Sobre as prisões de Lula e Temer
Prender para investigar ou prender para acalmar clamores populares de justiça representam dois dos mais graves erros que o Ministério Público vem cometendo nos processos da Lava Jato e insiste em repetir, com a cumplicidade de alguns juízes, como se viu na última prisão do ex-presidente Michel Temer – solto ontem, em obediência a habeas corpus.
Em todos os países existe um sentimento nacional de justiça que se manifesta em determinadas circunstâncias, como ocorre em relação à conduta dos dois ex-presidentes Lula da Silva e Michel Temer. Percebe-se claramente em grande parte das pessoas a ânsia de que sejam exemplarmente punidos.
Mas basta verificar o que ocorreu em relação a ambos para chegar à conclusão de que a prisão de Temer constitui fato extremamente grave e representou, mesmo, uma anomalia jurídica. Seu antecessor Lula foi alvo de inúmeras acusações e de pedidos de prisão. Mas, ainda que as pessoas fizessem passeatas nas ruas, berrando que deveria ser preso, isso não ocorreu nem mesmo após a sentença condenatória proferida pelo juiz Sergio Moro. Ele somente foi levado ao cárcere após decisão dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul que mantiveram a sentença de primeiro grau.
Enfim, no caso de Lula, cumpriu-se o que exige a legislação brasileira, ou seja, prisão após o devido processo legal e sentença proferida por juiz togado. Já em relação a Michel Temer ocorreu o contrário, porque os princípios constitucionais e legais foram violados: ele acabou preso sem que sequer houvesse uma sentença prévia. Pior, os fatos nos quais repousa a acusação ainda estão em fase de investigação, significando que ele foi preso para garantir a apuração das acusações que autorizariam a prisão.
Os filósofos sempre dizem que o Direito está condenado a errar eternamente, e isso é verdade. Neste caso estridente de Michel Temer, é importante repetir: como não existia prévia sentença, também não houve oportunidade de exercício da ampla defesa, princípio constitucional inscrito entre as cláusulas pétreas da Constituição federal do Brasil. Ele foi levado às grades porque o Ministério Público entendeu ser caso de prisão preventiva e o juiz, quem sabe pressionado pelo rancor da população, enviou-o para a cadeia.
Não se está, aqui, a defender que Michel Temer seja inocente ou culpado. Pesam sobre ele graves acusações e elas devem ser investigadas com a necessária profundidade, mas somente após o encerramento do inquérito, exercido o direito de ampla defesa, será o caso de o juiz proferir sentença condenatória ou não.
Antes disso, pelo que dispõem as legislações penal e processual penal do País, prisão preventiva como a ocorrida com Michel Temer põe em risco a ordem pública, porque foi decretada sem o devido cuidado jurídico e no fundamento temerário de que, estando livre, ele poderia impedir ou dificultar as investigações.
Os nossos Códigos Penal e Processual Penal dispõem que a prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, mas isso deve ocorrer num critério de razoabilidade. Acrescente-se que tribunais têm considerado ilegal a prisão preventiva na fase do inquérito policial e, por isso, se ocorre, acaba por configurar constrangimento ilegal e resulta na sua revogação. Tanto assim é que a nova redação do artigo 311 do Código de Processo Penal evidencia que ao juiz só é dado decretar de ofício a prisão preventiva quando no curso da ação penal, isto é, após o oferecimento de denúncia ou queixa-crime, sendo-lhe vedado decretá-la de ofício na fase investigativa.
Para a decretação da prisão preventiva são indispensáveis a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes de autoria, não bastando somente acusações que muitas vezes são proferidas por interesses pessoais, sem preocupação com a verdade.
Esses princípios processuais que todo juiz tem o dever de conhecer na ponta da língua foram ignorados na decretação da prisão preventiva de Michel Temer. Péssimo para o País, pelo mau exemplo, e péssimo para quem sofreu o constrangimento de ser levado às grades sem que fosse respeitado o princípio constitucional do devido processo legal, com prévia sentença judicial e exercício de ampla defesa.
A finalidade da norma penal não é outra a não ser garantir as condições vitais da sociedade. E assim é porque a inobservância de uma norma penal representa afronta à autoridade do poder público, razão pela qual é importante que o Ministério Público, por ser o fiscal da lei, apure e denuncie as violações.
Mas, nesta tarefa nobre outorgada pela Constituição federal ao Ministério Público, não se deve admitir o vazamento de informações para a imprensa de particularidades da matéria em apuração. Essas informações, quando vazadas, levam a população a fazer seu julgamento e isso representa para o acusado uma penalidade muito mais cruel do que aquela advinda do Judiciário. Sim, mais cruel, porque após o julgamento sempre apaixonado da população pode ocorrer a absolvição pelo Judiciário.
Nos processos da Lava Jato, em que ocorre o vazamento dessas informações, o acesso aos autos está restrito a delegados federais e promotores públicos federais. Esses inquéritos são elaborados com a finalidade de punir, mas serão encaminhados ao juiz, por isso é lamentável que vazem informações.
Os crimes que ganham destaque nos jornais, rádios e televisões muitas vezes comovem as pessoas e prestam-se a criar quase um clamor público. Se não há resposta suficiente do Estado, consolida-se um sentimento de abalo em relação às instituições, razão pela qual as informações vazadas apresentam sempre o risco de estimular esse inconformismo.
Princípios processuais que todo juiz tem de conhecer na ponta da língua foram ignorados
Fonte: O Estado de S. Paulo
Aloísio de Toledo César – Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Foi Secretário da Justiça do Estado de SP. E-Mail: Parana@gmail.com
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