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Não temos problemas ‘de’ fronteira, mas ‘na’ fronteira!

As políticas de segurança para a ‘frontier’ só serão efetivas se baseadas numa abordagem multidimensional e sistematizada do problema

Oscar Medeiros Filho, O Estado de S. Paulo, 15/12/2023

Por meio da Portaria n.º 4.843, de 29 de setembro de 2023, o Ministério da Defesa instituiu um grupo de trabalho com a finalidade de analisar a viabilidade e a proposição de possíveis mecanismos para o emprego das Forças Armadas na faixa de 250 km ao longo da fronteira terrestre nos Estados da Amazônia Legal, em ações preventivas e repressivas contra delitos transfronteiriços e ambientais.

Tal medida ocorre num momento em que o Brasil acompanha estarrecido as ações de terror provocadas por grupos criminosos no Rio de Janeiro e que, em boa medida, têm origem nos ilícitos transnacionais presentes em nossas fronteiras.

A ideia de alargar a chamada faixa de fronteira na Amazônia denota uma tentativa – não sabemos ainda se efetiva – de combate às ameaças em nossos espaços fronteiriços que, neste canto do mundo, têm naturezas muito peculiares. Felizmente, não temos disputas fronteiriças com nossos vizinhos, nos moldes do que acompanhamos atualmente na guerra entre Rússia e Ucrânia. De fato, o Brasil não tem problemas “de” fronteira, mas “na” fronteira!

Para compreender melhor esse fenômeno, vale apena recorrer aos diferentes significados que podem ser dados aos espaços fronteiriços mas que, no idioma português, acabam sendo expressos por um mesmo termo: fronteira. Assim, recorrendo ao idioma inglês, podemos utilizar dois termos que revelam melhor a natureza das ameaças de que queremos falar. O primeiro, border, se refere à ideia de limite. Diz respeito ao caráter político-jurídico de separação de territórios soberanos e se expressa como divisa, muitas vezes representada por muros. Como disse antes, essa não é a conotação de fronteira que tem ameaçado nossa segurança nacional nos dias atuais. Atualmente, o Brasil não tem litígio em relação aos seus mais de 16 mil km de fronteiras, graças sobretudo à competência de nossa diplomacia, que tem construído relações de confiança com nossa vizinhança, e à presença histórica das nossas Forças Armadas, especialmente do Exército Brasileiro, representando, muitas vezes, a única presença do Estado nas regiões mais remotas.

Isso não quer dizer que estejamos imunes a essas questões e não devamos nos preocupar com os problemas “de” fronteiras. Instabilidades regionais, somadas à presença de potências extrarregionais no nosso entorno, muitas vezes utilizando-se de vulnerabilidades de nossos vizinhos, podem vir a representar ameaças futuras, a exemplo das ações tresloucadas do governo de Nicolás Maduro em relação ao Essequibo. Nesse sentido, manter boas relações com nossos vizinhos, por meio da diplomacia militar, tem-se revelado uma interessante estratégia para a construção da confiança mútua, da cooperação regional e para a dissuasão extrarregional.

Por outro lado, há um segundo termo em inglês – frontier – que pode representar bem o sentido de fronteira que nos ameaça. O termo se refere a regiões periféricas, pouco desenvolvidas, com sérios desafios socioeconômicos e carentes da presença do Estado. Quando olhamos para o caso brasileiro, especialmente para a Amazônia, identificamos facilmente ser esse o sentido de fronteira que nos preocupa, especialmente agora, que os desafios ambientais na região se ampliaram. Como mostrou recentemente editorial deste jornal (Anomia na Amazônia, 29/6/2023), a insurgência criminal na Amazônia, alimentada especialmente pelo narcotráfico, tem exacerbado o “círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se retroalimentam”. Trata-se, portanto, de um espaço de enormes desafios, marcado por vulnerabilidades e ainda carente de políticas públicas voltadas à sua segurança e ao seu necessário desenvolvimento.

Portanto, a natureza das ameaças que nos envolvem revela um quadro no qual não temos – ainda, felizmente – problemas “de” fronteira, mas que, por outro lado, apresenta desafios existenciais “na” fronteira. Assim, a ideia de ampliar para 250 km a “faixa de fronteira” na Amazônia só reforça a relevância que o sentido frontier representa para a nossa segurança nacional. Há um grupo de trabalho que está analisando a viabilidade ou não dessa proposição. O fato é que a simples transferência de atribuições de segurança para as Forças Armadas não resolve o problema. As políticas de segurança para a frontier só serão efetivas se baseadas numa abordagem multidimensional e sistematizada do problema.

Isso envolve, necessariamente, cooperação regional e atuação interagências. Não há como combater crimes transacionais sem a cooperação que envolva a participação dos diversos países amazônicos, afinal, se já compartilhamos os problemas, devemos também compartilhar soluções. Nesse sentido, a inserção de temas de defesa e segurança na agenda da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca) parece ser uma interessante solução.

Da mesma forma, deve-se buscar um modelo de atuação interagências, envolvendo a ação conjunta das diversas agências de defesa, inteligência e segurança pública. Nesse contexto, não há mais espaço para pensar soluções isoladas. Afinal, se as ameaças são em redes, as soluções terão também de ser em redes.

ARTIGO1004

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