PAPER 78: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “O que mais falta é lucidez”.
Com grande capacidade de síntese o professor Rogério L. Furquim Werneck em artigo (Estadão de 17/03/2020, página B7) cujo título é o tema deste “PAPER”, reproduz três parágrafos, parte do ensaio de 1939 de John Maynard Keynes sobre o custo britânico do esforço de guerra. Requer muita atenção para não se ser levado a admitir que tenha sido escrito agora, mas 80 anos antes dessa pandemia do coronavírus:
“Não é fácil, para uma democracia, se preparar para a guerra. Não é da nossa índole dar ouvidos a analistas e cassandras. Nosso forte é saber improvisar. Mas é hora de dar mais atenção ao que andam dizendo. Ninguém sabe quanto tempo isso vai durar. Na área militar, há convicção de que o mais seguro, por ora, é nos prepararmos para um longo enfrentamento. É inadmissível que, na área econômica do governo, continuem a se pautar por perspectiva distinta. O que nos falta, no front econômico, é lucidez e coragem. Não recursos materiais.
Coragem acabará surgindo se, da fadiga e do tumulto da guerra, as lideranças políticas conseguirem extrair a lucidez requerida para perceber o que está ocorrendo e conseguir explicar ao público o que se faz necessário. E aí propor um plano socialmente justo, que saiba fazer desse momento de tamanho sacrifício, não uma desculpa para adiar reformas que terão de ser feitas, mas uma oportunidade para ir além do que até agora conseguimos, na redução das desigualdades.
Mais lucidez, portanto, é o que mais precisamos. E isso não é fácil. Porque, como os muitos aspectos do problema econômico a enfrentar estão inter-relacionados, nada pode ser resolvido isoladamente. Cada uso dos recursos disponíveis se faz à custa de um uso alternativo. E, uma vez decidido quanto poderá ficar disponível para consumo civil, ainda restará a mais intrincada de todas as questões, que é determinar a forma mais sábia de distribuir o consumo.”
O que mais se teme no Brasil de hoje, no front econômico, é que, na tumultuada mobilização de recursos públicos que o combate à pandemia e a atenuação de seus desdobramentos socioeconômicos vêm exigindo, o País se perca nos excessos do imediatismo. E bote a perder suas possibilidades de enfrentar com sucesso os desafios com que terá de voltar a lidar, quando a covid-19 tiver ficado para trás.”
“Não retornaremos ao mundo que conhecíamos em janeiro de 2020 tão cedo — talvez esse mundo tenha desaparecido para sempre.” Adverte a pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics (EUA), Mônica de Bolle, Estadão de 22/04/2020, página B2.
“Temos muitas opções nesta crise… …Governos estão fazendo experimentos sociais incríveis, envolvendo trabalho online ou fornecendo renda básica universal. E isso vai mudar o mundo.” “… esta é uma crise política e não apenas de saúde. As grandes decisões são, na verdade, políticas.” Opina o filósofo israelense Yuval Harari, Estadão de 21/04/2020, página A3.
Após opiniões preocupantes de expressivos pensadores a imprensa, com frequência, vem alimentando a ilusória e insensata “hora de programar a retomada” (da economia que estava aí), em Notas & Informações do Estadão de 22/04/2020, página A3, apesar de não se conhecer a profundidade do estrago que ainda iremos constatar. Esta realidade foi confirmada na entrevista concedida nos EUA por Hussein Kalout, cientista político e um dos idealizadores da Brazil Conference, em Harvard USA, “Crise expôs a falta de liderança do Brasil”; cabe recordar que tal constatação está exposta em nossos “PAPER”s desde a fundação do Conselho Brasil-Nação, em 1990.
O famoso diplomata e reconhecido pensador Henry Kissinger elucida que “estamos passando por uma mudança de era, o desafio histórico para os líderes de hoje é administrar a crise e construir o futuro.” “Um fracasso nessa tarefa pode incendiar o mundo.” citado por Moisés Naím, coluna “Pequenos líderes”, Estadão, 21/04/2020, página A8.
“Essa é a maior crise que o mundo enfrentou desde a Segunda Guerra e também o desastre econômico mais grave desde a depressão da década de 30. O mundo chegou a esta situação em um momento em que há grandes divisões entre as grandes potências e em que o nível de incompetência nos escalões mais altos do governo é assustador.” “Não sabemos como será o futuro. Mas sabemos como devemos tentar moldá-lo. A pergunta é: será que conseguiremos? Tenho muito medo da resposta.”
É opinião de Martin Wolf, comentarista-chefe de economia do ‘Financial Times’, autor de um dos livros que melhores luzes trouxeram sobre a crise financeira de 2008, em extensa entrevista concedida ao Estadão em 22/03/2020, página B4; manifesta preocupação com o Brasil e outros emergentes, que terão dificuldade para aumentar os gastos para tentar reduzir os efeitos da recessão que está por vir, que deve durar dois anos (não três meses como estão supondo os brasileiros).
Somam-se às visões acima a do economista Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, que trabalhou para o FMI, FED, Banco Mundial, tendo sido Assessor Econômico do Presidente Clinton, e o único economista a prever a crise financeira de 2008, vindo agora com artigo intitulado “Uma depressão ainda maior?”, no Estadão de 27/03/2020, página B12.
Referindo-se aos EUA, “o choque da covid-19 na economia global foi mais rápido e mais severo que a Crise Financeira Global de 2008 e até mesmo que a Grande Depressão. Nos dois episódios anteriores, as Bolsas de Valores caíram 50% ou mais, os mercados de crédito congelaram, grandes falências se sucederam, as taxas de desemprego saltaram acima de 10% e o PIB se contraiu a uma taxa anualizada de 10% ou mais. Mas tudo isso levou cerca de três anos para acontecer. Na atual crise, resultados macroeconômicos e financeiros igualmente terríveis se materializaram em três semanas.”
“No início deste mês (março), foram necessários apenas 15 dias para o mercado de ações dos EUA despencar 20%; agora já caíram 35%, os mercados de crédito se paralisaram e os spreads de crédito subiram para os níveis de 2008.” É esperado que o PIB americano caia a uma taxa anualizada de 6% no primeiro trimestre e de 24% a 30% no segundo.
“Essa trindade de riscos – pandemias não contidas, arsenais de política econômica insuficientes e cisnes brancos geopolíticos – será o bastante para jogar a economia global em uma recessão persistente e produzir um colapso descontrolado do mercado financeiro. Depois do crash de 2008, uma resposta forte (ainda que demorada) afastou a economia global do abismo. Pode ser que não tenhamos tanta sorte desta vez.”
Note-se que as respeitáveis opiniões dos pensadores acima expostas são de caráter geral para todo o mundo. Não que desconheçam, apenas não pertence a seus âmbitos de estudos, o que ocorreu no Brasil desde maio/2014 até a chegada do coronavírus: a economia brasileira sujeitou-se aos efeitos de ações (malfeitos) do Poder Político conjugado com algumas das maiores empresas construtoras brasileiras, tratadas pela operação Lava Jato.
Por seis anos consecutivos a imprensa brasileira se ocupou do que era denunciado, investigado, julgado no âmbito da Lava Jato. Especialmente a imprensa televisiva, todas as noites, por quatro horas em programas alternados de emissoras, exibindo eventos relacionadas a essa operação, incluindo atos físicos de prisões, julgamentos televisionados pelos Tribunais, “fazendo a cabeça” da opinião pública, o que resultou em paralisia da economia, cujos índices mais visíveis foram 14 milhões de desempregados e “quebradeira” de empresas, tendo se chegado ao PIB negativo superior a 8% em 2015 e 2016.
Aquela crise econômica, causada pelo Poder Político, não mereceu os cuidados com desempregados e empresas falimentares, que somente agora estão ocorrendo: a título de elucidação, em 23/04/2020 o Estadão, página B10, divulgou a aprovação do Plano de Recuperação Judicial de parte do endividamento do grupo Odebrecht, sujeito ainda a ser homologado pelo juiz do processo. As demais empresas que tinham porte se submeteram a semelhante processo de Recuperação Judicial; as empresas médias e de pequeno porte, sem condições financeiras para custear tal processo se esfacelaram no brutal e frio procedimento da justiça comum, em meros procedimentos de cobranças judiciais. Esse processo causado pelo Poder Político, resultou em prejuízo da sociedade, do sistema produtivo, dos desempregados e de receitas tributárias, tendo provocado liquidações falimentares, cessação operacional, dispensa de empregados, custas trabalhistas, impedimento operacional das empresas devido às consequências comerciais/creditícias de ações judiciais promovidas pelos Bancos, por credores diversos, pelos “carimbos” da Serasa, SBPC, etc. Essa guerra ocorreu no Brasil; ninguém saiu em defesa de empresas, que eram empregadoras, geradoras de rendas e riquezas, e geradoras de receitas tributárias.
Era de se esperar que viessem a público, não para discordar das denúncias, operações, investigações e punições, mas para discordar do método equivocado de tratar uma questão de tamanho significado para a economia brasileira. Caberia, isto sim, ser dado ênfase à punição dos dirigentes, mas preservando a sobrevivência das empresas. Todos, pela omissão, trabalharam contra a economia brasileira.
Poderiam ter se espelhado no antecedente ocorrido nos EUA no enfrentamento de uma situação de fraudes contábeis procedidas pelas empresas Enron e Worldcom no ano de 2001; “o governo americano estancou o processo por meio de algumas rápidas prisões de executivos e aprovou pelo Congresso uma legislação severa, a lei Sarbanes-Oxley de 2002 para ser obedecida pelas auditorias. E ainda em 2008 o governo americano endividou-se ainda mais e estabeleceu juros zero, para amparar o seu sistema produtivo e evitar uma possível catástrofe a nível mundial. O tratamento foi eficaz e rápido. Nossa crise desde 2014 não teve ainda tratamento objetivo para sua superação.” (“PAPER”22 – 04/07/2018, “Tema: Custo das crises e seu significado!”). Não temos líderes estadistas para tanto, lamentavelmente. Foi um prejuízo irrecuperável para todos, que resultou num período de baixos índices de crescimento do PIB, situação agora agravada pela crise do coronavírus.
Uma expectativa alentadora para o Brasil, retomando a crise do coronavírus, foi exposta pelo jornalista e pesquisador do Brazil Institute no Woodrow Wilson Center nos EUA, Paulo Sotero, em artigo “Por um diálogo além da capacidade de Trump e Bolsonaro”, Estadão 21/04/2020, página A2:
“A Índia e o Brasil têm grandes indústrias de vacina” escreveu Donald G. MacNeil Jr., do New York Times, no qual afirma que epidemiologistas dos EUA, Índia, China, França e Reino Unido sabem que o desenvolvimento científico no Brasil nasceu do combate a epidemias e endemias, como escreveu Simon Schwartzman em “Um Espaço para a Ciência”, fundada por médicos pioneiros, como Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Carlos Chagas e Adolfo Lutz na virada do século passado.
“Vem do legado desses gigantes a boa tradição de nossa medicina sanitária, reconhecida mundo afora e que permitiu ao País, em tempos recentes, enfrentar com sucesso as epidemias de HIV-aids, Sars e zika.
Não é somente na ciência que o Brasil pode e deve agir em interesse próprio e da humanidade e contribuir para conter o flagelo da covid-19. Arthur Silverstein, um historiador da medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, sugeriu, na mesma reportagem do New York Times, que o governo americano assuma o controle e esterilize grandes cubas de fermentação de cervejarias e alambiques de produção de bebidas destiladas e os ponha a serviço da produção em grande escala de uma vacina segura, quando esta for descoberta. Eis aí um convite à Ambev e aos grandes fabricantes de cachaça para redirecionar parte de sua capacidade de produção para o bom combate à pandemia.
A cooperação brasileira pode ir além, se governantes como Trump e Bolsonaro deixarem de usar o flagelo para fazer demagogia com coisa séria e ouvirem o conselho de cientistas como a médica Luciana Borio. Nascida no Rio de Janeiro, Luciana Borio trabalhou na unidade de prevenção de pandemias criada no Conselho de Segurança da Casa Branca na administração do republicano George W. Bush, fortalecida pelo democrata Barack Obama e esvaziada em 2018, sabe-se lá por quê, por Trump. Formada pela Escola de Medicina da Universidade George Washington…”
Aqui chegamos à questão nevrálgica com a qual sempre nos deparamos no Brasil: em todos os campos das ciências, das artes, dos esportes, da literatura e das pesquisas e de conhecimentos em geral encontram-se talentos brasileiros que se destacam no cenário mundial, menos na POLÍTICA.
Política é a cabeça da sociedade, gostem ou não, é fato: “cabeça vazia, usina do diabo.” Enquanto não se resolver essa questão no Brasil haveremos de continuar “batendo cabeça” e “patinando” sem sair do lugar, quando não, retrocedendo: um sistema político do qual deva resultar os melhores para nos governar é decisivo como já mostramos no “PAPER”35, em 15/01/2019.
Não é a hora de empreendedores e governantes estarem perdendo tempo com divagações para retomada da economia, dessa economia que estava aí até janeiro/2020, mas da economia pós-coronavírus. Edificar um Estado eficaz e eficiente e outros conceitos de vida: a pandemia mudou o mundo, como vozes poderosas exaltam em todos os lugares por respeitáveis pensadores. O sistema político brasileiro atual não se mostra a nós que dará soluções à altura na administração desta crise pandêmica, que dirá na área econômica com Estado, institucional e constitucionalmente, sempre deficitário, em que empresas e produtos brasileiros não têm competitividade para vencermos nos mercados fortes, caminho que resta para solução da POBREZA, e de nossas deficiências fiscais sobejamente conhecidas. É hora de estarmos reunindo o melhor que temos nas áreas científicas e tecnológicas, exatas, as de saúde, as humanas, as filosóficas e políticas, em esforço conjunto com os operadores da economia (os empreendedores), focados no interesse nacional brasileiro, para construção do Estado de que precisamos: enxuto, financeiramente sólido, com custos reduzidos, voltado para liderar e apoiar os empreendedores, para ser um País forte, em que não pode faltar patriotismo e ambição de ser o melhor País do mundo para se viver bem.
Cabe considerar: nada a ver com defesa ou preferência por regime político; cada povo deve viver conforme suas concepções, porém sempre há o que se pode observar, sempre que possível aprender.
Por exemplo no livro “O que China pensa?”, editado pela LAROUSSE, 2007, de autoria de Max Leonard, um executivo que foi diretor do Conselho Europeu de Relações Internacionais, o primeiro time pan-europeu de pensadores com sede em Berlim, Londres, Paris, Roma, Sófia e Varsóvia. Trabalhou na Europa, EUA e em Pequim, na CASS – Academia Chinesa de Ciências Sociais, com publicações na The Economist, The Guardian, The Financial Times, The Spector, The Sun, The Wall Street Journal. Nesse livro há uma citação: “A CASS é um dos 50 centros de pesquisa, cada um com cerca de 4 mil pesquisadores em tempo integral, ou seja, 200 mil pesquisadores.” “Toda a comunidade britânica de especialistas não passa de centenas de membros; a Europa está nos mil; nem mesmo no paraíso das equipes de especialistas, os EUA, o número não deve passar dos 10 mil.” Os dois pesquisadores, Mônica de Bolle e Paulo Sotero, citados neste “PAPER’. trabalham em centros de pesquisa americanos. Como estão nossos Centros de Pesquisas, com que foco, estrutura articulada de interesse nacional brasileiro?
A conclusão é que nós, Brasil, se quisermos nos tornar um “player” na geopolítica mundial, temos que observar os números acima. Nossas organizações científicas, em todos os campos, devem adquirir estruturas organizativas e políticas capazes de garantir continuidade e sequência operacional, que independam do sabor do governante de ocasião. Há um contexto permanente no qual se encontram concorrentes a vencer, embora, sempre, deva existir cooperação.
Importante lembrar a nossos profissionais, de todos os setores, o que deles há de se esperar: o historiador Timothy Snyder, professor em Yale (EUA) destaca o papel dos profissionais (Capítulo 5: “Lembre-se da ética profissional”, do Livro “Sobre a Tirania”) que permeiam toda a estrutura institucional e empresarial e vida de um povo. Nossos profissionais de todas as áreas são convidados para o esforço a ser empreendido para o aproveitamento das oportunidades que esta nova crise proporcionará.
Poucas vezes a História reserva momentos como o atual, dada a intensidade e magnitude, para agir nas oportunidades geradas pelas mudanças em todo o País e em todo o mundo.
Apesar de todas as dificuldades, que estão sendo enfrentadas pela população brasileira, certamente surgirá singular oportunidade para líderes que tiverem o privilégio de pensar grande, dado o salto que o Brasil precisa dar. “O que mais falta é lucidez.”
“Já é tempo de os líderes estarem se organizando para tal relevante empreitada.” (“PAPER”76, de 14/04/2020). ‘Qualquer burro pode derrubar um celeiro, mas só um carpinteiro pode reconstruí-lo.’ (Jean-Paul Satre, 1905-1980, filósofo francês).
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visandesenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.
Fonte: Estadão de 17/03/2020, página B7