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Firmeza sem arbítrio

Eleita presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia iniciará seu mandato em junho com o desafio de reencontrar o equilíbrio perdido na defesa da democracia e do processo eleitoral

Por Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, 13/05/2024

Eleita na terça-feira passada como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os próximos dois anos, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia precisará cumprir uma missão ainda mais relevante e decisiva do que a de dirigir as eleições municipais e preparar o ambiente para a disputa presidencial de 2026. Além dos objetivos constitucionais atribuídos à Corte, já nada triviais, espera-se da ministra uma necessária correção de rota no padrão adotado pelo ministro Alexandre de Moraes, o atual presidente, cujo mandato encerra em junho. É inquestionável que Moraes, assim como seus colegas no TSE e no STF, foi determinante para resguardar a democracia perante o golpismo bolsonarista. Mas não é de hoje que o ministro manifesta uma compreensão expandida de suas competências, com a obsequiosa cumplicidade de seus pares. A consequência é a percepção crescente de que a excepcionalidade do desafio original de proteger a democracia vem servindo de justificativa para o arbítrio.

Ao combinar reputação inquestionável de defesa democrática com moderação e discrição no exercício de suas funções – conjugação saudável que pode livrar a instituição que presidirá do ativismo judicial e político indesejado –, Cármen Lúcia pode ser o nome certo para refazer um equilíbrio há muito perdido. Em outras palavras, promover o devido freio em práticas arbitrárias que têm inspirado a acusação de que Alexandre de Moraes vem instaurando uma espécie de “ditadura judicial”. É possível fazer isso seguindo o que sabidamente tem preocupado a ministra: a defesa das instituições e da confiabilidade do processo eleitoral, o combate firme à disseminação deliberada de notícias falsas e de ataques à democracia e a preservação de um marco jurídico adequado para o mundo digital no contexto das eleições.

Para que essas legítimas preocupações resultem em ações efetivas, mais do que nunca as instituições de Justiça precisarão recuperar a confiança da sociedade. Isso significa achar o equilíbrio certo na dose do remédio que prescreve para defender a democracia dos excessos extremistas e golpistas.

Não há dúvidas de que o Brasil precisa reconfigurar limites e responsabilidades das plataformas digitais, preservando um ambiente virtual que respeite as liberdades e os direitos de todos os cidadãos. Há um cenário de desequilíbrio, no qual as plataformas desfrutam de muitos direitos, mas têm pouquíssimos deveres. Como afirmou Cármen Lúcia, “a liberdade não é só do dono da plataforma, de quem veicula”. Por outro lado, como a ministra também reconhece, há algum tempo a liberdade de expressão “vem sendo capturada por aqueles que fazem o mal”. Modular essa responsabilização das plataformas e da captura das liberdades nas redes sociais é tarefa do Poder Legislativo, com eventual validação de sua constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Ir além disso, sobretudo no contexto eleitoral, é querer tutelar em demasia as preferências de eleitores e usuários das plataformas digitais.

Eis por que é necessário dizer o óbvio: o TSE não pode atuar como uma espécie de bedel de preferências e práticas dos eleitores, tampouco como censor de redes sociais. Há uma linha muito tênue, que exige marcadores mais precisos do que os que temos hoje, separando o que é exercício da liberdade de expressão e opinião daquilo que possa ser configurado como crime. E não há marcador melhor do que o previsto no Código Penal. Diferentemente do que sugerem as extravagâncias judiciais recentes, aí não se incluem alguns dos delírios de extremistas ou críticas políticas mais ruidosas difundidas nas redes. É hora de conclamar a sociedade a superar a desconfiança sobre os discursos políticos, inclusive dos mais radicais, e ter maturidade para aceitá-los mesmo quando se sente confrontada.

Convém valer uma máxima proferida pela própria Cármen Lúcia, ao votar no STF, em 2015, autorizando a publicação de biografias não autorizadas: “O ‘cala a boca já morreu’”, disse ela, para ilustrar a importância de não se calar a liberdade de expressão numa democracia. A preservação desse princípio democrático mais elementar é tão imperativa quanto o respeito da instituição a que cabe salvaguardá-lo. Que em seu mandato Cármen Lúcia não ignore tais lições.

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