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Com penduricalhos, procurador de SP pode receber até R$ 115 mil por mês

Categoria tem direito a benefícios como licença-prêmio e o chamado abono permanência; essas vantagens elevam os rendimentos, que ultrapassam os o teto constitucional de R$ 44 mil.

Por Zeca Ferreira e Karina Ferreira, O Estado de S. Paulo, 18/07/2024

O governo de São Paulo pagou R$ 4,5 milhões em licença-prêmio e abono permanência para 113 procuradores do Estado de janeiro a maio deste ano, mostra levantamento do Estadão. Chamados de penduricalhos, esses benefícios são valores extras nos salários dos advogados públicos pois não estão sujeitos ao teto constitucional de R$ 44 mil, equivalente à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Procurada, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) afirmou, por meio de nota, que os procuradores do Estado não recebem nenhuma verba remuneratória acima do teto. “Eventuais valores recebidos acima desse limite decorrem majoritariamente de acréscimo de férias e 13º”, diz o texto (leia mais abaixo). Porém, os penduricalhos são pagos como verba indenizatória, o que os isenta tanto do limite constitucional como do Imposto de Renda.

No período analisado, 59 procuradores do Estado receberam abono permanência e indenizações de até R$ 62,7 mil cada um. Além disso, 44 receberam licença-prêmio de até R$ 44 mil, e dois receberam ambos os penduricalhos. Esses valores são adicionados à remuneração do servidor após o abatimento do teto. O maior salário líquido foi de R$ 115,7 mil, pago a um procurador nível V – o grau mais elevado da carreira – em março.

A licença-prêmio é o direito do servidor público de receber 90 dias de férias a cada cinco anos de serviço. No caso dos procuradores do Estado, esses dias de folga podem ser vendidos, resultando em um adicional em dinheiro. O abono permanência é um benefício pago aos servidores que já podem se aposentar, mas escolhem continuar trabalhando. As indenizações são pagas como ajuda de custo, adicional de transporte e auxílio-alimentação.

Nos primeiros cinco meses deste ano, 43% dos 781 procuradores em atividade receberam rendimentos líquidos acima do teto pelo menos uma vez. Embora o pagamento de férias e 13º salário tenha sido o principal responsável, mesmo sem esses benefícios, 69 procuradores registraram ganhos líquidos que variam entre R$ 44,6 mil e R$ 105,6 mil por mês. No total, de todos os procuradores em atividade no Estado, receberam R$ 119 milhões líquidos até maio. O salário inicial da carreira é de R$ 38.914,81 por mês.

O levantamento feito pelo Estadão utilizou o histórico de remuneração dos servidores ativos da PGE, disponível no Portal da Transparência do governo de São Paulo. Foram consideradas as remunerações líquidas dos procuradores nos cinco primeiros meses de 2024 (dados disponíveis até o momento).

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) criou um novo penduricalho que pode elevar consideravelmente os salários dos procuradores do Estado. Aprovado pela Assembleia Legislativa em maio, o projeto prevê o pagamento de uma “licença por excesso de trabalho”. O benefício permite que os procuradores tirem um dia de folga a cada três trabalhados, até o limite de sete dias de descanso no mês, ou recebam o valor correspondente em dinheiro.

Estimativa elaborada pelo partido Novo mostra que, se todos os procuradores do Estado em atividade pedirem mensalmente os sete dias de licença em dinheiro, o custo anual desses pagamentos pode chegar a R$ 101 milhões. Considerando essa projeção, se a licença por excesso de trabalho estivesse em vigor desde janeiro, o governo paulista teria pago R$ 46,6 milhões em penduricalhos, valor mais de dez vezes superior aos R$ 4,5 milhões já pagos até maio deste ano.

De acordo com o projeto, os procuradores do Estado podem solicitar licença ou reembolso caso trabalhem em finais de semana ou feriados para atender providências extrajudiciais ou judiciais, cubram colegas de férias ou licença, ou participem de grupos de trabalho, comitês, mutirões, programas de colaboração ou outras atividades públicas relevantes.

Após a aprovação, o Novo contestou o projeto no Supremo. O partido alega que o texto é inconstitucional porque não traz estimativa de impacto orçamentário. A sigla também avalia que a licença viola os princípios da moralidade e da eficiência na administração pública. Tarcísio enviou manifestação ao STF defendendo o novo penduricalho no fim de junho. Ele justificou que a licença foi criada para “estimular o desempenho de atribuições para além do que é ordinariamente exigido” dos procuradores. A ação é relatada pela ministra Cármen Lúcia.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai, afirma que práticas para aumentar ganhos são comuns no sistema de Justiça. Por um lado, há iniciativas legislativas, como a PEC do Quinquênio, para aumentar salários. Por outro, há ações no judiciário ou em instâncias administrativas para ampliar vantagens e benefícios. “A Justiça decide sobre os salários de seus próprios membros”, avalia.

“Também há um sistema de paridade entre procuradores e magistrados. Isso significa que qualquer aumento de remuneração concedido a um grupo deve ser estendido ao outro. Dessa forma, surgem várias medidas que aumentam os benefícios tanto para o Judiciário quanto para o Ministério Público. Essas decisões são quase internas, pois o Judiciário, ao concedê-las, também se beneficia”, explica Juliana.

Devido às altas remunerações, os procuradores do Estado são frequentemente apontados como o mais alto nível do funcionalismo paulista. Enquanto os demais servidores estaduais têm seus salários limitados à remuneração do governador – atualmente em R$ 34,5 mil –, os advogados públicos têm seus rendimentos equiparados ao salário de um ministro do Supremo. Eles também recebem outras vantagens e benefícios, o que faz com que seus salários ultrapassem o teto constitucional ocasionalmente.

Embora façam parte do Poder Executivo, os membros da PGE são considerados advogados públicos, desempenhando funções essenciais à Justiça. Com isso, eles obtiveram o direito de terem seus rendimentos equiparados às carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público. Até 2022, os procuradores do Estado tinham seus salários limitados ao subteto – isto é, a remuneração de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), equivalente a 90,25% do teto.

Entretanto, essa regra mudou em 2022, quando a procuradora-geral do Estado, Inês dos Santos Coimbra, aprovou um parecer da PGE igualando o salário dos procuradores ao dos ministros do STF. Na época, a Procuradoria justificou a medida citando que outros estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, já haviam adotado essa prática e que havia jurisprudência na Suprema Corte para respaldar a decisão.

Responsável pela representação judicial e consultoria jurídica do governo estadual, a PGE é análoga à Advocacia-Geral da União (AGU). Apesar de funções semelhantes, os procuradores estaduais e federais têm remunerações diferentes. O salário de um procurador estadual nível V é de R$ 44.088,05, enquanto o de um procurador federal classe S é de R$ 29.761,03. “A aparente diferença decorre do fato de no valor referente aos procuradores do Estado já estar incluída a verba honorária e no valor referente à AGU não”, afirmou a PGE em nota.

 

Nota da PGE na íntegra

Os Procuradores do Estado de São Paulo não recebem nenhuma verba remuneratória acima do teto, inclusive a título de verba honorária; eventuais valores recebidos acima desse limite decorrem majoritariamente de acréscimo de férias e 13º.

Os valores constantes do portal da transparência já incluem a verba honorária, paga dentro do teto remuneratório.

A aparente diferença decorre do fato de no valor referente aos Procuradores do Estado já estar incluída a verba honorária e no valor referente à AGU não.

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