No Credit Suisse, o banqueiro que busca as fortunas e evita os riscos
Era 9 de janeiro de 1966 quando a seleção do Santos capitaneada por Pelé goleou por 7 a 1 o Stade d’Abidjan, time da Costa do Marfim – o primeiro jogo da excursão para África do time do litoral paulista. Tidjane Thiam era um menino de três anos e meio de idade, estreando na arquibancada do estádio da terra natal, mas narra esse episódio, 53 anos depois, com lucidez de véspera.
Presidente mundial do suíço Credit Suisse, Thiam falou ao Valor no escritório do banco, em São Paulo, em sua primeira vinda ao país pela instituição. Há uma semana, o banco anunciou a criação de um conselho no Brasil, presidido por Illan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central – uma das pessoas que veio encontrar. Além de fã de Pelé e aficionado por esportes (ele é membro do Comitê Olímpico Internacional), Thiam está centrado em sua missão no banco – já refutou rumores sobre disputar a presidência da Costa do Marfim e a cadeira principal do Fundo Monetário Internacional.
Até 2015, quando assumiu o banco centenário que parecia estagnado, Thiam tinha comandado seguradoras e consultorias. Sua missão era trazer uma visão mais pragmática de quem não tinha os vícios do mercado financeiro e traçar um plano de longo prazo para o Credit Suisse. Em três anos, conduziu uma ampla reestruturação que cortou US$ 4,5 bilhões em custos, assumiu US$ 7 bilhões em perdas e redefiniu linhas de negócio.
A reestruturação foi concluída no fim do ano passado e, este ano, o crescimento passou a ser o foco. O banco aposta principalmente na gestão de fortunas para perpetuar seu negócio. “O mundo está ficando mais rico. Fala-se em desaceleração, mas o fato é que desde 1945 o PIB global cresceu em quase todos os anos e isso significa que em algum lugar há riqueza sendo criada”, disse. Mais de um terço dos bilionários do mundo tem uma conta no Credit Suisse. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual era o diagnóstico do banco quando assumiu?
Tidjane Thiam: Tínhamos basicamente cinco desafios para lidar: uma base de capital relativamente baixa, entre as mais fracas dentre os bancos europeus; um crescimento baixo nos últimos cinco anos; custos altos comparado com a média do setor; carregávamos muito risco, especialmente de trading; e tínhamos um legado que precisava ser endereçado. O programa era simples mas desafiador para executar, já que tudo precisava ser feito ao mesmo tempo, em paralelo.
Valor: Por onde começou?
Thiam: Reforçamos a base de capital, com emissão de ações. Quando cheguei, tínhamos base de capital nível 1 de 10% e estamos em 12,5%. Uma empresa precisa crescer e captamos US$ 100 bilhões em novos recursos em três anos, um recorde na indústria, e superando concorrentes em grandes regiões como Ásia e América Latina. Nesse meio tempo, também conseguimos cortar os custos em US$ 4,5 bilhões e lidamos com nosso legado, pagando uma multa de US$ 2,5 bilhões aos Estados Unidos [referente à venda de títulos hipotecários de alto risco].
Após três anos de reestruturação, banco voltou à lucratividade, mas não empolgou investidores na bolsa
Valor: E os riscos?
Thiam: Reduzimos os riscos em 40% no período. No início de 2016, criamos uma unidade estratégica de reestruturação, onde colocamos todos os ativos indesejados. E era inacreditavelmente a maior divisão do banco. Ou seja, o que não queríamos era maior que o nosso negócio principal, que é o banco suíço criado em 1856. O banco suíço representava cerca de US$ 60 bilhões e o banco indesejado, cerca de US$ 75 bilhões em ativos. Tivemos basicamente que nos livrar desses ativos em três anos, o que custou US$ 7 bilhões ao balanço. As pessoas dizem que o banco teve três anos de perdas e isso é tecnicamente verdade, mas não no sentido de negócio. O banco sempre foi rentável, mas estava limpando o passado e se reestruturando. Retornamos à lucratividade em 2018 e estamos solidamente rentáveis em 2019. Se não tivéssemos reduzido os riscos de mercado em operação de trading, por exemplo, não teríamos registrado o lucro de US$ 735 milhões no primeiro trimestre ou quase US$ 1 bilhão no segundo trimestre.
Valor: Banqueiros eram recompensados por tomar risco; hoje o novo normal é evitálos?
Thiam: É interessante notar que nem todas as impressões públicas sobre o meu trabalho são positivas por isso. O modelo antigo de banco é: quanto mais risco eu tomo, mais dinheiro eu faço. Quando comecei a falar ‘vou te dar menos risco’, alguns entenderam ‘então você vai fazer menos dinheiro’. É uma questão sobre curto prazo e longo prazo, e eu trabalho pelo segundo. Ter algum risco é saudável, é necessário para ter uma economia de mercado funcionando, mas os interesses da equipe e dos investidores têm que estar alinhados, e no passado isso não aconteceu em algumas situações. Houve uma mudança em direção à contabilidade mais estável de longo prazo, o que não encoraja as pessoas a fazer o que é lucrativo no curto prazo e desconsiderar as consequências. Está funcionando, o balanço está mais forte, os clientes nos entregam mais dinheiro, é sinal de confiança.
Valor: A razão de essa melhora não estar refletida nas ações do banco é a visão de curto prazo?
Thiam: Há algumas questões. A primeira é sobre a limpeza do balanço e sempre uso uma analogia: se você estava dirigindo acima da velocidade na estrada e tomou uma multa, tem que pagar. Se pagou R$ 1 mil, estará R$ 1 mil mais pobre. Esse dinheiro se foi, não vai voltar. Então quando pagamos US$ 2,5 bilhões em multa em dinheiro ao Tesouro americano, isso reduzirá o valor da ação porque é um dinheiro que não temos mais. Além disso, levantamos capital vendendo novas ações e temos 60% mais ações do que tínhamos. É uma equação simples: dizem que o preço das ações está 40% abaixo de quando entrei, mas temos 60% mais ações, então criamos valor.
Frequentemente, fazer a coisa certa leva à redução no valor das ações no curto prazo. À medida que entregamos resultado, a ação vai se recuperar com o tempo.
Valor: Qual é o caminho de crescimento agora?
Thiam: Nossa análise estratégica é que precisávamos focar em nossa força histórica, que é a gestão de fortunas, e também ter forte capacidade em banco de investimento. Então um dos vetores de crescimento é a riqueza mundial. Fala-se sobre desaceleração de crescimento, mas a verdade é que desde 1945 o PIB mundial cresceu em quase todos os anos, então o mundo está ficando mais rico. Muito disso se deve aos emergentes, principalmente a China. Questões como tecnologia e educação permitem esse crescimento econômico e somos o banco das pessoas que geram esse crescimento. Cerca de 35% dos bilionários do mundo têm uma conta no Credit Suisse. Valor: A desaceleração econômica não limita a criação de fortunas?
Thiam: Hoje dois terços do nosso crescimento é com clientes existentes. Trabalhamos para clientes ricos que continuam ficando mais ricos a cada ano porque são empresários gerando negócios. Tipicamente o cliente que tem US$ 5 bilhões com a gente cresce 5% a 10% por ano. Isso é mais US$ 250 milhões que virão automaticamente para o banco. Em cima disso, tem as transações que fazemos para ajudá-los a aumentar seus negócios e ainda há os novos bilionários criados pela economia. Um terço do crescimento vem de novos clientes. Os dois se complementam, gosto desse equilíbrio, que nos permite crescer de maneira rentável.
Demanda de famílias ricas que estão na primeira geração é diferente daquelas que estão na sexta geração
Valor: Qual é a diferença do cliente potencial de países desenvolvidos e emergentes?
Thiam: São bem diferentes. Em países emergentes, a maior parte da riqueza, cerca de 67%, está nas mãos da primeira e da segunda geração de empresários. Ele fizeram o próprio dinheiro ou foram seus pais. Nos países desenvolvidos, estão entre a sexta e oitava geração. É o avô do avô do avô que constituiu patrimônio. E é um negócio completamente diferente servir um empresário que está na fase de acumulação, de criação de riqueza, porque eles querem ter capital em excesso para trabalhar, não querem ter o dinheiro no banco. Já quando você fala com a sexta geração de uma família rica, o assunto é preservação de riqueza.
Valor: Como esse perfil de gerações altera a demanda por produto e serviço do banco?
Thiam: Um grande tópico para nós é a próxima geração, ou seja, a transmissão de patrimônio. Frequentemente a diferença entre empresas que vão bem a longo prazo e as que não vão é como esse processo é administrado. Questões como que papel a família tem na administração do negócio ou como o patrimônio será transferido à próxima geração são coisas que lidamos com frequência e que são experiências muito válidas para jovens empresários. Criamos uma rede de relacionamentos da próxima geração, conectamos os filhos dos nossos clientes uns com os outros. Para o longo prazo, as novas gerações de famílias que são ricas há muito tempo estão muito ligadas à filantropia, investimentos responsáveis, ESG, como criar e administrar uma fundação.
Valor: Então filantropia não é o terror dos gestores de fortuna?
Thiam: Não, as pessoas ficam surpresas com quanta coisa fazemos nesse sentido. Quando encontro um cliente por uma hora, passamos 10 minutos falando sobre retorno dos investimentos e alocação, e o restante do tempo sobre filantropia.
Valor: E no caso dos emergentes?
Thiam: São empresários expandindo seu negócio, tem demanda forte de banco de investimento para levantar capital, para comprar concorrente, entrar em novo segmento ou país. Muitos empresários têm tem todo seu patrimônio na companhia que criaram e querem uma casa, um barco, então o banco ajuda a monetizar essa riqueza, emprestando capital contra esse patrimônio, por exemplo. Vemos países em que podemos fazer mais. O Brasil é um deles, o México, na Ásia podemos ter atuação maior na Índia, na Coreia do Sul.
Valor: Como o Brasil se insere na estratégia do banco?
Thiam: Estamos na fase de crescer nosso negócio no mundo e nesse contexto o Brasil é um mercado importante. É um país de empresários e queremos ser o banco dos empresários. Uma empresa cria emprego, gera riqueza. O potencial de longo prazo aqui é fenomenal, um dos maiores países do mundo, demografia jovem, tem capital humano.
Valor: O cenário econômico global demanda ajuste de estratégia?
Thiam: Há um número de questões guiadas por política que são fontes de incerteza, como a guerra comercial entre China e Estados Unidos e a discussão sobre o Brexit. Nossa abordagem é ter cautela, manter custo e risco baixos. Não acredito em uma recessão nos Estados Unidos, mas desaceleração. A queda de juros em vários mercados também demanda ajustes de estratégias e a nossa visão é que os juros ficarão baixos por muito tempo. O Brasil será uma das poucas grandes economias do mundo com juro real positivo. Isso vai tornar o país muito atrativo.
Fonte: Valor Econômico de São Paulo, por: Maria Luíza Filgueiras
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