PAPER 161: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “Crédito ‘podre’ X Estatais ‘quebradas’, e troco para educação.”
“Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.”
Nelson Rodrigues
O noticiário televisivo já havia anunciado, e o Estadão de 27/03/2024 p.B11, em reportagem, confirmou “Fazenda propõe aliviar dívida de Estado que investir em ensino técnico”.
Outra pérola do Ministro da Fazenda, na mesma reportagem: “… juros por Educação não terá impacto fiscal à União.”
Há 30 anos, o então prefeito de Nova York, aflito com a situação fiscal de sua gestão, em audiência concedida deu conhecimento do fato ao Presidente da República dos EUA que, sonoramente, informou-lhe “o problema é seu”. Ou seja, em poucos minutos o assunto foi resolvido. O prefeito se levantou, saiu em busca de soluções próprias.
Nós, pobres mortais aqui da planície brasileira, mirando a montanha – Brasília – tivemos de assistir a esdrúxula atitude dos governadores de alguns Estados Federados economicamente mais fortes declarar que não podem pagar suas dívidas de R$ 790 bi.
Essa atitude mostrou ao povo, detentor final do Poder, que tais governadores, recém-empossados e quase todos reeleitos em 2022, nas campanhas eleitorais não poderiam ter ignorado a situação fiscal que iriam administrar: é aventura, ou má fé.
O Ministro da Fazenda, ao invés de proceder como o Presidente dos EUA, sugeriu 60 dias de negociação e ainda contribuiu com o “arranjo”, admitindo receber empresas estatais “quebradas” como ativos em desconto dos créditos “podres”, além de envolver a surrada Educação nas pseudo negociações.
O que fica evidente é que com a postura de tais governantes, sejam os federais sejam os estaduais, não está no seu horizonte perceptível, o propósito do Desenvolvimento Econômico do Brasil.
É o caso de se perguntar: esses governantes não sabem o que é uma Federação de Estados Federados? Os governadores são os líderes daquela comunidade estadual regional, não delegados do governo da União; o Federalismo lhes assegura autonomia política e independência administrativa. E se institucionalmente não o for, é deles a luta por tal conquista, em favor da democracia e da eficácia e da eficiência do Estado.
Desconsiderar a Federação se explica por terem, esses mesmos governadores, que nem deveriam ter aceitado a discussão da PEC45, apoiado a sua aprovação pelo Congresso Nacional, promovendo uma estrutura tributária que eliminou a Cláusula Pétrea constitucional transformando a Estrutura administrativa do Brasil num Estado Unitário; “abriram mão” da receita tributária própria do ICMS para agora pleitear socorro da União, endividados em R$ 790 bilhões, que coincide com o valor de investimentos necessários para cumprir a meta do chamado Marco Legal do Saneamento (o Congresso Nacional aprovou a meta de atendimento universal do Saneamento sem indicar e/ou prover os recursos).
O processo das finanças públicas brasileiras que temos é o denominado “ciranda fiscal”, qual seja o prefeito se socorre dos governadores e do presidente, os governadores se socorrem do presidente, este se socorre da emissão de Títulos Públicos (adquiridos pelo público até o limite a partir do qual restará a emissão de papel moeda, procedimento muito conhecido do brasileiro, o que viabilizou a construção de Brasília em 4 anos).
Não é nenhuma novidade; o Conselho Brasil-Nação tem alertado, desde sua fundação em 1990 e também desde outubro/2017 em seus PAPERs, em especial os PAPERs 47 – 48 – 51 – 52 – 70 que a “ciranda fiscal”, além de causar a desordem das finanças públicas, afeta decisivamente a qualidade da Democracia brasileira, evidenciando por ignorância ou por interesses próprios serem nocivas ao bem comum e ao interesse nacional.
Desdenham esses governantes de suas responsabilidades perante o País, previstas nas leis e na Constituição, visto que o pior está por vir, pois restam ainda 21 governadores e o Distrito Federal, bem como 5.570 municípios que por certo apresentarão as mesmas argumentações, inclusive a de que as causas dessa situação ocorreram em gestões anteriores. Ou seja, não há de quem cobrar, porém há quem irá pagar: o Sistema Produtivo com prejuízos e a população com desemprego, POBREZA, fome e atraso.
Mas não só governadores pretendem eximir-se de suas responsabilidades no contexto do Federalismo, também o governo federal demonstra a mesma falta de responsabilidade.
De fato, em 27/03/2024 p.A10, foi publicada reportagem sob o título “Governo vai decretar situação de emergência em hospitais federais”. São seis hospitais federais – além dos hospitais universitários das 69 Universidades públicas federais – instituições tipicamente locais, em que o prefeito da cidade do Rio de Janeiro é o mais bem avaliado ao pretender a reeleição.
A ministra da Saúde poderia defender e assim ter uma melhor solução, qual seja. entregar os hospitais para o município do Rio, autoridade pública mais próxima da gestão dos hospitais, ao invés de tentar medidas a partir da distante Brasília, administrando um orçamento de R$ 232,06 bilhões. A ministra propõe a decretação de “estado de calamidade pública nos hospitais hoje sob intervenção… …que há vários anos envolve loteamento de cargos entre partidos e denúncias de corrupção.”
Já em 2005 o governo federal havia decretado o que a ministra está pretendendo, tendo um mês depois o STF derrubado aquela intervenção.
O custo do Estado brasileiro é imensurável, pois não se trata de um caso isolado, é geral e está ocorrendo em todo o País – e não só na saúde visto que “No Brasil, a concentração das atribuições normativas na União limita o surgimento de experiências bem-sucedidas. Em destaque, desde a era Vargas, o direito administrativo relacionado à contratação de pessoas, bens e serviços possui regras gerais de caráter nacional, que só podem ser modificadas pela União. O mesmo ocorre com as normas que regulam o orçamento” – em decorrência das disfunções estruturais do Federalismo em prática no Brasil; 54% dos tributos destinam-se à União (onde se incluem os seis hospitais do Rio), 29% aos Estados Federados e 17% aos 5.570 municípios. É o caso de não se limitar a reformar a “árvore”, mas a “floresta”.
Já nos utilizamos anteriormente da metáfora da planície e da montanha; a principal virtude de um bom governante é saber OUVIR, assim como escolher os melhores auxiliares, é preciso descer da montanha (Brasília) e ouvir as idéias e sugestões propostas pelos que estão na planície, onde estão os problemas a resolver e as soluções mais apropriadas. Nesse sentido cabe também ao governante reformar para racionalizar a engenharia da estrutura administrativa do País para melhorar a qualidade no atendimento à população e para reduzir o custo do Estado.
O advogado e economista (PUC-Rio) André Senna Duarte, em 30/05/2019, teve divulgado, pelo jornal Valor, seu artigo “Crescimento econômico, democracia e federalismo”, do qual transcrevemos alguns trechos, já citados no PAPER 156 de 23/10/2023, que fortalecem nossa argumentação:
(…) “A descentralização torna os governos mais capazes de responder de forma eficiente às demandas da população. É natural que em um país como o Brasil haja diferenças de prioridades entre as regiões. A centralização dificulta o poder público de apresentar soluções adequadas para cada caso. Um bom exemplo é o estabelecimento em sede constitucional de gastos mínimos elevados e segregados para saúde e educação, em um país com enorme heterogeneidade demográfica por região.” (…)
(…) “Porém, simplesmente distribuir recursos para os Estados em troca de ajuste fiscal é estratégia falida. É fundamental que prerrogativas reservadas à União sejam repassadas aos Estados. Isto significa na prática que se um estado enfrenta dificuldades financeiras, este deveria ter autonomia orçamentária e liberdade para reduzir o quadro de pessoal, decidindo em quais casos a estabilidade do servidor é adequada.
O federalismo clássico aposta na capacidade das localidades de encontrarem soluções próprias aos seus desafios ao invés de esperar uma solução vinda do centro. Neste sentido, democracia e economia podem se beneficiar de um modelo mais descentralizado de país.”
Também contribui com nossa argumentação o artigo do professor e ex-reitor da UFRGS, e também cientista político, Francisco Ferraz, Estadão em 05/05/2018, já citados no PAPER 159 de 22/01/2024:
(…) “O fato é que muitas de nossas escolhas foram erradas e, quando não erradas, fracas; nossas decisões sempre evitam o custo político das ações; nossa percepção do tempo é singular: vivemos um presente fugaz, mas sem sacrifícios; para trás está o território das heranças malditas e para a frente, o futuro que certamente será glorioso, ainda que nada façamos para realizá-lo. No tempo presente nossa convicção mais profunda é de que o Estado sempre terá recursos para bancar a despesa pública; a tarefa do governo, então, é distribuir, não estimular a produção, e quando faltar aumenta-se a despesa e se compensa tirando a gordura dos que têm mais.”
Barack Obama deu três conselhos a uma turma de formandos de 2020 (na pandemia) nos EUA, e que nos servem:
(…) “Primeiro, não tenha medo. A América já passou por tempos difíceis antes — escravidão, guerra civil, fome, doenças, a Grande Depressão e o 11 de setembro. E todas as vezes nós saímos mais fortes, normalmente porque uma nova geração, pessoas jovens como vocês, aprenderam com erros do passado e descobriram como deixar as coisas melhores.
Segundo, faça o que você acha que é certo. Fazer o que parece bom, o que é conveniente, o que é fácil — é assim que crianças pensam. Infelizmente, muitos adultos, incluindo alguns com títulos e trabalhos importantes, ainda pensam dessa forma — por isso as coisas estão como estão. Eu espero que, em vez disso, você se fortaleça com valores que duram, como a honestidade, o trabalho duro, responsabilidade, justiça, generosidade, respeito. Você não vai acertar todas as vezes, você vai errar, como todo mundo erra. Mas, se você ouvir a verdade que está dentro de você, mesmo quando for difícil, mesmo quando for inconveniente, as pessoas vão reparar. Elas vão gravitar em sua direção. E você será parte da solução em vez de parte do problema.
E, finalmente, construa uma comunidade. Ninguém faz coisas grandes sozinho. Agora, com as pessoas assustadas, é fácil ser cínico e pensar somente em si mesmo, ou em pessoas da sua família, ou que pareçam e rezem como você. Mas, se nós vamos passar por esses templos complicados; se vamos criar um mundo onde todos terão a mesma oportunidade de trabalhar e pagar uma faculdade; se nós vamos salvar o meio ambiente e lutar contra futuras pandemias, então teremos de fazer isso juntos. Então fique ciente dos problemas dos outros. Lute pelos direitos das pessoas. Deixe para trás todos os pensamentos que nos dividem — sexismo, preconceito racial, status, ganância — e coloque o mundo em uma direção diferente.” (…)
CONCLUSÃO
A ministra da Saúde Nísia Trindade, assim como os governadores (e outros que poderão se apresentar ainda e/ou prefeitos) não têm culpa de estar errados, porque estão limitados às condições do atual Sistema (a montanha). Inseridos no Sistema não conseguem ou não podem enxergar, senão naquela ótica. É preciso ouvir quem esteja fora do Sistema (planície) com disposição e em condições de conhecimento, experiência, isenção e comprometimento com o Desenvolvimento Econômico do Brasil.
O PAPER 160 de 19/02/2024 tratou do ocorrido na cidade gaúcha denominada Nova Roma do Sul, em que uma ponte arrastada por enchentes deixou a cidade ilhada, para o transporte de passageiros e cargas. Acionados, os governos federal e estadual deram a solução de construir outra ponte em até dezembro/25, e ao custo de R$ 25 milhões; a comunidade municipal se mobilizou e reconstruiu a ponte igual à que já existia em 30 dias em janeiro de 2024, ao custo de recursos dos munícipes de R$ 6 milhões.
A comunidade local, na prática, procedeu como se estivesse governada por outro Sistema, mais eficaz e eficiente, o FEDERALISMO descentralizado, pelo qual as incumbências por Saúde primária e secundária, Educação básica e profissionalizante, Segurança pública, meio ambiente, habitação popular, gestão da produção agropecuária, assistência social, são da responsabilidade do Município; o provimento de Energia, residencial e/ou industrial, Ensino Superior, Ciência e tecnologia, providências para Logística de transporte de passageiros e cargas, responsabilidade dos Estados Federados; e, finalmente, as responsabilidades da União limitar-se-ão à Fazenda (incluso Banco Central), Justiça, Defesa e Comércio Exterior e Diplomacia.
Assim se expressou Franco Montoro, ex-governador de São Paulo e professor de Direito Constitucional (ver PAPER 160):
“A descentralização deve ser a base dessas reformas. Que a União não faça o que os Estados federados podem fazer melhor, que estes não façam o que os municípios podem fazer melhor e que nenhum deles faça o que o cidadão e a sociedade podem fazer melhor. Com essa distribuição de funções, o Estado brasileiro tornar-se-á enxuto e forte para ser, nesse processo, mais um juiz e menos parte.”
Estas são parte das Reformas tão aventadas que político algum se propõe a formulá-las (“Ninguém irá serrar o galho no qual está sentado.”); a possiblidade reside num movimento social se a população se indignar com a situação de um País rico, no qual vive um povo pobre e atrasado.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando ao desenvolvimento econômico, político, cultural e social para tornar o Brasil a melhor nação do mundo para se viver bem.
NOTA1: Respondendo ao questionamento “posso encaminhar ou recomendar PAPERs e PropostA”? SIM, inclusive nos enviando seus comentários.
NOTA2: A instituição e divulgação via PAPERs e Propostas tratam de temas de interesse público. Você tem retransmitido para seus contatos? É forma importante, eficaz e eficiente, de participação no conceito de Comunidade, para fazer o bem comum, no exercício da cidadania.
NOTA3: O texto PAPER se propõe a estudo de profundidade, referenciado em doutrinas e experiências históricas, não em “achismo”, razão de não ser obrigatoriamente sintético, destinado a inteligentes e decididos por ações transformadoras da realidade brasileira.
Para acessar documentos o procedimento é o seguinte: primeiro, acessar o Blog www.conselhobrasilnacao.org; segundo, após o que, das três possibilidades acesse o campo Artigo, digitando o nome completo do artigo de seu interesse; terceiro, caso você queira acessar qualquer paper basta digitar PAPER ( sem aspas, espaço), seguido do número dele; quarto, caso você queira acessar manifestos é suficiente digitar MANIFESTO seguido do número dele (de 1 a 5), ou também você pode ainda acessar o Anteprojeto de Constituição Brasil-Nação do Conselho Brasil-Nação, apresentado ao Congresso Nacional em 1993 (Revisão Constitucional), mencionado em diversos PAPERs.
Personalidades autoras de artigos e citações neste PAPER:
– André Franco Montoro , advogado(USP) , professor de Direito Constitucional, deputado federal, senador, ex-governador do Estado de São Paulo
– André Senna Duarte, advogado e economista (PUC-Rio)
– Barack Obama, advogado (Harvard), político, ex-presidente dos Estados Unidos
– Francisco Ferraz, advogado ( UFRGS/Univ PRINCETON ) professor, cientista político, ex-Reitor da UFRGS
– Nisia Trindade Lima, cientista social, socióloga, pesquisadora e professora, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, atual ministra da Saúde