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Revisão e pacto federativo

*Marco Maciel – Jornal de Brasília – 21/11/1993

A revisão constitucional é o momento para concluirmos a transição rumo à democracia. Embora esteja sendo longo o processo, não se pode, contudo, dizer que a agenda constitucional se esgotou. Urge aperfeiçoar o sistema de governo aprovado no plebiscito, o modelo eleitoral e partidário em vigor e redefinir o pacto federativo. Como tem sido característica já denunciada por estudiosos, os nossos problemas continuam sendo fundamentalmente políticos. Passamos de uma situação para outra, contornando, mas não superando os desafios. O resultado é que estes não desaparecem, às vezes apenas submergem, surgindo mais adiante. Estamos sempre tropeçando neles ao longo de nossa história! A questão federativa é, por exemplo, um problema mais amplo que a simples estruturação política das diferentes unidades da Federação.

Quando me refiro ao federalismo, faço-o especialmente à recorrente pendularidade entre centralização abusiva x descentralização inconsequente que é, sob o ponto de vista jurídico e administrativo, o correspondente à pendularidade política entre autoritarismo x populismo. Os períodos autoritários são sempre de centralização. E os populistas, de descentralização. A questão fundamental do federalismo, portanto, continua sendo, até hoje, a de equilibrar, dentro de nossa complexidade, densidade e assimetria, a distribuição funcional de atribuições e de recursos entre a União e os estados, definindo, ao mesmo tempo, o papel dos municípios.

A Constituinte de 1988 deixou de discutir o modelo sob o qual se deve assentar o federalismo brasileiro. Aliás, não se pode estruturar um modelo federativo único, e aplicá-lo a todo e qualquer país. Não somos apenas dois “Brasis”, como diagnosticou Jacques Lambert. Somos muitos “Brasis”. Pode-se até argumentar que a assimetria é um princípio oposto à Federação que se firma na igualdade. A nossa Federação deve ter por base um modelo compatível ao mesmo tempo com a igualdade jurídica e assimetria econômica, a desigualdade social e diversidade cultural. Esses quatro elementos configuram o modelo político de nossa Federação. Convém, para resolver o problema, partir da periferia para o centro, já que na periferia é que se encontra a diversidade, a desigualdade, a assimetria. Veja-se o modelo alemão. Lá, nada que puder ser feito pelos municípios, em matéria de serviços, será assumido nem pelos Lander (estados), nem pelo governo federal, por ser o município a instituição política mais próxima do cidadão. Isso, além de facilitar o poder de fiscalização, garante que o poder decisório fique igualmente a seu alcance. Nada parecido temos em nosso sistema federativo, pelo contrário, as competências são concorrentes e, muitas vezes, superpostas. É evidente que todas as prefeituras brasileiras não têm capacidade de prestar os serviços públicos tipicamente municipais. Logo, a atribuição dessas competências deve ser em função de suas possibilidades efetivas. Resta, portanto, o desafio: como distribuir competências segundo as possibilidades de cada um? Que Federação seria esta em que os entes federativos teriam as mesmas prerrogativas políticas, mas desiguais competências administrativas? Daí a necessidade de uma estrutura federativa diferenciada que venha partir da periferia para o centro. Isso vale também para os estados. O Acre, com 450 mil habitantes e menos de 0.2% do PIB, não pode ter as mesmas obrigações da administração de sao Paulo, com 30 milhões de habitantes e 34% do PIB nacional! A pergunta fundamental parece ser: como assumir voluntariamente competências diferentes entre entidades federativas que são juridicamente iguais? Isso será possível, com a atual discriminação de rendas no Brasil? Evidentemente, não. Nesse sentido, uma nova Federação importará em nova discriminação de rendas e encargos. Esta, aliás, foi a questão fundamental, sob cuja égide nasceu a Federação brasileira, moldada na Constituição de 1891. A nova discriminação de rendas não é apenas a distribuição dos recursos arrecadados por estados e municípios. A atual estrutura tributária brasileira não atende a nenhum dos requisitos da realidade brasileira: a assimetria, a desigualdade e a diversidade. Temos, atualmente, não um, mas três sistemas, três códigos e três estruturas tributárias: uma federal, 27 estaduais (incluindo o DF) e quase 5000 municipais. Tudo isso constitui uma enorme e dispendiosa burocracia! Impõe-se, por todos esses motivos, uma racionalização tributária, já há tanto tempo reclamada. Isso diminuiria enormemente o custo de afetação, desburocratizaria de forma decisiva o poder fiscalizador do Estado e simplificaria a administração. Estão aí, sumariamente, algumas ideias para uma nova Federação que até hoje, lamentavelmente, não fomos capazes de construir para dar racionalidade administrativa, corrigir as disparidades econômicas e reduzir as desigualdades sociais.

*Senador pelo PFL/PE

ARTIGO44

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