos produtivos que contribuam para “reduzir o custo do Estado e elevar o patamar do PIB” brasileiros.
Não quer dizer desalojar pessoas, mas transferi-las e adaptá-las em novas funções de maior e melhor interesse para o País (é apenas governança). Não se trata de reinventar a roda, apenas dar a ela outra direção, outra orientação.
Num Estado que atualmente custa ao contribuinte R$ 2 trilhões (sendo R$ 1,5 trilhão de arrecadação em 2020, mais o endividamento) há outra forma mais adequada de estruturá-lo capaz de, de início, ter sobra para investimento público a somar-se ao recurso resultante da venda de Títulos Públicos, que vier a ser feita aos investidores internos (os contribuintes) e, também, aos externos. Esse recurso implica inconstitucionalidade e perda de mandato ou de emprego público, se aplicado no custeio da máquina pública.
E que são investimentos públicos? São a construção da infraestrutura de energia, logística de transporte, pesquisa científica e tecnológica, instrução básica e ensino superior, fomento de crédito industrial para política de exportação, governanças e controles de cumprimento das competências constitucionais por todos os entes federativos.
A orientação que vier a ser adotada, deverá ser desenvolvida e implementada por políticos estadistas e patrióticos, comprometidos com objetivos claros e defensáveis perante a sociedade. Será o que poderá construir a credibilidade, confiança acima aludidas, e mais, restabelecer a esperança que foi perdida, e que são essenciais para o futuro das próximas gerações.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político, cultural e social para transformar o Brasil na melhor nação do mundo para se viver bem.
Personalidades autoras de artigos e citações neste “PAPER”:
– Alessandro Francisco, economista, doutor em filosofia das ciências humanas (PUC-SP e Université Paris 8), professor universitário;
– Peter Altmaier, ministro da economia da Alemanha;