Atitudes e valores que circulam no Brasil de hoje
Há atitudes e valores que devem mudar desde o início, para que reformas possam ser introduzidas e sustentadas
*Luiz Hanns, 17 Junho 2017
Talvez você já tenha ouvido frases como “o Brasil nunca irá para a frente, somos imediatistas, corruptos e individualistas”. Ou que, aqui, não se acredita na autonomia do indivíduo, nem na livre-concorrência e tampouco na meritocracia, cidadãos e empresas preferem um Estado protetor.
Será que essas generalizações descrevem de modo adequado como valores e atitudes circulam no Brasil e afetam nosso desenvolvimento?
Para discutir esta questão, sugiro um artifício: dividir, ainda que simplificadamente, a população em três níveis de tomadores de decisão e examinar sua adesão a valores cruciais ao desenvolvimento.
No topo estariam os tomadores de grandes decisões estratégicas: presidentes, ministros, líderes federais, municipais e de grupos privados. Mais abaixo os tomadores de decisões intermediárias: diretores, gerentes e supervisores, que coordenam o sistema público e empresas; e na base os tomadores de pequenas decisões individuais: pedreiros, médicos, taxistas, todos nós que operamos no cotidiano. Embora na vida real haja mais de três níveis e cada cidadão possa atuar em vários deles, facilita considerarmos só três patamares. Para cada um dos níveis decisórios acima, diferentes conjuntos de atitudes são cruciais. Por exemplo, para a atuação dos tomadores de pequenas decisões, há condutas especialmente relevantes, tais como levar prazos, horários e normas técnicas a sério; ou pensar no impacto de suas ações sobre o coletivo (evitar espalhar sujeira, furar filas, fazer ruídos). As pessoas que você observa no seu cotidiano adotam tais atitudes? Nunca, às vezes, em que contextos? E no patamar intermediário, diretores e gerentes em órgãos públicos e empresas privadas? Planejam meticulosamente, envolvem todas as partes (consumidores, fornecedores, vizinhança) ou planejam superficialmente? Diante de problemas, buscam se informar das melhores práticas de gestão, ou ignoram soluções já bem-sucedidas e constroem soluções precárias? E no topo, os líderes brasileiros que você conhece, independente de combaterem, ou não, a corrupção. Propõem um claro projeto de nação e sabem expô-lo? Preocupam-se com gastos e produtividade, ou preferem aumentar impostos e rolar dívidas? Ainda que você tenha algumas respostas, só uma pesquisa nacional nos daria um mapa de como estas e outras atitudes se distribuem por regiões, setores econômicos e contextos. Embora, não seja difícil realizá-la, seria onerosa – quem sabe alguma entidade ainda a faça. Veríamos que não existe uma mentalidade nacional, mas um mosaico de valores e atitudes que se distribuem pelos três patamares, conforme o contexto. De sua qualidade depende o fracasso ou sucesso em ações como vacinação em massa, desenvolvimento de tecnologias ou competir no futebol. Nos casos de sucesso, como escolas públicas campeãs no Enem, Embraer ou agronegócio, os três patamares decisórios se articulam. Formam um fluxo virtuoso, cada um adotando um bloco de atitudes necessárias para seu nível de atuação (estratégico, coordenação ou operação).
E como favorecer a formação destes ecossistemas de excelência?
Teóricos do desenvolvimento econômico sabem que o caminho depende da resposta a outra pergunta: atitudes podem ser mudadas? A prescrição tradicional sugere que se realize reformas econômicas, institucionais e se invista em educação. Em conjunto, criariam um ambiente favorável à emergência de atitudes de ética e eficiência coletiva.
O problema é que há atitudes e valores que precisam mudar desde o início, para que tais reformas possam ser introduzidas e sustentadas. Ou os melhores projetos serão minados pela resistência às mudanças. No caso do Brasil, as décadas de reformas que avançam e regridem apontam para esta dificuldade.
Daí pode ser necessário, desde o começo, em paralelo às reformas, discernir com precisão os valores e atitudes deficitários em cada patamar e abordá-los com ações direcionadas a certas posturas da população em geral, a determinadas condutas dos gestores intermediários e a focos e valores dos líderes.
Isto é feito em grandes organizações, em setores econômicos e parcialmente em países inteiros, com planejamento, determinação e estratégia. Mas como fazêlo democraticamente por aqui é um tema para outro artigo.
* PSICOLÓGO E ANALISTA DE COMPORTAMENTO
ARTIGO18