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Como Xi planeja se eternizar à frente da China

The Economist, Tradução de Augusto Calil, O Estado de S.Paulo, 14/10/2022

Presidente chinês põe em prática plano de se perpetuar no cargo e deixar seu nome na história.

Há pouco mais de dez anos, Xi Jinping desapareceu. Ele era na época o líder chinês em formação, estava prestes a adquirir uma série de títulos que o tornaria, pode-se argumentar, o homem mais poderoso da Terra. Sem explicações, seus assessores cancelaram reuniões com dignatários estrangeiros, incluindo a então secretária de Estado americana, Hillary Clinton. Analistas ocidentais ficaram assombrados.

Observadores externos são acentuadamente sensíveis a tais ausências. Ao longo dos dias recentes, um prolongado período sem aparições públicas de Xi ocasionou novamente rumores desenfreados a respeito de sua guerra política: em 27 de setembro, ele pôs fim à especulação ao visitar uma exposição em louvor às realizações do Partido Comunista sob seu governo. Mas em 2012, aquelas suspensões nos compromissos diplomáticos tiveram um sabor diferente. Tardou duas semanas para Xi reaparecer. Até hoje analistas se perguntam o que terá acontecido e o que isso significou.

Os rumores a respeito da razão do sumiço de Xi variaram desde um problema de saúde até uma tentativa de assassinato. Chris Johnson acabava de deixar a CIA, onde havia trabalhado como analista para China. Ele acha que se tratou provavelmente da resposta de Xi aos anciões do Partido Comunistas, que — ainda que apoiassem sua ascensão ao topo — haviam se eriçado com sua avidez pelo poder pouco se importando com as opiniões deles. “Encontrem outra pessoa para o emprego, então”, Johnson imagina que Xi lhes disse. “Foi uma boa oportunidade para ele afirmar: ‘Não atenderei as ordens de nenhum aposentado’”, afirmou o homem que o espionava. Xi quis ser “não apenas o mais importante entre os iguais, mas simplesmente o mais importante, o primeiro, e ponto”.

Se essa teoria é correta, Xi conseguiu o que desejou. Ele demonstrou mais poder e implacabilidade do que qualquer outro líder chinês desde Mao Tsé-tung, que morreu em 1976. The Economist está lançando esta semana um podcast em oito episódios chamado “O Príncipe”, para analisar a ascensão de Xi.

Ele levou a cabo amplos expurgos no partido e nas forças de segurança para remover corruptos e inimigos políticos (incluindo muitos aliados daqueles anciões). Ele transformou um partido fraturado, que havia desaparecido das vidas de muitas pessoas comuns em uma máquina onipresente, revigorada ideologicamente e reforçada pela tecnologia. Ele esmagou a dissidência aniquilando grande parte da sociedade civil organizada, construindo um gulag para muçulmanos em Xinjiang e extirpando as liberdades de Hong Kong.

Xi transformou bancos de areia no Mar do Sul da China em fortes, ameaçou Taiwan com exercícios militares no entorno da ilha e aumentou seu número de bombas nucleares para manter os Estados Unidos afastados. Ele impulsionou o poder global da China usando o peso econômico do país em uma batalha por influência política com o Ocidente, do qual ele escarnece qualificando como caótico e decadente.

Em 16 de outubro, o partido se reunirá em um congresso quinquenal. O evento durará cerca de uma semana e reformulará uma ampla parcela da elite governante. O novo grupo então se reunirá para escolher a liderança central para os próximos cinco anos. É quase certo que Xi será renomeado líder do partido e chefe militar — e será reconfirmado presidente no início do próximo ano. Isso será algo sem precedentes na era pós-Mao. A norma para a função tem sido de no máximo dois mandatos de cinco anos. Xi, ao que parece, decidiu governar por quanto tempo lhe aprouver.

Os dez anos recentes revelaram muito de seu pensamento. Mas conforme as tensões com os EUA cresceram, e não apenas em relação a Taiwan, estudar seu caráter tornou-se uma tarefa cada vez mais premente. Ele poderia ser outro Vladimir Putin, disposto a correr riscos enormes para satisfazer ambições territoriais? Quanto importa para ele se a China e o Ocidente se despedirem? Ele é animado por algum espírito marxista que subverterá a ordem econômica pós-Mao? Ele permitirá que a obsessão com a disseminação da covid-19 paralise um dos maiores motores de crescimento econômico do mundo?

Ao longo dos meses recentes, The Economist conversou com uma ampla gama de indivíduos com percepções sobre a personalidade de Xi, de ex-autoridades no Ocidente a chineses familiarizados com o sigiloso mundo da elite de seu país e com as influências que podem ter forjado as preferências políticas de Xi enquanto ele ascendia ao poder. Algumas de suas observações são citadas neste artigo. Áudios de uma das redatoras deste veículo na China, Sue-Lin Wong, podem ser ouvidos na série de podcasts que está disponível online em todos os principais aplicativos de podcasts.

As conclusões desta série têm implicações sombrias para a China e o mundo. Quando Xi assumiu o poder, em 2012, alguns observadores estiveram cautelosamente otimistas quanto à possibilidade de ele se tornar algum tipo de reformador: não um outro Mikhail Gorbachev, mas pelo menos alguém que governasse com um toque mais suave e tentasse se entender com os EUA e o Ocidente. Essas esperanças foram obliteradas à medida que ficou evidente que Xi estava determinado em concentrar imenso poder, empunhá-lo implacavelmente contra quem o criticasse ou ao seu partido e usá-lo para transformar a China em uma potência global com força suficiente para impressionar o Ocidente. Os atributos pessoais que colocaram Xi nesse caminho continuarão a orientar seus passos. Assim como as forças em seu entorno: uma elite nacionalista, um partido que teme cada vez mais perder o poder e um povo que saúda um homem-forte.

Os otimistas de uma década atrás incluíam chineses familiarizados com o funcionamento interno do alto-escalão do partido. Um deles era Li Rui, que serviu como vice-ministro e secretário pessoal de Mao nos anos 50, passou posteriormente nove anos na cadeia por criticar Mao e foi restaurado em uma função graduada nos anos 80, sob Deng Xiaoping. Depois de sua aposentadoria, ele continuou um defensor franco de reformas econômicas e políticas até sua morte, em 2019. “Quando Xi se tornou o número um, meu pai ficou tão feliz”, recordou-se sua filha Nanyang Li, que agora vive nos EUA. “Meu pai me disse, ‘Agora sim a coisa vai bem… há esperança para nosso sistema político.”

Li Rui devia estar em boa posição para julgar. Entre 1982 e 1984, ele serviu em uma função crucial, como subchefe do Departamento de Organização do partido, agência que administra a vasta burocracia da China e ajuda a selecionar autoridades para promoção. Ele foi incumbido de estabelecer um novo setor dentro do departamento chamado Escritório de Quadros Jovens. Sua tarefa era identificar e formar jovens autoridades que poderiam se tornar futuros líderes. O escritório compilou uma lista com 1,1 mil integrantes. Dos 14 homens apontados para o pináculo do poder — o Comitê Permanente do Politburo — após o congresso do partido, em 2007, e o seguinte, em 2012, apenas dois membros não constavam da lista elaborada quatro décadas antes. Xi, que se tornou secretário-geral em 2012, estava nela. Li mandou um subordinado investigar sua aptidão.

Então por que ele — assim como muitos outros — estava tão equivocado a respeito de como Xi se sairia enquanto líder chinês? Há duas razões principais. Primeiro, as avaliações de 2012 a respeito da personalidade de Xi tinham como base principal seus laços familiares. Ele é filho de Xi Zhongxun, um veterano da revolução que levou o partido ao poder em 1949. O Xi ancião, que morreu em 2002, havia sido expurgado por Mao e restituído por Deng. Ele também era um reformista econômico, que, sob Deng, supervisionou a criação da primeira “zona econômica especial” da China — atualmente a dinâmica megacidade de Shenzhen. Aquele experimento de capitalismo envergonhou os conservadores do partido (alguns linhas-dura se recusaram até a ir lá). “Tal pai, tal filho” é uma característica comum na cultura popular chinesa. Muitos esperavam que o filho de um reformista desses seguisse os passos do pai.

 

A sra. Xi é a tal

A outra razão foi uma ausência de informação. Antes de Xi emergir como líder em formação, em 2007, ele mantinha sua cabeça baixa. Sua mulher, Peng Liyuan, era cantora de baladas patrióticas e canções de ópera — e bem mais famosa do que ele (ela tem dez álbuns no Spotify). Após o Exército chinês esmagar os protestos na Praça Tiananmen, em 1989, ela se apresentou na praça para soldados.

Xi era um político pouco conhecido, que não havia dito nem feito nada extraordinário. De maneira incomum para um líder em formação, ele havia passado 17 anos em uma única província — Fujian, na costa sudeste — antes de conseguir seu primeiro emprego como chefe provincial do partido, em 2002, na vizinha Zhejiang. Alfred Wu era jornalista da imprensa estatal em Fujian e foi pautado para cobrir as atividades de Xi. Foi um trabalho enfadonho. “Ele era muito quieto e um pouco tímido”, afirma Wu, que atualmente trabalha na Universidade Nacional de Cingapura. “Ninguém nunca imaginou que ele se tornaria o líder nacional.”

Em 2011, um ano antes de Xi assumir o poder, Joe Biden — então vice-presidente dos EUA, sob Barack Obama — foi à China encontrar-se com Xi, que na época também era vice-presidente de seu país (um sinal claro de que ele havia ascendido e se tornado o príncipe-herdeiro). Biden estava acompanhado de Evan Medeiros, na época diretor para China do Conselho de Segurança Nacional. “Sabíamos muito pouco” a respeito de Xi, recorda-se Medeiros. Biden tentou construir um relacionamento com o futuro líder chinês: transparecendo constrangimento, ambos jogaram uma breve partida de basquete em visita a uma escola. Xi sinalizou ser um “político muito controlado e muito cauteloso”, afirma Medeiros.

Quase nada mudou. Desde que assumiu, Xi não concedeu nenhuma entrevista cara a cara para jornalistas ocidentais nem convocou conferências de imprensa, exceto por breves interações com repórteres juntamente com líderes estrangeiros durante visitas de Estado. Seus discursos com frequência são divulgados bem depois de serem proferidos (por exemplo, a fala que discutiu o colapso da União Soviética e os “riscos e desafios enormes” envolvidos em manter o Partido Comunista Chinês no poder no futuro distante, divulgada em 15 de setembro, ocorreu bem mais de quatro anos antes de ser publicada). Ao contrário de Putin, Xi não pronuncia monólogos digressivos na TV estatal. Ao mesmo tempo em que ampliou o poder da China globalmente, Xi se manteve cercado de mistério. Seu recente desaparecimento do público se seguiu a uma viagem à Ásia Central que foi sua primeira giro no exterior desde que a covid-19 foi declarada pandemia.

A visita de Biden à China em 2011 transpareceu um lampejo de percepção. Daniel Russel, que era chefe de Medeiros na Casa Branca, recorda-se de um jantar em que Xi “falou por um tempo considerável” a respeito das insurreições que vinham derrubando líderes autoritários nos países árabes naquele ano. Xi refletiu sobre os possíveis motivos daqueles eventos: apontou para corrupção, mencionou sectarismos dentro dos partidos governantes e citou a perda de contato dos líderes com os cidadãos comuns e suas necessidades. Esses mesmos elementos poderiam derrubar o Partido Comunista se ele fracassasse em se reorganizar, afirmou Xi, segundo recorda-se Russell.

Talvez o maior erro dos observadores na época tenha sido subestimar a magnitude do medo de colapso do partido que motivava Xi, quão longe ele chegaria para evitar isso e quão amplamente comuns suas visões eram dentro da elite governante. Grande parte do comportamento de Xi como líder, incluindo seu pomposo nacionalismo, pode ser explicada como uma resposta às ansiedades que ele expressou para Biden em 2011.

Ele estava certo em pressentir o perigo. A China vinha se transformando dramaticamente nos anos anteriores. Uma grande classe média possuidora de casa própria havia emergido nas décadas recentes. Com o rápido crescimento da empresa privada, as raízes populares do partido tinham se atrofiado: na época, poucas comunidades sentiam alguma conexão com o partido. As redes sociais acabavam de emergir como ferramenta de comunicação, os smartphone estavam se espalhando. Por toda a China, as pessoas estavam usando essas tecnologias para compartilhar queixas. Pequenas ONGs floresciam defendendo os direitos dos oprimidos.

E fragmentações emergiam dentro do partido. Um rival de Xi, Bo Xilai, disputava a atenção na região de Chongqing, no sudoeste, onde ele era chefe do partido. Bo — carismático e bonitão — estava ganhando apoio do público combatendo ostensivamente a corrupção e apelando para uma nostalgia persistente em relação aos supostamente mais justos dias de Mao, quando o Estado provia habitação e saúde para as comunidades.

Bo, que era membro do Politburo, foi preso por corrupção no início de 2012. Ele foi a julgamento meses depois que Xi assumiu. E foi sentenciado em 2013 à prisão perpétua. Autoridades sugeriram que ele havia conspirado para dar um golpe de Estado. Vários outros, incluindo o ex-comandante de segurança Zhou Yongkang e dois generais aposentados, foram acusados de conluio. A família e associados de Zhou tiveram mais de US$ 14 bilhões em bens apreendidos.

Muitos analistas se surpreenderam com a habilidade de Xi em derrubar pessoas tão poderosas. Zhou foi a autoridade mais graduada a ser condenada por corrupção desde 1949. Os generais eram os oficiais militares mais graduados a integrar a comissão do partido que controla as Forças Armadas. O julgamento de Bo e os processos contra esses indivíduos nos primeiros três anos do governo de Xi representaram uma novela política comparável à prisão, em 1976, logo após a morte de Mao, da Camarilha dos Quatro — os ultrarradicais que haviam orquestrado a brutal Revolução Cultural de Mao.

O expurgo foi possibilitado por duas características cruciais relativas ao poder e à personalidade de Xi. A primeira é o apoio da elite que ele desfrutava. O Ocidente via um país que havia resistido à tempestade financeira global de 2007-09 e crescia rapidamente. Dentro da China, porém, havia menos otimismo entre os membros do partido. Privadamente, eles criticavam o opaco antecessor de Xi, Hu Jintao, por ter permitido que o país ficasse à deriva e uma perda de disciplina dentro do partido. Para o partido sobreviver, acreditavam eles, era essencial injetar em seus quadros um senso de propósito renovado e aumentar o controle interno. A fala de Xi a respeito de um “sonho chinês” para um “grande rejuvenescimento” do país ressoou entre muitos.

 

Mais vermelho que o vermelho

A outra característica da qual Xi desfrutou foi seu pedigree. Na China, Xi é conhecido como (em sussurros) taizi, ou membro do principado. O termo é mais comumente aplicado para qualificar filhos de líderes, principalmente descendentes dos fundadores do Partido Comunista Chinês. Integrantes desse grupo desfrutam de vantagens políticas. Entre os cerca de 600 jovens correligionários identificados pelo Escritório de Quadros Jovens no início dos anos 80, aproximadamente 5% eram do principado. No Comitê Permanente do Politburo, que Xi assumiu em 2012, a maioria vinha dessa elite.

O título de nossa série de podcasts é “O Príncipe”, o mesmo da obra de Nicolau Maquiavel a respeito de como governar. Como escreveu Maquiavel cerca de 500 anos atrás, “há menos dificuldades em manter Estados hereditários (…) do que Estados novos; pois basta ao Príncipe não transgredir os costumes de seus antepassados”. Xi pode discordar da facilidade expressa por Maquiavel (o próprio autor escreveria diferentemente a respeito de tamanho colosso como a China). Mas o presidente chinês claramente acredita que preservar a retórica tradicional do partido — não importando quão alheia ela seja em relação a muitos aspectos do atual capitalismo de Estado em seu país — é vital para manter seus 97 milhões de membros sob controle e ele próprio na função.

Em 2009, a Embaixada dos EUA em Pequim enviou um telegrama confidencial para Washington (posteriormente revelado pelo Wikileaks) a respeito da análise de um acadêmico chinês não identificado — mas claramente de confiança da diplomacia americana — que conheceu Xi no início da carreira do líder. “Nosso contato está convencido que Xi possui um senso genuíno de ‘prerrogativa’, acreditando que os membros de sua geração são ‘herdeiros legítimos’ das realizações revolucionárias de seus pais e, portanto, ‘merecem governar a China’”, afirmou o despacho. Xi não era orientado por ideologia, afirmou o acadêmico segundo o telegrama, mas escolheu sobreviver “se tornando mais vermelho que o vermelho”. Ao revestir-se do comunismo, ele conquistaria a confiança da elite do partido.

Em relação à maneira que Xi escolheu forjar sua imagem, o contato provou-se mais correto do que os liberais otimistas. Nos meses recentes, autoridades em toda a China foram obrigadas a assistir (mais um) filme a respeito do colapso da União Soviética, em 1991. O documentário aponta para uma grande lição: que os gigantes do passado do comunismo não devem ser criticados. Atacar Stálin, como fez o líder soviético Nikita Khrushchev, em 1956, semeia a ruína.

Xi não é nada maoista. Ele quer controlar os empreendedores privados em vez de eliminá-los, como fez Mao — mas sua contribuição para a economia é valiosa demais para dispensá-los. Ao contrário de Mao, que destruía alegremente estruturas do partido almejando objetivos utópicos, Xi pretende fortalecer o ordenamento político e econômico de seu país mantendo o partido firmemente no controle.

Para Xi, o partido enquanto instituição importa mais do que importava para Mao. Durante a Revolução Cultural, Mao buscou expurgar críticos com os Guardas Vermelhos — que foram gangues de radicais formadas de maneira espontânea, independentemente do partido. Em muitos lugares, eles tomaram o poder local, atacando autoridades e organizações do partido, classificando-as como “reacionárias” ou insuficientemente maoistas. A família de Xi esteve na mira. Seu pai foi torturado. Sua meio-irmã se suicidou para evitar um tratamento similar.

Essa experiência pode ter fomentado a crença de Xi em um partido forte. O partido precisava se fortalecer para evitar que formas parecidas de caos voltassem a irromper. Governar as massas com mais liberdades era perigoso. “Não vejo apenas as coisas superficiais: o poder, as flores, a glória, o aplauso”, afirmou Xi em 2000. “Eu vejo os currais” — referindo-se aos centros de detenção da Guarda Vermelha — “e a maneira que as pessoas diziam o que bem entendiam”.

Poucos se atrevem a dizer o que querem em crítica a Xi — os que o fizeram foram encarcerados ou punidos de outra maneira. Xi usa o partido como sua arma, injetando comitês partidários em empresas privadas e ressuscitando sua presença nos bairros. Células do partido têm liderado a mobilização massiva para fazer vigorar os lockdowns relativos à pandemia; detectar pessoas infectadas pelo coronavírus e colocá-las em quarentena supervisionada; e conduzir incontáveis testes de ácido nucléico em inspeções porta a porta.

Em Xinjiang, secretários do partido receberam o poder de dar a palavra final a respeito de quem deve ou não ser mandado para campos de detenção para “desradicalização”. Xi criou novos grupos no partido, frequentemente com ele próprio no comando, para supervisionar o trabalho dos ministérios do governo. Conforme ele coloca: “Leste, oeste, sul, norte e o centro: o partido é líder de tudo”.

Assim como Xi.

Xi controla todos os principais portfólios, incluindo política econômica, que secretários-gerais anteriores colocavam nas mãos do primeiro-ministro. Após o congresso do partido no próximo mês, quando a nova estirpe de líderes será revelada, muita atenção se voltará para o terceiro mandato, sem precedentes, que Xi quase certamente assumirá. Mas dado o poder que Xi detém, ele sempre tendeu a permanecer líder supremo, mesmo se decidisse conceder a função oficial de chefe do partido para outra pessoa. Até Deng, que tentou introduzir um sistema mais ordenado de sucessão, empunhou a autoridade suprema por anos após deixar oficialmente a função.

Xi, de 69 anos, está posicionado, portanto, para governar, formalmente ou informalmente, por tanto tempo quanto considerar suficiente. Ele poderia, concebivelmente, ser derrubado, mas isso seria difícil sob o Estado de vigilância altamente tecnológica que ele criou. Nos anos que lhe restam, pouco deverá mudar na China ou no exterior, desde que ele não decida deixar de governar com mão de ferro ou opte por desafiar os EUA.

Mesmo assim, Xi continua assombrado pelo destino da União Soviética e ainda percebe inimigos domésticos. Apesar do que parece uma forte aprovação pública de seu governo, ele tem motivos para se preocupar. Nos dois anos passados, ele tem travado uma guerra contra uma “facção política” dentro da polícia. Autoridades afirmam que sua existência representa uma “séria ameaça para a segurança política”. Nos dias recentes, o suposto líder da facção, Sun Lijun, que foi vice-ministro de segurança pública, recebeu uma pena de morte indultada que poderá ser comutada para uma sentença de prisão perpétua em regime fechado. Vários outros receberam longas penas de prisão.

 

Um novo timoneiro

Conforme a economia diminui o ritmo do crescimento, o apoio do público pode se esvair. Xi se dedicará ainda mais a reprimir a dissidência e suspeitará cada vez mais dos empresários no comando de grandes empresas do setor privado que possam desafiar suas políticas. Xi se identificou pessoalmente com a estratégia “covid-zero” da China. Apesar de seu pesado efeito sobre a economia e da queixa ainda maior dos cidadãos afetados pelos draconianos lockdowns, ele dificilmente abandonará essa política antes de ter certeza de que fazê-lo não ocasionará um aumento no número de mortes. Mas enquanto nacionalista, Xi dificilmente promoverá o uso das vacinas estrangeiras, que possibilitariam à China uma saída mais pronta.

No exterior, Xi permanecerá determinado a afastar a potência americana da vizinhança chinesa e além. Ele percebe uma ameaça crescente dos EUA à medida que os americanos tentam estreitar os laços com países democráticos para afrontar a influência chinesa e impedir o acesso dos chineses a tecnologias de última geração. Não se sabe a opinião verdadeira de Xi a respeito da guerra na Ucrânia, mas ele continuará a apoiar a Rússia diplomaticamente, considerando-a um baluarte vital do autoritarismo. Taiwan deveria continuar a se preocupar. Xi não deu sinais de ser um apostador irresponsável como Putin. Especialmente em razão das repetidas sugestões de Biden no sentido de que os EUA defenderiam Taiwan militarmente, Xi não pode ter a certeza de uma vitória rápida caso decida tentar conquistar a ilha (um desafio maior, em certos aspectos, do que subjugar a Ucrânia, em razão de seu terreno e distância do continente). Mas tomar Taiwan continua um objetivo declarado do partido. E Xi está construindo rapidamente a infraestrutura necessária para isso.

Otimistas podem colocar sua esperança de mudança para melhor na China quando Xi por fim se ausentar da cena política. Eles poderão se provar corretos. Líderes com mentalidade mais liberal ascenderam ocasionalmente na China comunista, apesar de jamais ao ápice do poder. Mas a elite política mais ampla que colaborou para a ascensão de Xi — incluindo líderes aposentados, generais e outros príncipes — pode preferir manter a China em grande medida na mesma linha após sua partida.

Como coloca Xi, a China está experimentando “as maiores mudanças em 100 anos” domesticamente e globalmente. Em meio a tais incertezas, a maior parte da elite governante provavelmente preferiria uma mão firme na direção — um outro timoneiro, como autoridades aduladoras começam a chamar Xi — da mesma maneira que apreciou a decisão de Deng de mandar o Exército para a Praça Tiananmen. Apesar de sua personalidade exuberante e tirânica, assim como seu pendor para mudanças nas regras, Xi representa a continuidade na política chinesa tanto quanto a mudança. Mesmo imaginando uma China sem ele, é difícil se alentar.

ARTIGO889

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