Para especialistas, prevenir custa menos e salva vidas
O Estado de S. Paulo, 09/06/2024
Sem precedentes em termos de extensão territorial no Brasil, ainda é impossível aferir todo o impacto direto e indireto do desastre ambiental que afetou quase todos os municípios do Rio Grande do Sul. Mas há certeza de que investimentos em prevenção teriam reduzido a crise humanitária, econômica e social em curso, e que permanecerá por anos.
‘RECONSTRUÇÃO PREVENTIVA’. Por isso, especialistas têm destacado que não basta uma reconstrução tradicional. Mas, sim, uma “reconstrução preventiva”, pois as mudanças climáticas expõem cada vez mais que o Brasil também é propenso a eventos extremos, mesmo sem grandes terremotos, tsunamis e vulcões.
Como mostra levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 94% dos municípios foram afetados por desastres naturais ao menos uma vez entre 2013 e 2023, a maioria por secas e enchentes. Entre os principais setores prejudicados, estão agricultura, habitação, pecuária e obras de infraestrutura, mas os efeitos também se estendem a setores como saúde, educação e à geração de emprego e renda.
A situação se repete pelo mundo. Uma das principais referências em dados de desastres naturais, o Centre for Research on the Epidemiology of Disaster da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, catalogou 399 desastres de maior porte em 2023, com 86.473 mortes, 93,1 milhões de afetados e US$ 202,7 bilhões de impacto econômico direto. As enchentes foram a maioria, das quais a principal (na Itália) causou danos e prejuízos de US$ 9,8 bilhões.
Um levantamento de 2021 da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNDRR, na sigla em inglês) cita que cada US$ 1 voltado à redução e à prevenção de riscos pode poupar até US$ 15 na recuperação pós-desastre.
Nesse cenário, custos, danos e prejuízos no Rio Grande do Sul são bilionários. O governo gaúcho chegou a falar que o Estado precisará de um “Plano Marshall”, em referência à devastação causada pela 2.ª Guerra. Só em reconstrução de pontes e rodovias no Estado são estimados R$ 9,9 bilhões.
Em nota, a Secretaria da Reconstrução gaúcha diz que está mapeando os custos dos projetos de reconstrução e que não há valor total estimado. “Há uma série de frentes de apuração, inclusive relacionadas a situações em que ainda não houve recuo da água para permitir mensuração mais precisa”, diz. Até agora, a União destinou R$ 62,5 bilhões.
INVESTIMENTO. “O investimento reduz as perdas de grande maneira”, destaca Mariana Madruga de Brito, especialista em gestão de risco de desastres e pesquisadora do Centro Helmholtz para Pesquisas Ambientais, da Alemanha. Investir em prevenção não só evita danos maiores, mas tem impactos positivos adicionais, melhorando a qualidade de vida e gerando empregos. “Não é um gasto, é uma oportunidade”, diz. Para ela, ainda não há entendimento de parte do poder público em relação a esses ganhos, assim como há temor por não ter resultados sempre evidentes e, às vezes, envolver medidas impopulares. “Em geral, a gestão de risco não é prioridade. Às vezes, é até considerada como risco político.”
Referência em economia dos desastres e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Vinícius Halmenschlager pondera que é difícil mensurar quanto se gastaria em prevenção para evitar um impacto dessa proporção. “A despeito de não saber o valor, os custos dessa catástrofe deixam muito evidente que é necessária e que seria muito melhor uma política de prevenção do que arcar, agora, com impactos.”
Também especializado em economia de desastres e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Felipe Garcia diz que o Estado “precisa buscar o que há de melhor no mundo”, para não ficar estigmatizado como lugar vulnerável e inseguro para investir diante da crise climática. “Isso é essencial para o Rio Grande do Sul ter algum futuro”, salienta. Ele diz ser preciso mitigar a migração de pessoas e empresas e dar segurança para novos investimentos.
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