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Solenidade de Encerramento

01Vice-Presidente Marco Maciel

Desejo elogiar a iniciativa do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, através da Secretaria Geral da Presidência da República, dirigida pelo Ministro Aloysio Nunes Ferreira, com apoio da Assessoria de Relações Federativas do Ministério das Relações Exteriores e do Fórum of Federations do Canadá, de promover este Encontro destinado a examinar uma das questões mais relevantes do quadro institucional brasileiro que é, sem lugar a dúvida, a forma de Estado que praticamos – o Federalismo.

A persistência com que tenho abordado temas dessa natureza nasce da convicção de que a mais relevante reforma do País e a de natureza político-institucional, de que depende, em última análise, o sucesso de todas as demais. A governabilidade, para usar uma expressão tão em voga nos dias de hoje, e uma decorrência direta e imediata da racionalidade da engenharia institucional adotada nos sucessivos períodos de cada país.

Lamentavelmente, as mudanças institucionais brasileiras tem sido fruto mais de nossas dificuldades conjunturais do que de nossas deficiências estruturais. Exatamente por isso, as frágeis transformações que temos logrado conseguir costumam resultar precárias umas, inadequadas outras e insatisfatórias quase todas.

Ao referir-me a importância do aperfeiçoamento institucional brasileiro, através das chamadas reformas políticas, pretendo salientar que elas têm um alcance muito mais amplo do que geralmente se atribui. Não se cingem a tomar melhor o sistema eleitoral e partidário, mas igualmente o sistema de governo. Tal foi o caso do presidencialismo adotado já na primeira Carta Republicana de 1891, com a “republicanização da República”, isto é, o revigoramento dos valores republicanos. Finalmente, a transformação do federalismo legal que praticamos, desde a proclamação da forma republicana de governo num federalismo real, mais, portanto, do que o federalismo meramente legal das diferentes cartas constitucionais, salvo a de 1937, a famosa “polaca”.

Creio que este tema, a partir deste Encontro, terá desdobramentos, inclusive na apresentação de propostas legislativas. Estas hão de constituir item importante da agenda institucional brasileira, para que possamos, no momento em que comemoramos 500 anos do descobrimento, ter um sistema político que assegure regras claras compatíveis com a nação que estamos construindo. É importante que essas regras deem ao País a desejada estabilidade institucional para que possamos ter elevados níveis de governabilidade e, no plano externo, uma presença mais significativa no nova mundo que se inicia com o século XXI.

Não poderia, antes de encerrar este encontro, deixar de destacar algo que já foi aqui mencionado pelo ministro Aloysio Nunes Ferreira, que diz respeito à importância deste encontro. Ele, de alguma forma, na minha opinião, insere no debate público a questão institucional brasileira. Às vezes, eu me pergunto se essa não é uma questão que necessita estar na ordem do dia, porque acredito que, depois de termos concluído o processo de transição para a democracia, que se consumou com a Carta Constitucional de 1988, nós obtivemos – creio que assim posso dizer com muita convicção – a desejada estabilidade política, que é imprescindível à vida social. Por outro lado, mais adiante, em 1994, obtivemos, com o Plano Real, a estabilidade econômica.

É lógico que as duas conquistas são conquistas que necessitam de um exercício cotidiano. Já houve quem dissesse que uma democracia e um exercício de cada dia, de maneira que a mesma coisa nós podemos dizer, também, no sentido de que a estabilidade econômica é um desafio de cada dia, mesmo porque nós temos que estar sempre atentos a que o vírus inflacionário não venha, novamente, a comprometer o tecido social brasileiro.

Mas, se nós olharmos que a estabilidade política, de um lado, e a estabilidade econômica, do outro, são decisivas para que nós possamos erigir a nação com a qual nós sonhamos. Nós poderíamos acrescentar ainda que alguns problemas remanescem para que nós possamos ter, neste século XXI que se inicia, o desejado protagonismo que o país pode exercer na comunidade internacional.

E, certamente, viria a pergunta: que outras questões nos desafiam neste momento? Certamente uma delas foi aqui lembrada, nos debates, pelos oradores que me antecederam, que é a questão social brasileira. O presidente Fernando Henrique Cardoso, naquele documento chamado “Mãos a Obra”, que foi o texto preliminar do programa da campanha de 1994, disse, com muita propriedade, que o Brasil não era mais um país subdesenvolvido, mas o era – e, infelizmente, poderíamos acrescentar – ainda um país injusto. Então, a questão social brasileira está presente de forma muito aguda, não somente nas distâncias interpessoais de renda, mas também nas distancias interespaciais.

E, obviamente também, nós não podemos deixar de reconhecer que a questão social brasileira também está presente, por acusarmos ainda uma injustificada concentração de renda. É lógico que alguém poderá dizer, com muita razão, que, de alguma forma, com o Plano Real, nós começamos a avançar, e a avançar muito neste campo.

Primeiro porque, por si só, o Plano Real nos livrou da inflação, substituindo, portanto, uma cultura de especulação por uma ética de trabalho. Mas o Plano Real nos permitiu também fazer com que nós pudéssemos ter mais do que um novo padrão monetário, condições de previsibilidade, de desenvolvimento sustentado, que é um pré-requisito para que nós possamos resolver a questão social brasileira.

E, por isso, eu também não estaria exagerando se dissesse que no Plano Real está embutido mais do que a solução de uma questão econômica, mas está a solução de uma grave questão social. E, talvez, ele esteja sendo a chave para fazermos uma transformação cultural muito importante no país. Logo, a questão social é uma questão cuja solução está em pleno desenvolvimento – o presidente já sancionou, hoje, o novo orçamento para este exercício; e é bom lembrar, por exemplo, que este orçamento contempla praticamente 40% dos investimentos para a área social. E não e diferente o que está sendo feito nos estados e municípios. Então, com isto eu quero dizer que a questão social, ainda que aguda e dramaticamente importante, e uma questão que está encontrando sua solução através de um caminho consistente e articulado.

Sendo assim, a meu ver, o que nos resta, para que sejamos, não a nação do futuro, mas uma nação que possamos, por ocasião dos 500 anos, celebrar como uma nação que ao final consegue realizar aquilo que sonharam nossos predecessores, o que nos falta, talvez, seja resolver, na minha opinião, a questão institucional brasileira. Este é, a meu ver, o grande desafio do país nestes novos tempos. Pois o grande debate que nos diz respeito de forma muito direta é a questão da governabilidade, a qual passa, obviamente, pelo aperfeiçoamento institucional brasileiro.

É lógico que aí surgem algumas questões agudas. A primeira delas, certamente, é como sairmos de uma democracia que eu chamaria de procedimentos para uma democracia de decisão? Isto é, como criarmos condições para que asseguremos efetividade do sistema político, que deve estar em sincronia com os sentimentos da sociedade? E aí, a primeira questão que se põe, dentro deste debate institucional, como realmente não poderia deixar de ser, é a questão do sistema político strictu sensu, isto é, o subsistema eleitoral e o subsistema partidário – subsistemas que precisam guardar coesão e compatibilidade.

Um grande pensador disse, certa feita, que um sistema político deve se caracterizar pela coesão e covariação. Isto é, na medida em que o sistema varia, é necessário que as duas peças do sistema variem. Então, se nós queremos ter no país, como desejamos, governabilidade, precisamos constituir partidos políticos vertebrados.

Há algum tempo, Tocqueville disse que os partidos políticos eram um mal necessário para o governo nas sociedades livres. Quer dizer, nós não podemos pensar uma sociedade democrática que não seja uma sociedade caracterizada pelo Estado partidário.

Então, voltando a esta questão, eu diria que para vertebrarmos os partidos políticos, precisamos fazer uma mudança no sistema eleitoral brasileiro, que tem muito a ver com a questão da representação e, de modo particular, ainda mais, com o modelo que nós adotamos para prover as cadeiras nas casas legislativas. Porque o sistema que praticamos, que é o chamado sistema proporcional por legendas abertas, é um sistema que nós, de alguma forma transplantamos da Itália, na década de 30 – se assim posso dizer, do século passado – e que a Itália já não pratica mais e que não conduz à formação de verdadeiros partidos políticos, porque vincula o eleitor ao candidato e não ao partido; quando a relação democrática correta, na minha opinião, é vincular o eleitor ao partido e este ao candidato.

Isto faz com que, consequentemente, o sistema partidário brasileiro padeça de uma debilidade congênita e, consequentemente, isso crie condições que dificultam aquilo que hoje nós chamaríamos de “governabilidade”, ou seja, a capacidade que tem um sistema político de fazer com que o resultado das urnas, de alguma forma, se converta em ação de governo; em outras palavras, fazer com que haja, como acontece nas chamadas democracias maduras, uma desejada consistência entre causa e efeito.

Por outro lado, é fundamental, também, quando se fala em um sistema político strictu sensu, que se fale também, que é outra questão que precisava ser tratada no nosso país, que é a questão do aperfeiçoamento do sistema de governo. Obviamente, por ser presidencialista – estou aqui cercado de parlamentaristas por todos os lados –, é lógico que eu tenho todas as razões para não advogar uma mudança do sistema de governo; mas, certamente, eu advogo – e há muito tempo – que nós aprimoremos o presidencialismo que nós praticamos, que, de alguma forma, já não é mais aquele presidencialismo imperial como se chamou a partir da primeira Constituição Republicana de 1891, mas que é um presidencialismo que ainda necessita de aperfeiçoamento em sua modelagem institucional e que ainda precisa, obviamente, de reformas, muitas das quais já estão sendo encaminhadas ao Congresso Nacional.

Dentre essas reformas, nós podemos apontar a do próprio Poder Judiciário, que tem muito a ver, obviamente, com o bom funcionamento do sistema presidencialista, que é, por sua natureza, um sistema que se caracteriza pela tripartição de poderes, e uma tripartição bastante acentuada, diferentemente – aí não fazendo uma crítica, mas uma constatação – do que ocorre no sistema parlamentarista.

Inclusive foi isso o que levou, em certa ocasião, no começo do século, W. Wilson a chamar o sistema presidencialista de governo congressual, porque ele dizia que era tão clara esta tripartição dos poderes, que, na realidade, havia um poder legislativo tão forte que ele poderia definir como um governo congressual, por oposição ao sistema parlamentarista, que ele chamou de governo de gabinete, posto que o Ministério, o governo, o Poder Executivo brotaria de uma emanação do órgão legislativo colegiado.

E também foi isto que levou, mais adiante, Levi Carneiro a dizer, depois de examinar a arquitetura institucional do presidencialismo, observando obviamente as instituições norte-americanas, que o sistema presidencialista poderia ser definido, também, por um sistema judiciarista, porque era muito agudo, muito forte o papel que o Poder Judiciário desempenhava no sistema presidencialista.

Assim, com isso eu quero dizer que esse modelo de presidencialismo que nós praticamos precisa também, obviamente, o desejado aperfeiçoamento. Por isso eu quero dizer que, quando nós defendemos as reformas políticas que têm sido defendidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e por outros tantos que aqui se encontram, eu quero dizer que elas não se limitem, não se cinjam, todavia, meramente à mudança do sistema político ou, mais especificamente, dos subsistemas eleitoral e partidário. É preciso que elas tenham um alcance maior, na medida em que elas também dizem respeito ao sistema de governo.

E, neste sentido, eu vou mais além: na minha opinião, isso também tem muito a ver com a forma de Estado que temos em nosso país. Daí a questão federativa, porque, realmente, como aliás lembrou o presidente Fernando Henrique Cardoso, na sessão de abertura, e, certamente, esse foi um tema recorrente, mas é bom lembrar que nós, durante todo o Império, fomos um Estado unitário com forte nível de centralização, em um país de dimensões quase continentais, que era caracterizado por uma forte centralização a nível político e administrativo. É lógico que durante o Império conhecemos um ato institucional – um momento de uma certa diástole, se assim podemos dizer. Mas logo depois, com a lei de interpretação, um movimento – seis anos depois – de contração, de sístole.

Então, quando veio a Proclamação da República, nós éramos um Estado unitário, e aí se fez, até por influência do modelo norte-americano – pois até então nós éramos Estados Unidos do Brasil –, a primeira Constituição Republicana, que, aliás, era uma Constituição muito boa, concisa, com apenas 91 artigos, em contraposição a esta nossa, extremamente analítica e detalhista. Mas, de qualquer forma, na primeira Constituição republicana nós nos convertemos em República Federativa. Quer dizer, no Brasil não havia uma prática federativa que, por exemplo, caracterizou os Estados Unidos, mas que, ao mesmo tempo, nós poderíamos aplicar à Alemanha ou à Suíça.

Então, o que acontece até que nós nascemos, nos tornamos, federação por uma mera emanação legal. Não havia uma consciência da descentralização e não havia, portanto, um nível de autonomia das províncias que, naturalmente pudesse caracterizar o país como um Estado composto, como Estado Federal.

É lógico que alguns defensores da continuidade da monarquia – nesse sentido, eu posso, por exemplo, um conterrâneo meu: Joaquim Nabuco – entendi amor que era o momento de se pensar nessa descentralização. Daí por que ele defendia, inclusive, uma monarquia federalista, se assim posso dizer. Mas nascemos, portanto, federação, por uma mera cópia do modelo norte-americano – república federativa presidencialista. E importamos do modelo norte-americano outras instituições que, de alguma forma, se incorporaram ao constitucionalismo brasileiro. E, para falar em uma outra instituição pública, no caso, nós poderíamos citar o sistema bicameral, já que este sistema que nós adotamos hoje é o modelo norte-americano, diferentemente do que praticávamos no Império, quando os senadores eram vitalícios ou recrutados por outros processos.

Então, a questão federativa, a meu ver – eu não vou me alongar neste tema porque este é um tema já cantado em prosa e verso –, não pode ser deixada de lado, de modo que eu fico muito satisfeito que isso esteja sendo resgatado aqui, nesta conferência, no momento em que nós discutimos o aperfeiçoamento institucional do país.

Gostaria de avançar nesse desenho de reformas institucionais, no sentido de que penso que, dele, nós não podemos excluir uma outra questão muito relevante, que é a própria República, ou seja, que nós discutamos as instituições republicanas de modo mais geral.

É bom lembrar que, desde a primeira Carta de 1891, e nas Cartas sucessivas, sempre se admitiu que a federação e a república eram instituições irreformáveis. Os textos constitucionais diziam, mais ou menos, “que não serão admitidas emendas tendentes a abolir a federação e a república”. É lógico que há a exceção da Carta de 37, que chegou, inclusive, a negar a federação e a queimar as bandeiras dos estados. E é lógico que a Constituição de 1988, também, por uma outra razão que podemos ver mais tarde, não considerou a república uma instituição irreformável, porque admitiu fazer um plebiscito – que aconteceu cinco anos depois – para discutir a forma de governo – se república ou monarquia – e o sistema de governo – se presidencialismo ou parlamentarismo.

Mas, a meu ver, nós não podemos, do conjunto das reformas políticas, deixar de colocar a questão republicana. E, até repetindo uma frase que era muito comum se ouvir no começo do século, no sentido de que é necessário que se faça um esforço para “republicanizar a república”. Quer dizer, tentar restaurar valores republicanos que, de alguma forma, nos vieram há cerca de 2000 anos – da Grécia e, sobretudo, de Roma. Nesse sentido, nós poderíamos, por exemplo, lembrar aquele conceito expresso em Cícero – mas em tantos outros também – relativo a res publica por oposição a res privada. Quer dizer, trata-se de restaurar valores republicanos, os quais considero importantes na quadra em que nós vivemos.

E aí, quando eu falo república, eu não falo só como sistema de governo; eu falo como valores que, de alguma forma, permearam os objetivos republicanos, que estão ligados à cidadania, a res publica, ou seja, ao bem comum, aos espaços públicos, enfim.

Sendo assim, concluindo, é por isso que eu diria que considero muito importante que nós tenhamos realizado aqui este encontro, e que possamos, portanto, colocar essas questões na ordem do dia. Mesmo porque entendo, e assim também pensa o presidente Fernando Henrique Cardoso, em que pese as vicissitudes           que nós enfrentamos, no dia a dia, no campo econômico, o campo social etc., é fundamental, também, em parceria com o Congresso – é óbvio e é bom lembrar isso – que, concomitantemente, estejamos atentos a essas mudanças, a esses aperfeiçoamentos institucionais brasileiros. Mesmo porque essas questões passam em meridianos distintos das questões econômicas e sociais e são extremamente importantes para que nós possamos melhorar o nosso nível de desempenho das instituições públicas e também são muito importantes para que nós possamos melhorar – por que não ressaltar isso? – o desempenho da economia e a questão social brasileira.

Enfim, é um esforço em definir regras – novas regras, regras caracterizadas pela estabilidade. E isso também terá, a meu ver – posso estar equivocado –, uma boa percepção externa, porque essa questão da governabilidade é, naturalmente, muito observada em todo o mundo. Por fim, penso que está na hora de definirmos, adequadamente essas regras do jogo.

Portanto, concluo as minhas palavras cumprimentando os organizadores, os expositores, debatedores, a todos que contribuíram para que nós conhecêssemos melhor as nossas instituições e, de modo especial, o federalismo que nós praticamos; e cumprimentando-os, também, na certeza de que o objetivo é fazer com que o que aqui se discutiu não ficará simplesmente em um debate competente de bom nível, sobre tão momentosa questão, mas, certamente, se buscará converter essas questões em realidade e, se possível, de modo especial, em ação legislativa ao concreto.

ARTIGO883

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