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Dois erros

O Estado de S. Paulo, 27 Feb 2023

Luís Eduardo Assis Economista, autor de ‘O Poder das Ideias Erradas’ (ed. Almedina), foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP.

Talvez o sumo mais concentrado do debate econômico atual esteja em como lidar com o déficit público. Não que existam propostas divergentes a respeito de como se enfrenta esse problema. É mais embaixo.

Próceres do atual governo parecem pensar que o problema nem sequer exista. O equívoco encontradiço no qual eles se baseiam é imaginar que a prosperidade do País possa ser assegurada meramente pela elevação dos gastos públicos, o que seria bom e fácil – se fosse verdade.

Alguns seguem adiante e argumentam que o gasto público eleva o PIB, com o que os impostos sobem e fecham o círculo ao financiarem o gasto avançado. De fato, trabalho de Marcelo Neri, Fabio Vaz e Pedro Souza (Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais, 2016) estima que cada real gasto no Bolsa Família gera, por meio do efeito multiplicador, um aumento do PIB da ordem de R$ 1,78. Mas os próprios autores, cautelosos, se apressam em ressaltar que esse cálculo depende de pressupostos importantes, entre os quais

Temer a insolvência do governo faz tanto sentido quanto ignorar os efeitos do aumento do déficit público

a hipótese de que o gasto adicional não impacta o nível de preços. Tirar daí a conclusão de que o gasto público seja autofinanciável é, mais do que um exagero, um erro crasso.

No outro corner do tablado, o mercado também faz das suas. Aqui também predominam crenças e dogmas. É comum a comparação da dívida pública com o endividamento de uma empresa, do que deriva a ideia de que os juros são altos no Brasil porque se teme que o governo não seja capaz de honrar suas dívidas.

Como mostra André Lara Resende (Camisa de Força Ideológica: A Crise da Macroeconomia, 2022), os juros para prazos mais longos dos títulos públicos significam apenas a estimativa de sucessivas taxas Selic a serem determinadas pelo Banco Central (ou, no jargão, seu “custo de carregamento”) e nada têm a ver com a capacidade do Estado de honrar dívidas em sua própria moeda. É claro que isso não significa que o endividamento possa crescer de forma ilimitada, já que em algum momento, ninguém sabe quando, poderá estimular a fuga de capitais, o aumento do dólar e a explosão da inflação. Mas temer a insolvência do governo faz tanto sentido quanto ignorar as consequências nefastas do aumento persistente do déficit público.

O debate é longo, as dúvidas são muitas. De certo, o que sabemos é que temos pouco tempo. O governo terá uma oportunidade única para esclarecer o que pensa quando encaminhar o novo marco de controle fiscal. É preciso algo convincente, capaz de amainar apreensões de todo tipo, inclusive as falsas.

ARTIGO907

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