PAPER 47: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Reforma Tributária ameaça a democracia brasileira – PEC 45/19 – Proposta Appy
Conselho Brasil-Nação, já no início de suas atividades em 1990, identificou a necessidade urgente de reformar nossa Constituição ao ouvir amplo espectro de lideranças de todos os setores, tema sobre o qual também o Dr. Almir Pazzianoto, jurista e ex-ministro, tem com frequência se manifestado: Estado altamente centralizado, não só as receitas tributarias, mas toda a estrutura institucional, inibindo as iniciativas dos cidadãos, das empresas e dos entes federativos subnacionais.
O poder central absorve 54% da receita tributária, enquanto que os poderes estaduais 29% (significando que em média cada um dos 27 entes recebem 1,08%) e os poderes locais ou municipais 17% (significando 0,0031% em média para cada um dos 5 570 entes), o que foi tratado em diversos ‘PAPER’s, em especial no “PAPER”20 em maio/2018 sob o ‘’Tema: nova Constituição com novo Pacto Federativo’’.
É uma das questões mais importantes visto que a Federação é Cláusula Pétrea na Constituição em vigor, portanto é Estado Federal e não Estado Unitário. A estrutura do Estado brasileiro mais se aproxima, em essência, de Estado Unitário, função da atual distribuição de receitas tributárias, assim como, “desde a era Vargas, o direito administrativo relacionado à contratação de pessoas, bens e serviços possui regras gerais de caráter nacional, que só podem ser modificadas pela União. O mesmo ocorre com as normas que regula o orçamento” (conforme argumenta o advogado e economista André Senna Duarte, na coluna “Palavras do Gestor”, Jornal Valor Econômico de 30/05/2019.
Já na Revisão Constitucional prevista para 1993 que não ocorreu, mesmo tratando-se de determinação da Constituinte de 1988 o que implicou inconstitucionalidade não questionada, Conselho Brasil-Nação visando retificar esse grave equívoco institucional de centralização que inibe o desenvolvimento do País e amarra os interesses do cidadão comum, das empresas e dos poderes subnacionais sob jugo das corporações personificadas em privilégios consolidadas por séculos.
Assim, em 1993, o Anteprojeto de Constituição Brasil-Nação proposto e não apreciado pelo Congresso Nacional, definiu novo Pacto Federativo para incumbir os poderes locais, os municípios, dos encargos que dizem respeito mais de perto ao cidadão, quais sejam educação básica e profissionalizante, saúde primaria e secundaria, meio ambiente, habitação popular, saneamento básico, etc. e os poderes regionais, os Estados Federados, do desenvolvimento material como construção e manutenção da infraestrutura logística de transportes, provimento de energia para consumo particular e industrial, pesquisa científica e tecnológica, ensino superior e saúde terciaria de alta complexidade. A União com os encargos de Relações Exteriores, moeda, Defesa e Justiça, e com o controle do cumprimento das competências constitucionais dos entes subnacionais.
Faz parte desse Pacto Federativo proposto, três condições essenciais ao eficaz funcionamento institucional e à eficiência de governança, quais sejam:
PRIMEIRO, cada ente federativo terá poderes para adotar e reformar seus impostos mediante votação de sua respectiva comunidade de eleitores;
SEGUNDO todos os entes federativos (União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios) só podem se endividar mediante consulta com votação direta dos eleitores da comunidade de cada um;
TERCEIRO, é vedado socorro financeiro (‘’fundo perdido’’) de um para outro ente federativo, como atualmente ocorre, pela pratica da ‘’ciranda fiscal”, qual seja o prefeito se socorre do governador e do presidente, o governador do presidente, e este da emissão de Títulos Públicos federais, até o limite a partir do qual forçosamente terá que emitir “papel moeda” que gerará inflação, para cumprir equilíbrio orçamentário formal. A ‘’ciranda fiscal é séria ameaça à estabilidade política e econômica, de que o País tem sido vítima.
A infração dessas três condições conduzirá a desequilíbrio orçamentário e à não austeridade fiscal, objeto de empoderamento dos eleitores da respectiva comunidade dos entes federativos para praticar o ‘’Recall” para os agentes responsáveis pela infração em qualquer cargo implicado, eletivos e concursados.
Assim escreve o jornalista e escritor no Jornal Estadão de 21/05/2019 pág. A2, em parte do artigo “Receita para a revolução”:
“O instrumento da revolução foi a transferência das mãos da minoria para as da maioria dos poderes de, a qualquer momento, eleger e deseleger os seus representantes, contratar e demitir os servidores do Estado, dar a palavra final sobre as leis sob as quais aceita viver“
“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.”
“Uma lista de assinaturas que cumpra os requisitos pactuados entre eles convoca uma nova votação naquele distrito para destituir ou manter o seu representante.“
“E em cada um desses círculos, o eleitor é rei. Ele escolhe o regime de governo do seu município, ele propõe leis aos seus coeleitores, ele aceita ou veta, por referendo, as leis “maiores” e “menores” dos seus legisladores.
A essência da humanidade não muda com isso. Continua-se a errar como sempre. Mas deixa de haver compromisso com o “erro”, que é o fundamento de todo privilégio. Tudo o mais, senão a definição desse modo de operar em seus contornos mínimos e essenciais, deixa de ser “pétreo” e “imexível”. Cada pessoa, instituição ou lei passa a estar sujeita a avaliação. Todo erro pode ser corrigido sem hora marcada e sem pedir licença aos não interessados.
Como é que se consegue implantar isso? Exigindo. O povo é rei. Consegue tudo o que realmente quer. O problema é que o brasileiro continua hesitando em deixar de querer a coisa errada.“
Transcrevemos a seguir texto publicado em 30/05/2019 pelo Valor Econômico do economista e advogado André Senna Duarte, mestre em economia pela PUC-Rio, sob o título “Crescimento econômico, democracia e federalismo”, que fortalece a argumentação do Conselho Brasil-Nação:
“No dia 27 de novembro de 1937, na extinta praia do Russel, onde hoje se encontra parte do aterro do Flamengo no Rio de Janeiro, a primeira de uma série de cerimônias públicas em celebração ao Estado Novo transcorreu.
Uma gigantesca bandeira brasileira foi estendida por trás de um altar a céu aberto. A cerimônia foi conduzida pelo arcebispo do DF. Três mil crianças com uniformes escolares cantaram sob a regência do maestro Villa-Lobos. Autoridades civis e militares cortejaram o presidente, Getúlio Vargas, juntamente com uma enorme multidão.
Após o discurso de Vargas, bandeiras nacionais em substituição às dos 20 Estados, DF e território do Acre foram hasteadas em preparação ao que seria o ponto culminante da celebração: jovens conduziram em fila as tradicionais bandeiras regionais para junto de uma pira, sendo as bandeiras incineradas individualmente.
Com a crise de 1929, diferentes nações buscaram concentrar os poderes na mão do Poder Executivo e, onde cabível, no governo central. Tal fenômeno ocorreu até mesmo nos EUA, com a criação de diversos programas federais. No entanto, se nos EUA a Suprema Corte e o Congresso estabeleceram limites que impediram a deformação do sistema, no Brasil de Vargas, sem sistema de freios e contrapesos, o federalismo instituído pela Constituição de 1891 foi queimado em praça pública.
Atualmente, com a maior crise econômica da nossa histórica em conjunto com o pífio desempenho da economia desde a redemocratização, cresce a busca por um novo caminho. Como a reconstrução do federalismo pode auxiliar no desenvolvimento do país? É possível responder a questão através de três argumentos: competição, inovação e eficiência.
Primeiramente, o federalismo promove a competição entre os governos subnacionais. Não havendo um governo central que forneça recursos e socorra os Estados em dificuldades, resta-lhes promoverem contas públicas saudáveis e um ambiente favorável de negócios.
O Estado ou município que decidir adotar linha contrária observará a migração de capital, de credores e de trabalhadores e, consequentemente, a perda de arrecadação e de qualidade do serviço público. Dentro de um sistema competitivo democrático, a migração de votos do incumbente para a oposição é a consequência natural.
No Brasil, como as normas e instituições são majoritariamente nacionais, os Estados têm dificuldade de competir. Além disso, como os recursos advêm em grande parte da União, os incentivos na adoção de práticas pró-mercado são limitados. Para a elite local, muitas vezes é melhor manter práticas populistas e ao mesmo tempo construir fortes laços de dependência com o governo federal. A dualidade sobre a reforma da Previdência pelos governadores do Nordeste é consequência destes incentivos.
A capacidade de promover inovação institucional é outro argumento favorável. Nos EUA, os governos subnacionais são laboratórios de inovação. A regulação de produtos e serviços, seguro desemprego, l eis de combate à discriminação e proteção ambiental começaram com experiências locais exitosas que se espalharam pelo país antes de serem adotadas pelo governo federal. A competição entre os governos subnacionais é potencializada pela liberdade em inovar.
No Brasil, a concentração das atribuições normativas na União limita o surgimento de experiências bem-sucedidas. Em destaque, desde a era Vargas, o direito administrativo relacionado à contratação de pessoas, bens e serviços possui regras gerais de caráter nacional, que só podem ser modificadas pela União. O mesmo ocorre com as normas que regulam o orçamento.
A crise dos governos subnacionais provocada sobretudo pelo crescimento das despesas com pessoal é agravada pela falta de alternativas para reversão da trajetória. Não é sem razão que, apesar de recém-eleitos, muitos governadores não promovem ajustes fiscais relevantes por conta própria.
A descentralização torna os governos mais capazes de responder de forma eficiente às demandas da população. É natural que em um país como o Brasil haja diferenças de prioridades entre as regiões. A centralização dificulta o poder público de apresentar soluções adequadas para cada caso. Um bom exemplo é o estabelecimento em sede constitucional de gastos mínimos elevados e segregados para saúde e educação, em um país com enorme heterogeneidade demográfica por região.
O governo Bolsonaro possui o mérito de trazer para a pauta de discussão nacional o federalismo. Porém, simplesmente distribuir recursos para os Estados em troca de ajuste fiscal é estratégia falida. É fundamental que prerrogativas reservadas à União sejam repassadas aos Estados. Isto significa na prática que se um estado enfrenta dificuldades financeiras, este deveria ter autonomia orçamentária e liberdade para reduzir o quadro de pessoal, decidindo em quais casos a estabilidade do servidor é adequada.
O federalismo clássico aposta na capacidade das localidades de encontrarem soluções próprias aos seus desafios ao invés de esperar uma solução vinda do centro. Neste sentido, democracia e economia podem se beneficiar de um modelo mais descentralizado de país.“
É meridianamente claro que eventual reforma tributária tem de ser necessariamente precedida da aprovação de novo Pacto Federativo, para delinear a futura estrutura institucional do Estado brasileiro, e deve ter em vista a redução da carga tributária. As propostas de que se falam atualmente no Governo Federal visam apenas racionalizar a cobrança dos tributos ao unificar todos em um único tributo federal, sem considerar a necessária melhoria da governança, e com o agravante de pretender absorver não os 54% atuais, mas 100% da receita tributária nacional, que conduzirá à eliminação da Federação (Cláusula Pétrea), o que é inconstitucional, e dará motivo para questionamento no STF.
E quais serão os critérios para distribuição dos recursos tributários, concentrados em Brasília, para próximo de 5600 entes federativos, cada um com suas peculiaridades, a partir de um único ponto (Brasília), sujeitos a corrupção, influência política, e muito mais? Será concentração de poder político e financeiro perniciosa e indesejável para a democracia, a cidadania e o bem comum. Afinal para onde vai “mais Brasil e menos Brasília?
A PEC 45/19 já aprovada a sua admissão pela Comissão de Constituição e Justiça na Câmara dos Deputados é uma das propostas. É oportuno alertar a sociedade da gravidade das consequências dessa proposta, caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional, vista a ameaça à Democracia, à cidadania e até às liberdades, pois se não nesse período governamental, estarão abertas as possibilidades de regime autoritário ou ditatorial no futuro, o que argumenta doutrinariamente o Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari da Faculdade de Direito da USP, a seguir transcrito de seu livro “Estado Federal”, contido também no ‘’PAPER’’44:
‘’A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado muito evidente através da História, não havendo exemplo de convivência de ambas. Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um Estado Unitário, com o governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com a ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Vargas e a Argentina de Perón. Federalismo e ditadura são incompatíveis.
A partir desse dado, quase todos os teóricos que trataram do federalismo concluíram que ele é garantia de democracia. Entre os mais modernos teóricos do Estado Federal há inúmeros defensores dessa conclusão, procurando demonstrar que vive uma correlação necessária entre federalismo e democracia, chegando à conclusão de que basta adotar a forma federativa de organização de Estado para que se estabeleça a garantia de que a sociedade será democrática. Essa é uma questão de grande relevância, sendo importante conhecer a linha de argumentação em que se apoia tal conclusão, para se poder avaliar o real alcance político do federalismo.’’
Os Estados Unidos da América vivem, há duzentos anos com a mesma Constituição. O que tornou isso possível? Sem dúvida alguma, isto se deve, em grande parte, ao federalismo, que tem permitido conciliar os interesses particularizados, existentes em cada Estado- membro, com os interesses comuns de todo o povo norte –americano. Assim, também os Estados Unidos nunca sofreram a humilhação e a tragédia de uma ditadura, e uma vez mais aparece a organização federativa como uma das causas mais relevantes.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil a melhor nação do mundo para se viver bem.