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A estagnação da luta contra a pobreza

Num mundo tão desigual, a renda dos super-ricos cresce a altas velocidades e a proporção de pobres também cresce

Por Jorge J. Okubaro, O Estado de S.Paulo, 30/01/2024

A vida de bilionários fascina muitas pessoas. Elas querem saber o que fazem, como vivem, quais as manias e os gostos de ricos e famosos como Elon Musk (fortuna estimada pela revista Forbes em US$ 204,5 bilhões) ou Jeff Bezos (US$ 181,5 bilhões). Só o encanto exercido sobre gente comum por personalidades de êxito financeiro excepcional pode explicar o fato de também os meios de comunicação, especialmente os eletrônicos, mostrarem deslumbramento com bilionários.

O exemplo mais recente desse fenômeno pode ser observado há pouco, quando a Oxfam divulgou o relatório Desigualdade S.A. Para mostrar o contraste de renda, o relatório citou o fato de que os cinco bilionários mais ricos do mundo mais que dobraram sua fortuna desde o início desta década, enquanto 60% da humanidade ficou mais pobre.

A Oxfam foi criada em 1942 em Oxford, na Inglaterra, para combater a fome, e está presente no Brasil desde 1965. Com o relatório, quis chamar a atenção de superbilionários como Musk e Bezos, políticos, banqueiros, jornalistas e acadêmicos, que costumam comparecer ao Fórum Econômico Mundial, para a intensificação da concentração da renda no mundo.

Desse conflito, não poucos sites noticiosos destacaram o fato de que a fortuna dos bilionários cresce à velocidade de US$ 14 milhões por hora ou a possibilidade de o mundo ter o primeiro trilionário (em dólares) em menos de dez anos. Informações como essas ajudam a construir um cenário em que o mundo parece coberto de maravilhas.

Esses destaques sugerem, entretanto, haver incompreensão, por profissionais que decidem como a informação será apresentada ao público, da dimensão e das consequências de fenômenos sociais e econômicos. Ou, o que pode ser pior nos tempos que correm, demonstram o interesse dos meios eletrônicos de informação em atender a uma demanda crescente, e talvez algo mórbida, por irrelevâncias ou banalidades. Buscam-se “likes”, em detrimento da informação de qualidade, que ajuda a formar a cidadania.

No campo das informações irrelevantes, destaque-se que a fortuna de Musk (dono da Tesla, SpaceX e X, antigo Twitter) e de Bezos (fundador da Amazon) está expressa em valores de quinta-feira passada. A data, no caso dos super-ricos, tem importância, pois a fortuna cresce ou encolhe – mais cresce do que encolhe – conforme os humores dos mercados financeiros. Na sexta-feira, por exemplo, Musk já não era considerado o homem mais rico do mundo, pois havia sido superado pelo francês Bernard Arnault e família, donos da LVMH, com fortuna estimada em US$ 207,8 bilhões. Nenhum dos dois deve ter se preocupado com isso.

O mundo real, de sua parte, deveria estar preocupado com as informações da Oxfam e com o relatório Desigualdade crescente, com nove tabelas, que o Banco Mundial apresentou em dezembro. A frase de abertura do relatório resume seu conteúdo: “Se 2022 foi o ano da incerteza, 2023 é o ano da desigualdade”. Como em outras crises, quem mais sofre é quem menos pode. Nesse caso, como diz o Banco Mundial, são os mais pobres, países e famílias.

Hoje, cerca de 700 milhões de pessoas em todo o mundo vivem em situação de extrema pobreza, com renda inferior a US$ 2,15 (cerca de R$ 10,60) por dia. Entre 2010 e 2019, o número de pessoas extremamente pobres diminuiu cerca de 40%, de 1,13 bilhão para os mesmos cerca de 700 milhões constatados no ano passado. No entanto, a pandemia da covid-19 teve efeito terrível sobre a renda global, fazendo o número de muito pobres crescer quase 10% entre 2019 e 2020.

Ainda estamos tentando recuperar e preservar a tendência de baixa observada na década passada. Mas o fato é que, diz o Banco Mundial, “nós perdemos três anos na luta contra a pobreza”. Num mundo tão desigual, em que, mostra a Oxfam, a renda dos super-ricos cresce a altas velocidades e a proporção de pobres (o conceito não é igual ao do Banco Mundial) também cresce, essa é uma constatação desoladora.

Se à renda baixa somarmos outras circunstâncias presentes na vida dos mais pobres, como sua fragilidade social, os conflitos, a violência, podemos tentar imaginar como é e como tende a continuar sendo a existência dessas pessoas, caso nada seja feito em escala mundial e de maneira articulada.

Ao apontar quatro formas de aceleração do acúmulo da fortuna, a Oxfam sugere meios de reduzir as desigualdades. Em primeiro lugar, cita a tendência de se recompensar os super-ricos e não os trabalhadores; em segundo, o sistema tributário que privilegia empresas e seus acionistas; depois, a privatização como fator de aceleração dos ganhos das empresas; por fim, as grandes empresas como principais responsáveis pelo colapso climático.

Há, decerto, outras formas de se combater a pobreza. O Banco Mundial limita-se a observar que a persistência da pobreza extrema torna muito difícil o alcance das metas de desenvolvimento global definidas por organizações multilaterais.

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