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Ao eleger sucessora, López Obrador consolida domínio político no México

Além de levar ao poder a primeira mulher presidente do país, partido Morena deve obter maioria na Câmara e garantir caminho para controvertida reforma constitucional

Por Jéssica Petrovna, O Estado de S. Paulo, 04/06/2024

A histórica eleição que consagrou, no domingo, Claudia Sheinbaum como a primeira mulher presidente do México foi também a consolidação do domínio de Andrés Manuel López Obrador e seu projeto político no país. Herdeira do seu legado, ela foi eleita com aproximadamente 60% dos votos, com quase 30 pontos de vantagem sobre a segunda colocada, Xóchitl Gálvez, e caminha para ter maioria qualificada na Câmara, como apontavam os resultados preliminares ontem.

Se os números na Câmara confirmarem a maioria qualificada, o partido governista Morena terá o caminho pavimentado para sua almejada e controvertida mudança na Constituição. A presidente eleita já se comprometeu a levar adiante a reforma. Proposta por López Obrador, ela prevê, entre outros, a eliminação dos deputados e senadores proporcionais, eleitos em um sistema de listas regionais; eleição para juízes da Suprema Corte; e mudanças no Instituto Nacional Eleitoral.

Segundo López Obrador, a eleição foi pautada pela “Quarta Transformação”, como ele batizou seu projeto político em referência a três momentoschave na história mexicana: a Guerra da Independência; a Reforma, que separou a Igreja do Estado; e a Revolução, que encerrou 30 anos de ditadura. “Quero agradecer aos milhões de mexicanos que votaram para avançar com a Quarta Transformação”, disse Sheinbaum, em seu discurso de vitória, na madrugada de ontem.

“É uma vitória para Claudia, para o partido Morena, mas também é uma vitória importante para López Obrador”, afirma o analista Jean François Prud’Homme, especialista no sistema eleitoral mexicano.

AMLO, como também é conhecido López Obrador, deixa a presidência com aprovação na casa dos 60%, impulsionada pelo aumento do salário mínimo e dos benefícios sociais. Uma pesquisa divulgada no mês passado pelo jornal El Financiero mostrou que 57% dos mexicanos apoiam os programas sociais, o dobro dos 28% que desaprovam.

Em todas as outras áreas analisadas, contudo, a avaliação negativa do governo superou a positiva. Foi esse o caso da economia (42% a 38%), do combate à corrupção (54% a 29%) e, de forma ainda mais evidente, da segurança pública (64% a 23%).

 

“À exceção do aspecto social, as políticas do governo são mal avaliadas, mas López Obrador mantém um nível alto de aprovação. Então, essa é uma vitória para Obrador porque a eleição também foi um plebiscito sobre ele”, observa Prud’Homme.

Se os resultados mostram, por um lado, a força do presidente e do Morena no sistema político mexicano, por outro, expõem as fragilidades da oposição. “Essa tendência que está se acentuando no México coloca partidos como o Partido Revolução Institucional (PRI), o Partido Ação Nacional (PAN) e o Partido Revolução Democrática (PRD) em uma posição muito complicada. Podemos estar vendo uma reconfiguração do sistema de partidos com uma sigla dominante, que seria o Morena”, afirma Prud’Homme.

DESAFIOS. O perigo, segundo ele, é reproduzir o sistema que vigorou no México até os anos 2000, quando teve início a alternância de poder após sete décadas de hegemonia de um único partido, na época, o PRI. “Somos democratas e, por convicção, nunca faríamos um governo de repressão”, disse Sheinbaum em seu primeiro discurso.

Quando tomar posse, em 1.º de outubro, Claudia Sheinbaum, uma cientista de 61 anos de origem judia, terá uma série de desafios pela frente. O primeiro deles será o combate à violência dos cartéis de drogas, que marcou a eleição: foram pelo menos 34 candidatos assassinados durante o processo eleitoral, segundo levantamento do centro de estudos mexicano Laboratório Eleitoral.

Mas há ainda desafios de política externa e interna. “Um grande desafio será as relações internacionais. O atual presidente parece ter fechado as portas, praticamente não viajou. Ela terá de restabelecer relações”, afirma Bernardino Esparza Martínez, da Faculdade de Direito da Universidade La Salle.

O presidente americano, Joe Biden, parabenizou Sheinbaum “por sua eleição histórica como a primeira mulher presidente do México”, e disse que espera trabalhar com ela em um espírito de parceria e amizade, segundo um comunicado da Casa Branca.

A União Europeia e uma gama de líderes que inclui o presidente russo, Vladimir Putin, e o ucraniano, Volodmir Zelenski, parabenizaram sua eleição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também celebrou (mais informações nesta página).

Do ponto de vista da política interna, Sheinbaum, muito próxima de López Obrador desde que se lançou na política, terá de encontrar a distância certa para manter o apoio de AMLO e, ao mesmo tempo, conseguir deixar uma marca própria, saindo da sombra do padrinho político, que anunciou ontem que se aposentará após deixar o cargo.

Também será colocada à prova sua capacidade de manter a união do Morena, partido de apenas dez anos e muito centrado na figura de López Obrador, o primeiro presidente de esquerda do México.

“O Morena é um partido jovem. Se observarmos seus dirigentes e principais personagens, aqueles que disputam as eleições, eles vieram de outros partidos”, observa Martínez. “Ela terá de fazer uma reconstrução desse partido porque muitos na base não estão de acordo com as decisões desses dirigentes.”

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