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Os orçamentos militares e a economia

Investimento excessivo em defesa pode afetar setores fundamentais, como a educação

O Estado de S. Paulo – 24 Apr 2022 – Tradução de Romina Cácia

Conflito entre Rússia e Ucrânia fez diversos países planejarem a ampliação de gastos com armamentos

Forças Armadas robustas são lamentavelmente uma necessidade para uma economia forte

Após o início da guerra na Ucrânia, os orçamentos militares em todo o mundo estão prestes a aumentar. Isso é mais perceptível na Europa, onde a ameaça de um ataque russo parece maior. Alemanha, Itália e Noruega, entre outros, já decidiram gastar mais com a defesa. Estados Unidos e China, os países com as maiores despesas militares do mundo, também estão aumentando suas alocações.

A pressão sobre os países menores para fazerem o mesmo parece inevitável. Quais são as consequências econômicas desse impulso? Quando os governos gastam mais com soldados e armas, ficam com menos disponível para outras despesas. Uma suposição comum, portanto, é que os gastos extras com exércitos são prejudiciais ao crescimento e ao desenvolvimento. Mas a relação não é tão direta. Em alguns casos, maiores orçamentos para a defesa podem, na verdade, render vantagens econômicas consideráveis.

A lição de que há um conflito entre as despesas com o exército e, digamos, estradas ou hospitais é internalizada desde cedo pelos estudantes de economia. O exemplo clássico para demonstrar o conceito de custos de oportunidade é armas versus manteiga: quanto mais você produz de um, menos pode produzir do outro. Em qualquer ano, esse exemplo simples permanece verdadeiro. Os governos têm orçamentos finitos, que precisam ser gastos em diferentes áreas.

Consequentemente, é fácil observar como os gastos com a defesa, levados ao extremo, podem ser corrosivos para uma economia. Se um governo repassa menos dinheiro para a educação a fim de poder comprar armas novinhas em folha, o impacto de longo prazo na produtividade e, em última análise, no crescimento, seria ameaçador. Alguns economistas acham que os EUA estão se aproximando dessa zona de perigo.

RISCOS. A Rand Corporation, influente think-tank apoiado pela Força Aérea americana e que não é conhecido exatamente como um grupo pacifista, publicou um relatório em 2021 expondo dois riscos.

Primeiro, quando o governo aloca dinheiro para a defesa em detrimento da infraestrutura, isso pode prejudicar as perspectivas de crescimento de longo prazo, já que os EUA têm uma necessidade urgente de melhores estradas, portos, entre outras coisas. Em segundo lugar, as despesas com a defesa contribuem para a pressão sobre a dívida pública. Em ambos os casos, concluem os analistas, qualquer coisa que desgaste a força da economia americana acabará por prejudicar as forças armadas.

Talvez exista algo objetivo para esses conflitos de escolhas no orçamento serem prejudiciais à economia nos níveis dos EUA. Na última década, o orçamento militar do país foi em média superior a 4% do PIB, o segundo maior do grupo de países ricos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas uma complicação surge ao examinar as tendências ao longo do tempo. O país da OCDE que mais gasta com a defesa, cerca de 6% do PIB, é Israel. Ele também costuma apresentar uma das economias com crescimento mais rápido no grupo. Em contrapartida, o Japão é um dos países da entidade com menor parcela do PIB destinada a gastos militares e tem um dos crescimentos mais lentos.

Na verdade, é quase impossível identificar um padrão nos dados: também há países como a Irlanda, cujos orçamentos militares são semelhantes ao do Japão e têm registros de crescimento semelhantes ao de Israel. Uma análise retroativa básica revela que não há relação consistente entre o crescimento do PIB e as despesas militares para os 38 países da OCDE.

RICOS X POBRES. Um conjunto de pesquisas em expansão chegou a uma conclusão semelhante, embora com diferenças sutis. Em um artigo de revisão bibliográfica da Universidade Monash publicado em 2014, Sefa Awaworyi Churchill e Siew Ling Yew analisaram 42 estudos diferentes. Os efeitos são geralmente muito pequenos, mas eles encontraram duas categorias distintas: as despesas militares em países mais pobres costumam ser prejudiciais ao crescimento, enquanto em países mais ricos é mais provável que sejam benéficas.

Os pesquisadores sugerem que uma possível razão para isso é a governança mais fraca nos países em desenvolvimento; um grande orçamento militar é um alvo tentador para autoridades corruptas. Outra possibilidade está relacionada com o exemplo de arma versus manteiga. Os possíveis retornos dos investimentos civis, da saúde à educação, são tão grandes nos países pobres que os gastos militares têm um custo de oportunidade particularmente alto. Em países ricos com boas escolas e hospitais, os custos de oportunidade provavelmente são menores.

Uma maneira pela qual os gastos com a defesa talvez impulsionem a economia é como um programa de empregos. Se as forças armadas fossem uma empresa, seriam o maior empregador dos EUA, com 2 milhões de trabalhadores (contando profissionais na ativa e civis), superando o Walmart e a Amazon. Entretanto, seria um esquema de empregos extremamente caro, custando aproximadamente US$ 400 mil por funcionário anualmente.

Os gastos com a defesa talvez gerem melhores retornos como uma forma de política industrial não declarada.

Em artigo publicado no ano passado, Enrico Moretti, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e dois colegas analisaram as verbas governamentais para pesquisa e desenvolvimento, prestando atenção nas despesas com a defesa, dos países da OCDE. Em média, eles descobriram que um aumento de 10% nas verbas do governo para pesquisa e desenvolvimento leva a um aumento de 5% do financiamento privado para pesquisa e desenvolvimento na empresa ou setor alvo.

Além disso, há efeitos indiretos para a produtividade. Se França e Alemanha aumentassem suas despesas com a defesa para quase o mesmo nível dos EUA, Moretti calcula que as taxas de crescimento de produtividade desses países seriam um pouco maiores como consequência.

CORRELAÇÃO. Uma objeção óbvia é que o governo poderia alcançar os mesmos resultados apoiando a pesquisa e o desenvolvimento em geral, sem injetar dinheiro nas forças armadas. Do ponto de vista econômico isso talvez seja verdade. Mas há uma limitação política – isto é, como reunir apoio para pesquisas científicas que podem falhar. O financiamento público à defesa é menos suscetível a variações de humor. Sem ter de se preocupar com sua próxima solicitação de subsídio, as forças armadas dos EUA não têm hesitado em produzir inovações em série, da fita adesiva à internet.

Por mais importante que seja identificar o impacto dos gastos militares no crescimento ou na inovação, corre-se o risco de ignorar o contexto mais amplo, conforme demonstrado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Um elemento fundamental para qualquer economia bemsucedida é ter paz e estabilidade, dando às empresas a confiança para investir e, às pessoas, espaço para prosperar.

Os livros didáticos talvez falem de armas ou manteiga. Mas, em um mundo abalado por forças revanchistas, a verdade é que tanto armas como manteiga são necessárias. Uma defesa forte é, lamentavelmente, uma necessidade para uma economia forte. •

ARTIGO868

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