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O caminho para pressionar Moscou

Coalizão contra Putin depende de redução no preço do petróleo, ou seja, do Oriente Médio

O Estado de S. Paulo – 23 Apr 2022 – Fareed Zakaria

A fase seguinte da guerra na Ucrânia agora se torna aparente. Ao longo das próximas semanas e meses, as forças russas tentarão expandir seu controle sobre territórios ocupados no leste ucraniano e fincar o pé. O Exército e o povo da Ucrânia resistirão, e batalhas de menor intensidade deverão persistir nessas regiões, como tem ocorrido desde 2014 no Donbas. Isso significa que a única saída desse conflito é colocar pressão suficiente sobre a Rússia para obrigá-la a negociar e buscar alívio de sanções em troca de um acordo de paz.

UNIÃO. Para alcançar isso, a coalizão que se opõe aos russos precisa de perseverança para manter e até intensificar sanções e embargos contra Moscou. E isso somente é concebível num cenário no qual os preços da energia baixem em relação aos atuais picos. Se os preços do barril de petróleo continuarem acima de US$ 100 – e poderiam facilmente aumentar muito mais — a Europa logo entrará em recessão, e toda a economia global verá uma queda no crescimento e reações políticas contra as sanções. Isso resultaria quase com certeza no colapso da coalizão contra a Rússia, à medida em que países buscarem maneiras de obter energia mais barata. Esta é certamente a esperança de Vladimir Putin.

O único caminho plausível para manter a pressão sobre a Rússia sem prejudicar a economia global é fazer com que os preços do petróleo baixem. E a única maneira sustentável de fazer isso é convencer o maior “produtor swing” do mundo, a Arábia Saudita, assim como outros Estados do Golfo, como Emirados Árabes Unidos e Kuwait, a aumentar sua produção de petróleo.

PRODUÇÃO. A produção americana de petróleo está aumentando o mais rapidamente possível. Há outros caminhos que valem a pena tentar — como aliviar o embargo sobre a Venezuela e retornar ao pacto nuclear com o Irã — mas os Estados do golfo são capazes de expandir sua produção facilmente em milhões de barris ao dia e manter esse ritmo de fornecimento por um bom tempo. Ainda assim, apesar de vários apelos dos EUA, Arábia Saudita e os Emirados se recusaram a aumentar sua produção significativamente.

Isso nos traz ao problema central: Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. No passado, o presidente Joe Biden qualificou a Arábia Saudita como “pária” – e ainda não se reuniu formalmente com MBS (como ele é chamado com frequência). Por sua vez, o príncipe herdeiro saudita tem recusado os pedidos dos

Na Guerra Fria, Washington se uniu a regimes repulsivos contra a URSS. Precisará se repetir

EUA para que seu país aumente a produção de petróleo e manobrou para fortalecer suas relações com Rússia e China.

Em um relatório do Council on Foreign Relations prestes a ser publicado, Steven Cook e Martin Indyk propõem uma grande barganha, segundo a qual os EUA melhorariam as relações com MBS e fariam promessas mais explícitas de proteger a Arábia Saudita em troca de uma série de movimentações dos sauditas — como se esforçar para pôr fim à guerra no Iêmen, reconhecer Israel e assumir responsabilidade mais explícita pelo assassinato do jornalista e colunista colaborador do Washington Post Jamal Khashoggi.

É uma ideia que merece ser levada a sério e expandida, para incluir os Emirados, outros Estados do golfo e o Egito. Apesar de suas discordâncias superficiais com Washington, todos esses países querem garantias mais sólidas dos americanos em relação a sua própria segurança, num Oriente Médio cada vez mais instável. Os sauditas se irritaram porque depois de ataques de drones realizados contra instalações petrolíferas no Iêmen, em 2019, pelos houthis, que têm apoio do Irã, o governo de Donald Trump não fez praticamente nada em retaliação. Os Emirados testemunharam um ataque similar, em janeiro, e também ficaram irritados em razão do governo Biden não ter sido mais enérgico na resposta.

APROXIMAÇÃO. Há um caminho para Washington forjar um novo guarda-chuva de segurança na região que inclua Israel, Egito e os Estados do golfo. Isso estabilizaria o ambiente de segurança, poria fim ao prospecto de uma corrida armamentista nuclear na região e proveria ao mundo industrializado acesso a energia. Mas fazer as pazes com Mohammed bin Salman é parte do caminho.

Para mim, é muito difícil sustentar esse argumento. Jamal Khashoggi era meu amigo. De fato, quando visitei a Arábia Saudita em 2004, ele foi meu guia e companheiro de viagem. Sinto saudades dele até hoje. PRAGMATISMO. MBS provavelmente governará, entretanto, a Arábia Saudita pelos próximos 50 anos. Ele é um líder absoluto (como todos seus antecessores), mas dentro do país é visto como modernizador – e é extremamente popular entre os jovens sauditas, por limitar os poderes da polícia religiosa, abrir o país para entretenimento e turismo e conceder mais liberdades às mulheres. A maioria dos que advogam pela continuidade do ostracismo de MBS – incluindo o conselho editorial do Washington Post – não explica quando ou como isso finalmente irá acabar, deixando as relações entre EUA e Arábia Saudita num estado congelado e disfuncional.

Relações internacionais tratam com frequência de optar por estratégia em detrimento de ideologia. Durante a Guerra Fria, Washington uniu forças com a China de Mao – e com outros regimes repulsivos – para pressionar a União Soviética. Se os EUA quiserem vencer esta nova guerra fria contra a Rússia, precisam ser igualmente estratégicos em sua perspectiva.

ARTIGO867

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