1/3 das famílias com jovens piorou dieta
Estudo do Unicef aponta que 31% dos lares brasileiros com crianças ou adolescentes tiveram mais comida industrializada na pandemia
O Estado de S. Paulo – 26 Aug 2020 – João Ker Ludimila Honorato
Na pandemia, um terço (31%) das famílias com crianças e adolescentes no Brasil aumentou o consumo de produtos industrializados, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), feita pelo Ibope e divulgada ontem. E um em cada cinco adultos no País não teve dinheiro para comprar mais comida quando o alimento de casa acabou, ainda conforme o levantamento.
Dos entrevistados na pesquisa, 49% relataram ter mudado hábitos alimentares na quarentena. O índice entre famílias que têm crianças ou adolescentes chega a 59%. Nesse grupo, 31% dos entrevistados relatam aumento de consumo de alimentos industrializados, como macarrão instantâneo, biscoitos recheados e enlatados; 20% afirmam comer mais fast-food, como hambúrgueres, esfihas etc.; e 19% afirmam beber mais refrigerantes.
Essas famílias também são as que mais relatam insegurança alimentar no contexto da pandemia. Dentre elas, 27% afirmaram ter passado por pelo menos um momento em que os alimentos acabaram e não tiveram como repor, enquanto 8% deixaram de fazer alguma refeição por falta de dinheiro. Para os núcleos familiares sem criança ou adolescentes, esses índices foram de 17% e 4%, respectivamente.
O estudo mede impactos da covid-19 em crianças e adolescentes, em três aspectos: segurança alimentar, renda familiar e acesso à educação. A pesquisa envolveu 1.516 entrevistas com adultos, feitas por telefone entre junho e julho.
Geladeira vazia. Antes da pandemia do novo coronavírus, Monica Ferreira da Silva, de 50 anos, tinha o hábito de comprar queijo, frutas e verduras para dentro de casa. O filho mais novo dela, de 10 anos, fazia ao menos três refeições por dia na escola municipal do Rio de Janeiro. Banana, que ele adora, sempre tinha, além de pão integral, leite e achocolatado. Com a crise de saúde global, os armários e a geladeira da família esvaziaram. “Não entra mais essas coisas porque não tem como comprar.”
Situação parecida foi vivida, na zona leste da capital, por Cícera Bezerra da Silva, de 30 anos. Está desempregada, o marido faz alguns bicos como ajudante de pedreiro e o filho de 6 anos está em casa. Há cinco meses a família não tem renda fixa, só o auxílio emergencial do governo. “Antes da pandemia, era bom. Graças a Deus, nunca comemos sem mistura, mas depois começamos a comer sem. Às vezes falta e antes não faltava”, conta ela.
Chefe de Saúde da Unicef no Brasil, Cristina Albuquerque ressalta: “A má nutrição é apresentada em duas dimensões: a mudança de hábitos alimentares e a redução do acesso a alimentos – a fome. São duas situações extremamente preocupantes”. Ela observa que o aumento no consumo de comidas processadas leva a uma dieta com poucos nutrientes, rica em sódio e gordura, o que pode acarretar aumento nos índices de obesidade infantil.
O consumo excessivo de alimentos industrializados ainda pode gerar uma série de doenças crônicas não transmissíveis, como diabete e complicações cardiovasculares,
“A gente precisa fazer um nexo”, acrescenta Cristina, “entre esses 9% que foram privados de alimento com relação à redução da renda nessas famílias”. De acordo com a pesquisa, pelo menos 63% dos brasileiros que têm uma criança ou adolescente em casa tiveram queda no rendimento familiar após o início da pandemia. Desses, 21% estavam trabalhando antes da covid-19 e não estão mais.
Os motivos mais citados para diminuição de renda no grupo foram a redução do salário e do horário de trabalho de alguém da família; a suspensão do emprego, mesmo que temporária; e a impossibilidade de trabalhar, por falta de transporte ou adoecimento. Outro dos dados da pesquisa é que, entre as famílias com crianças e adolescentes, 37% tiveram perda de pelo menos metade da renda.
Ajustar programas. “Precisamos pensar também em ajustar os programas de assistência com base nas famílias com crianças e adolescentes. O Brasil tem ampla experiência em proteção social e o benefício emergencial mostrou que isso é possível de ser feito. Principalmente em longo prazo, porque essa crise não vai terminar tão cedo”, explica Liliana Chopitea, chefe da área de Políticas Sociais e Cooperação Sul-sul do Unicef/brasil.
“As escolas foram fechadas abruptamente e demorou um pouco para que as famílias se organizassem no novo contexto”, explica Ítalo Dutra, chefe de Educação da Unicef no Brasil. Ele afirma ainda que a possível perda de vínculo entre os estudantes e as escolas é também uma das grandes preocupações no contexto da pandemia.
“É importante entender que esse contato com a escola é parte fundamental da segurança social, seja de violência, saúde alimentar ou outros problemas”, afirma Dutra.
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