Após 3 décadas da fim da hiperinflação, Brasil tem de superar novos desafios/‘Ainda não conseguimos ter um crescimento sustentado’
Economistas que forjaram o Plano Real contam bastidores da operação e indicam o que o País tem de fazer agora para superar o baixo crescimento e a desigualdade
Por Luiz Guilherme Gerbelli e Ricardo Grinbaum, O Estado de S. Paulo, 30/06/2024
‘Ainda não conseguimos ter um crescimento sustentado’
Edmar Bacha, Economista, assessorou a Fazenda na elaboração do Plano Real
O economista Edmar Bacha diz ter criado uma armadilha para si próprio ao afirmar, depois do fracasso do Plano Cruzado, que só voltaria ao governo como parte do movimento político. Foi o que ocorreu. Na gestão de Itamar Franco, em 1993, retornou ao governo como assessor de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, e assumiu um papel de protagonismo na implementação do real.
“Achava que era uma loucura ir para o governo naquela circunstância. Em sete meses, o Itamar já tinha demitido três ministros da Fazenda”, lembra. “Foi quando cheguei em Brasília, e o tucanato estava me esperando. O Mario Covas me disse: ‘Bacha, isso não é uma decisão do Fernando. É uma decisão do partido. Você é o economista do partido. Você vem conosco’.”
Bacha foi o principal negociador do plano desenhado pela equipe econômica com o Congresso. Já tinha barba e cabelos brancos. Ganhou o apelido de senador.
O Brasil vinha de várias tentativas fracassadas. Qual era o sentimento que vocês tinham naquela época? Havia uma confiança que iria dar certo?
A gente relutou muito. Tem até a história de uma reunião que o Fernando Henrique fez com a equipe econômica e com os advogados em que ele ficou irritado e saiu da reunião dizendo: “Não aguento mais. Os advogados dizem que tudo é inconstitucional, e vocês, economistas, dizem que tudo vai dar errado.” Havia muita incerteza. Não só pelo insucesso dos planos anteriores como pelo fato de que a situação do governo era muito precária. E, além disso, um plano daquele tipo nunca havia sido implementado em lugar nenhum.
O sr. já havia feito parte do governo e disse que só voltaria como parte de um movimento político. Como foi a sua chegada ao ministério do Fernando Henrique?
Depois do fracasso do Plano Cruzado, prometi a mim mesmo que jamais voltaria para o governo como tecnocrata. Voltaria para o governo como parte de um movimento político. E foi por isso que eu ingressei no PSDB logo que foi fundado. Era membro da comissão executiva. Fui economista da campanha do Covas (Mario Covas foi candidato a presidente na eleição de 1989). E, na verdade, eu achava que era uma loucura ir para o governo naquela circunstância. Em sete meses, o Itamar já tinha demitido três ministros da Fazenda. Só tinha dois anos de governo e a situação parecia muito precária. Foi quando cheguei em Brasília, e o tucanato estava me esperando. O Mario Covas me disse: “Bacha, isso não é uma decisão do Fernando. É uma decisão do partido. Você é o economista do partido. Você vem conosco”. Na verdade, eu armei uma armadilha para mim mesmo, porque eu disse que só voltava como parte de um movimento político, e o movimento político ali estava me dizendo que tinha chegado a hora.
O sr. poderia lembrar do episódio em que discutiram o plano na reunião com o Covas?
Os economistas tinham muito medo de fazer a mágica. A mágica era a transformação da URV (Unidade Real de Valor) no real. E ali havia essa esperança totalmente ingênua dos economistas de que a gente podia levar a URV até o final do mandato do Itamar e só começar a nova moeda quando o Fernando Henrique fosse eleito. Mas a situação política era muito clara. Naquela circunstância, quem iria ser eleito era o Lula, não o Fernando Henrique, mesmo depois do lançamento da URV. A pressão política era para o lançamento do real tão cedo quanto o possível. Essa reunião de setembro de 1993, quando nós explicamos para o comando do PSDB como é que o plano iria ser, especialmente para o Covas, que era o mais relutante. Ele era candidato a governador de São Paulo. Eu disse para ele que a inflação só iria baixar depois de meados do ano seguinte, ele quis ir embora. Mas, ao final, se convenceu.
Era essa a sensação geral?
Os políticos tinham muita pressa. O Itamar também. Quando o Fernando Henrique me levou para conversar com ele, também em setembro, um pouco antes dessa reunião do PSDB, eu expliquei, em geral, o plano para o Itamar. No final, eu pedi um autógrafo para os meus filhos. Ele me deu um autógrafo que dizia mais ou menos assim: “Para Júlia e Carlos Eduardo, com os meus cumprimentos e desejando que vocês digam para o seu pai ter muita velocidade para o bem do Brasil”. Ele pediu muita velocidade, mas esperou nove meses até a criança nascer.
Qual foi o diagnóstico da equipe quando chegam no governo?
O diagnóstico a gente já tinha. As maneiras de lidar com essa inflação foram objetivo dos debates que tivemos na PUC no início dos anos 80. E desse debate saíram as duas grandes teses. A tese do Chico Lopes, do chamado choque heterodoxo, que foi aplicada no Plano Cruzado. E a tese do André Lara e do Persio Arida, da reforma monetária, que foi a que a gente, com diversas modificações, aplicou no Plano Real. Em meados de agosto de 1993, a gente já sabia o que fazer. A questão só era o medo que tínhamos de fazer o plano e perder o controle sobre a situação.
O Itamar queria muito congelamento de preço?
Todo mundo queria congelamento. Não era só ele, não. Essa foi uma batalha interna que a gente teve dentro no governo.
E, agora, qual deve ser o novo Plano Real do Brasil?
A gente conseguiu resolver dois problemas que foram a alta de preços e a dívida externa. E a gente deu uma boa melhorada na distribuição de renda, mas ela continua ainda muito ruim. Tem muito o que fazer nisso. Agora, o que a gente não conseguiu foi colocar essa economia numa trajetória de crescimento sustentado. O Brasil tem patinado. Desde a Dilma, a gente não está conseguindo quase nada em termos de crescimento de renda per capita. Eu acho que o Brasil continua a ter um problema de crescimento. Além da questão de crescimento com justiça social, há o problema do crescimento com sustentabilidade. Veja essa crise aí no Rio Grande do Sul. São questões que estão ainda na mesa.
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