O SUS no pós-pandemia
Gonzalo Vecina, O Estado de S.Paulo – 16 de julho de 2021
Foi promulgada, em 10 de julho de 2001, uma das leis que deram vida à Constituição Federal, a Cidadã. Trata-se da Lei 10.257, que regulamenta os artigos 182 e 183 da lei maior e é conhecida como Estatuto das Cidades.
A cidade é onde o cidadão está e onde muitas das questões relevantes do existir devem ser resolvidas. A Constituição de 88 tem uma marcada tendência à descentralização e à municipalização. Acho essa marca do ordenamento jurídico importante para construir um país melhor.
Mas há problemas que não podem ser resolvidos no espaço do município e talvez nem no do Estado. A questão do saneamento básico ainda hoje cria discussões complexas devido à possibilidade de municípios terem seus próprios sistemas, que acabam por não permitir melhores soluções de acesso a água tratada e a um adequado sistema de esgotos.
Com certeza isso se deve à heterogeneidade dos municípios brasileiros e sua proliferação pós promulgação da CF. O maior município tem quase 12 milhões de habitantes e o menor, pouco mais de 800 habitantes.
Certamente existem muitas abordagens diferentes para tratar dos diferentes setores que devem se articular para produzir um razoável estado de bem estar social. Eu, certamente, não sou a pessoa mais indicada para discuti-los. Mas na área da saúde quero trazer à tona a espinhosa discussão do ordenamento do SUS e o arranjo federativo.
Nos anos pós-promulgação da CF, foi com certeza o município quem mais impulsionou a implementação do SUS. Essa ação contou com a participação ativa do Ministério da Saúde, via recursos do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos Municipais de Saúde e também dos Estados, que tinham papel muito maior na assistência pré-SUS. Mas a situação se inverteu na estruturação do SUS, pois essa atribuição de prestar assistência primária à saúde passou a ser municipal e os Estados promoveram alegremente a municipalização de seus serviços de atenção primaria.
Com isso os municípios entraram no processo de atenção e os Estados recuaram. Mas em nenhum Estado se buscou procurar o ordenamento do acesso aos serviços de maior complexidade prestados por eles e por cidades de maior porte. Na maioria dos Estados há um sistema de acesso operado por eles e os serviços municipais não estão integrados, permitindo a duplicação de filas, o absenteísmo a consultas, a não gestão de filas de acesso a serviços mais complexos. Durante a pandemia ganhou expressão a questão das filas únicas das UTIs.
Mesmo em municípios de grande porte e com uma rede própria importante, essa integração não existe e o desperdício de atos médicos chega a ser de 40% da oferta! Por que não se integram? A questão é quem comanda a rede integrada. Isso não se resolveu mesmo com o mesmo partido político estando presente no município e no Estado. Até hoje esse não foi considerado um problema republicano. Temos uma imensa dificuldade em saber qual é a demanda e isto em parte pelo fato de a oferta estar pulverizada.
Mas neste ponto da vida do País e com o esfacelamento produzido pela pandemia e pelas exigências assistenciais pós-pandemia, teremos de ter condição de ultrapassar essas dificuldades políticas paroquiais e oferecer a solução correta e conhecida à população. Integrar as redes assistenciais municipais e estaduais, dotá-las de um sistema de gerenciamento informatizado (já disponível) e de um modelo de governança a ser pactuado.
*FUNDADOR E EX-PRESIDENTE DA ANVISA, EX-SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SP E PROFESSOR DE MESTRADO PROFISSIONAL DA EAESP/FGV E DA FSP
ARTIGO754