Mudar de atitude para mudar o País
Sugestões de estudo do Banco Mundial são tão óbvias que deveríamos nos sentir na obrigação de tentar explicar por que ainda não fizemos nada disso
Por Jorge J. Okubaro, O Estado de S.Paulo, 05/12/2023
Deixar para trás um passado intenso marcado por baixo crescimento, aprofundamento das imensas desigualdades sociais e degradação ambiental, e, em menos de 20 anos, fazer do Brasil um país caracterizado por produtividade, inclusão social e sustentabilidade e um dos líderes do planeta? Parece sonho, mas é possível. Ao menos é o que mostra O Brasil do futuro – Rumo à produtividade, inclusão e sustentabilidade, estudo divulgado há pouco pelo Banco Mundial.
Obviamente, os obstáculos e os desafios para alcançar essa mudança nesse prazo são muitos e de variados graus de dificuldade. Mudanças nas políticas públicas são essenciais, como está claro há muito tempo e foi destacado pelo economista sênior do Banco Mundial Cornelius Fleischhaker, um dos autores do estudo. Mas, como advertiu Fleischhaker em entrevista ao Estadão, “você não pode esperar um resultado diferente sem mudar o comportamento”.
Eis aí outra obviedade que precisa ser repetida, sobretudo nestes tempos que parecem de conformismo com a realidade que quase nos paralisa. Se não houver um compromisso de pessoas sensatas – governantes, políticos, estudiosos, empresários, trabalhadores, a sociedade em geral – em favor de mudanças essenciais para modernizar o País e dar-lhe condições de crescimento rápido, inclusivo e sustentável, continuaremos parados no tempo e perdendo posições entre as nações avançadas.
Só para lembrar, o Brasil perdeu cinco posições na mais recente classificação mundial de competitividade digital elaborada pelo IMD, renomada escola de administração suíça. O ranking mede a capacidade de cada país de utilizar tecnologias digitais e de se adaptar às mudanças que ocorrem no mundo. A lista considera três aspectos: conhecimento, tecnologia e preparação para o futuro. O estudo baseia-se em indicadores como gestão urbana, pesquisa e desenvolvimento, financiamento tecnológico e segurança cibernética. Entre 64 países pesquisados, o Brasil ocupa apenas a 57.ª posição, a mesma que tinha antes da pandemia.
É apenas o dado mais recente. Temos sido cobertos por informações como essa nos últimos anos, e as temos aceitado com passividade.
A pandemia explica parte dos problemas que temos enfrentado nos últimos anos. O fim do ciclo de alta no mercado externo de nossos principais produtos de exportação explica outra parte. Mas como nos justificarmos pela desídia no trato da educação dos jovens, pela tolerância com o aumento das injustiças sociais, pela passividade diante do aumento da violência, pelo silêncio com o aumento do desmatamento? Provavelmente Fleischhaker estivesse pensando em atitudes desse tipo ao falar da necessidade de mudança de comportamento diante do cenário quase desolador que temos à nossa frente.
Criado logo após o fim da Segunda Guerra junto com outras instituições internacionais, em geral com algum vínculo com a ONU, o Banco Mundial tem como finalidade apoiar o desenvolvimento dos países que dele fazem parte e combater a pobreza e as desigualdades sociais. No estudo sobre o Brasil, afirma que “há uma janela de oportunidade para reformas que moldarão o desenvolvimento nas próximas décadas”. Ações prudentes hoje podem gerar oportunidades para uma sociedade melhor nos próximos 20 anos.
Áreas essenciais são apontadas no estudo para o Brasil alcançar um futuro melhor nos próximos anos.
É preciso aumentar a produtividade do setor privado para que o crescimento seja não apenas estimulado e acelerado, mas para que ele ocorra de forma ambientalmente sustentável.
A indispensável e urgente recuperação da qualidade do sistema educacional tem não apenas o impacto de reduzir as desigualdades sociais e de renda que tanto enodoam nossa sociedade, mas também o de preparar a mão de obra qualificada que as novas formas de desenvolvimento exigem.
A notável e rápida mudança da estrutura demográfica impõe novos desafios no campo da assistência, saúde e previdência social e, ao mesmo tempo, ao reduzir demandas por investimentos em novas escolas, pode criar condições para a destinação de mais recursos ao aprimoramento e à melhora de qualidade do sistema de ensino.
No campo das finanças públicas, os problemas, bem como suas soluções, já foram intensamente discutidos nos últimos anos. A necessidade de mudança estrutural da política fiscal, para reduzir despesas obrigatórias e abrir mais espaço para a execução de políticas públicas; a reforma tributária que simplifique e dê mais racionalidade ao sistema de impostos e contribuições (neste campo, pelo menos, o País avançou neste ano); e a recuperação e a expansão da infraestrutura como suporte indispensável para uma economia moderna e com novo padrão de crescimento são pontos apontados no estudo.
Não há o que discordar dessas sugestões. Tão óbvias elas são que deveríamos nos sentir na obrigação de tentar explicar por que ainda não fizemos nada disso.
ARTIGO1017