Kerry prevê fim da Amazônia se EUA ignorarem Brasil
Maior autoridade sobre clima da administração Biden diz que quer evitar que floresta ‘desapareça’: ‘Estamos dispostos a conversar’
O Estado de S. Paulo – 13 May 2021 – Beatriz Bulla
Maior autoridade ambiental do governo americano, o ex-secretário de Estado John Kerry afirmou ontem, em audiência no Congresso, que o diálogo com o Brasil é a única forma de evitar que a Amazônia “desapareça”. Durante seu depoimento, o czar do clima da Casa Branca voltou a demonstrar ceticismo com as promessas do governo brasileiro.
“Estamos dispostos a conversar com eles (governo Bolsonaro), mas não estamos fazendo isso com uma venda nos olhos, e sim com uma compreensão de onde estivemos. Mas, se não falarmos com eles, pode ter certeza de que aquela floresta vai desaparecer”, afirmou Kerry, ao responder ao deputado democrata Albio Sires sobre o fato de o Brasil ter cortado verbas para o meio ambiente após prometer ampliá-las durante a cúpula do clima organizada pelo presidente, Joe Biden.
A Casa Branca tem sido pressionada por congressistas democratas e ambientalistas, que afirmam que promessas feitas pelo presidente, Jair Bolsonaro, e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não são confiáveis. Logo após a cúpula de líderes sobre o clima, em 22 de abril, Kerry se mostrou cético sobre o cumprimento das metas pelo governo brasileiro. Ontem, ele indicou que sabe dos problemas do Brasil e defendeu as negociações.
Segundo ele, os dois países estão tentando formatar uma estrutura que possibilite a verificação das metas e a prestação de contas do governo brasileiro. “Promessas já foram feitas no passado”, disse Kerry.
Questionado pela também democrata Susan Wild sobre o status das negociações com o Brasil, Kerry afirmou que espera ver as conversas com o governo brasileiro concretizadas. “Estamos no meio dessa negociação agora. Começamos há algumas semanas. Tivemos algumas conversas boas e temos esperança de transformar a intenção em ação, que seja efetiva e verificável. Obviamente, há desafios e estamos cientes.”
Verba cortada. Um dia depois de Bolsonaro prometer a líderes de 40 países que dobraria os repasses ambientais, o governo federal anunciou um corte de R$ 240 milhões no orçamento dedicado Ministério do Meio Ambiente. Durante a cúpula internacional, Bolsonaro prometeu dobrar os recursos destinados à fiscalização, mas não detalhou valores ou datas. Depois disso, Kerry teve uma reunião virtual com Salles e com o chanceler, Carlos França, e questionou as autoridades brasileiras sobre o corte de gastos. Na ocasião, os ministros brasileiros prometeram que haveria uma recomposição dos recursos.
Ontem, no Congresso, Kerry elogiou a queda nos níveis de desmatamento no Brasil em governos passados, mas criticou os retrocessos do governo Bolsonaro na política ambiental. “O Brasil foi muito bem entre 2004 e 2012. Estavam progredindo e parando o desmatamento”, afirmou o diplomata americano. No entanto, de acordo com ele, entre 2012 e 2020, o desmatamento atingiu picos.
Aos congressistas americanos, Kerry demonstrou preocupação com os níveis atuais de desmatamento na Amazônia. “Cientistas nos dizem que o nível de corte da floresta é tão significativo que há a possibilidade de já termos atingido um ponto de inflexão na capacidade da floresta de continuar como uma floresta tropical”, disse. “Há uma semana, saiu um artigo dizendo que a Amazônia está liberando mais carbono do que consome. Então, alguma coisa está acontecendo. Temos de descobrir.”
Ele prometeu ao Congresso apresentar um relatório sobre a situação “nos próximos meses”, antes da Cúpula do Clima, que ocorrerá em novembro, em Glasgow, na Escócia.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil disse que “John Kerry e os EUA já estão dialogando conosco há bastante tempo”. “Quem é contra são sempre os do contra, quando não há recursos para os seus próprios bolsos.”
Ontem, durante a fala de Kerry ao Congresso, ativistas notaram que o czar do clima da Casa Branca chamou o governo brasileiro de “regime Bolsonaro”, ao responder a uma pergunta sobre o aumento do desmatamento. “Infelizmente, o ‘regime Bolsonaro’ reverteu algumas das proteções ambientais”, afirmou.
O termo chamou a atenção, porque as autoridades americanas costumam classificar como “regime” apenas governos autoritários, como o de Nicolás Maduro, na Venezuela, Daniel Ortega, na Nicarágua, ou de Bashar Assad, na Síria. O Estadão questionou o Departamento de Estado sobre o termo usado por Kerry, mas não obteve resposta.
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