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Soluções ‘drenantes’ vão de jardins a parques lineares

Soluções baseadas na natureza (SbN) ganham espaço cada vez maior nas cidades e se tornam políticas públicas

Gonçalo Júnior, O Estado de S. Paulo, 08/06/2024

Diante da catástrofe ambiental, o que as cidades podem fazer para prevenir ou minimizar efeitos desse tipo de tragédia? Algumas respostas podem estar no próprio meio ambiente. São as soluções baseadas na natureza (SbN), projetos de bioengenharia que buscam enfrentar desafios socioambientais usando princípios e processos inspirados nos ecossistemas naturais.

São projetos como jardins de chuva, parques lineares e restauração de encostas, que mimetizam a natureza e ajudam a tornar cidades menos vulneráveis. Mas é preciso destacar o verbo “minimizar”. Essas soluções procuram deixar as cidades mais resilientes, mas não impedem os eventos climáticos extremos – que se tornarão mais frequentes e intensos com o aquecimento global. “As cidades foram ocupadas de maneira desordenada, sem respeito às bacias hidrográficas. As soluções baseadas na natureza podem atuar nesse cenário, mas a filosofia é trazer uma mudança de mentalidade para evitar que haja o problema”, diz Fábio Lofrano, professor de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP.

“Mesmo diante de condições meteorológicas amenas, as SbN seguem provendo múltiplos benefícios. O plantio de corredores verdes para reduzir impactos do calor extremo provê uma série de outros benefícios, seja para a biodiversidade, seja para o bem-estar e a saúde da população”, diz Henrique Evers, gerente de Desenvolvimento Urbano do instituto de pesquisa WRI Brasil.

Uma dessas soluções são os jardins de chuva ou sistemas de biorretenção. Como o próprio nome indica, são espaços instalados nas ruas para absorver parte das chuvas, diminuindo impactos dos grandes volumes. A água que costuma se acumular no asfalto – o escoamento superficial – permeia o solo e segue para uma rede de drenagem subterrânea. É como se fosse um reservatório para o excesso de água. Considerada uma tecnologia simples e de fácil manutenção, os jardins podem reduzir o volume de água quando implementados em grande número. Isso contribui para a redução das inundações.

Segundo o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS), plataforma virtual de mapeamento e divulgação de soluções urbanas inovadoras, os jardins podem absorver até 30% mais água pluvial do que um gramado. Além disso, a vegetação nativa no jardim, adequada para cada microclima, contribui para a filtragem das águas pluviais contaminadas e ajuda a entregar uma água mais limpa para os rios e córregos.

Esses jardins já fazem parte dos cenários urbanos. Só em São Paulo, há 337 estruturas desse tipo – a maioria na região central. Luiz Jamil Akel, assessor da Secretaria Adjunta das Subprefeituras, afirma que os jardins são construídos conforme o nível de risco de enchentes em cada região mapeada. “É uma política pública presente nas 32 subprefeituras.”

Pesquisadores alertam que os jardins de chuva, assim como outras soluções, são específicos para cada contexto e precisam estar integrados a outras medidas. “Soluções pontuais poderão, na melhor das hipóteses, resolver problemas pontuais”, diz Evers. “Não adianta ter apenas um jardim de chuva, mas precisamos começar com esse primeiro”, acrescenta a pesquisadora Maria Cristina Santana Pereira, doutora e mestra em Ciências, Engenheira Ambiental pela Escola Politécnica da USP.

PARQUES E CONDOMÍNIOS. Apontados por especialistas como “os melhores exemplos de SbN”, os parques lineares também já são comuns. Essas áreas são destacadas pelos pesquisadores, pois agregam a infraestrutura natural verde e azul (reservas naturais e sistemas de águas) à infraestrutura cinza (sistemas de drenagem convencionais) no mesmo espaço. É uma intervenção urbanística associada à rede hídrica.

O foco das soluções baseadas na natureza não é apenas a gestão pública, mas também a própria comunidade. Maria Cristina explica que sistemas de biorretenção têm escalas diferentes de implementação, para um lote, rua ou bairro, por exemplo. Isso significa que condomínios ou áreas privadas podem instalar o próprio jardim de chuva. “Isso vai compor uma malha na cidade, com a contribuição de cada célula de biorretenção. A expansão provoca mudança na paisagem e começamos a pensar numa estrutura verde”, diz.

Para a maioria dos municípios, as SbN ainda são um conceito novo, segundo Maria Cristina. Mas Evers destaca que o “modelo tem se disseminado com certa velocidade”.

Algumas cidades já tiraram os planos do papel: Campinas, no interior paulista, revisou seus planos ambientais e formalizou as soluções baseadas na natureza como parte central das políticas, ações e metas para o meio ambiente do município. A revisão foi instituída por decreto municipal em maio. Além de criar uma secretaria do Clima, as SbN foram incluídas de forma transversal na revisão integrada de três planos: do Verde, de Recursos Hídricos e de Educação Ambiental.

Outro município com programas consistentes é Niterói, na região metropolitana do Rio. A cidade também criou uma pasta específica que cuida da política de prevenção, adaptação e mitigação de danos relacionados às mudanças climáticas. As ações da pasta vão desde restaurar ecossistemas degradados, com a contenção das encostas, e criar áreas verdes urbanas à gestão sustentável da água e promoção da biodiversidade.

O projeto de maior relevância é o Parque Orla Piratininga (POP), que recebeu R$ 100 milhões para se tornar o maior do País em soluções baseadas na natureza, conforme a prefeitura. Com inauguração oficial prevista para o segundo semestre, o projeto envolve a criação de um parque linear na margem da Lagoa de Piratininga. No total, o POP tem 680 mil m², 8 píeres e 17 praças. No local, os jardins filtrantes, alagados construídos ou wetlands, retiram impurezas das águas pluviais e das três principais bacias hidrográficas que deságuam na lagoa. É outra solução baseada na natureza.

MORRO DO BUMBA. A priorização da questão ambiental ganhou impulso após a tragédia do Morro do Bumba, em 2010. Quarenta e oito pessoas morreram após um deslizamento de terra. “Desde 2013, estamos investindo na resiliência da cidade em relação às mudanças climáticas”, diz o prefeito Axel Grael (PDT), também vice-presidente da FNP (Frente Nacional de Prefeitos) e presidente da comissão de Cidades Atingidas e Sujeitas a Desastres (Casd).

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