Após 3 décadas da fim da hiperinflação, Brasil tem de superar novos desafios/‘O desafio brasileiro é a transformação ecológica’
Economistas que forjaram o Plano Real contam bastidores da operação e indicam o que o País tem de fazer agora para superar o baixo crescimento e a desigualdade
Por Luiz Guilherme Gerbelli e René Pereira, O Estado de S. Paulo, 30/06/2024
‘O desafio brasileiro é a transformação ecológica’
Winston Fritsch, Economista, era secretário da Fazenda no lançamento do Real
Foi na piscina da sua casa em Petrópolis que Winston Fritsch recebeu um telefonema de Fernando Henrique Cardoso, então ministro das Relações Exteriores. FHC ligou para comunicar que aceitara o cargo de ministro da Fazenda e que queria Fritsch no cargo de secretário de Política Econômica. “Era uma grande crise. Uma inflação totalmente descontrolada”, afirma. Com a decisão do PSDB de integrar o governo Itamar Franco, Fritsch chegou ao Ministério da Fazenda de FHC. Na elaboração do Plano Real, ele diz que o “grande pulo do gato” foi conseguir realizar a desindexação da economia brasileira. “Isso não é fácil do ponto de vista gerencial. É um trabalho desgraçado, técnico e político”, diz. Para o futuro, ele aposta no potencial do País para enfrentar a crise climática. O grande desafio do Brasil é implementar essa transformação ecológica, tirando vantagens que temos.”
O sr. foi para Brasília logo de início com o Fernando Henrique. Poderia rememorar a chegada?
Quando tem o impeachment do Collor, o Itamar assume, mas com um governo muito fraco. Ele teve ministros da Fazenda competentes. Ele teve o Krause (Gustavo Krause), o Haddad (Paulo Roberto Haddad) e, depois, um ministro político (Eliseu Resende), que acaba sendo praticamente demitido por acusações de corrupção. Foi uma crise que aconteceu num fim de semana de maio de 1993. E o Fernando Henrique, na época, era ministro das Relações Exteriores. Eu, obviamente, lendo o jornal, via aquelas coisas de que o Fernando Henrique foi convidado. Era uma grande crise. Uma inflação totalmente descontrolada. Então, ele me liga de Washington. Estava na piscina quando recebi o telefonema. Já sabia que alguma coisa iria acontecer. E aí ele fala: “O partido aceitou, liberou e vou aceitar. Estou falando com você e com o Bacha para perguntar se vocês topam”.
Qual foi o diagnóstico quando vocês chegaram ao governo?
A gente entendia que sem o apoio de uma política fiscal melhor do que a que saiu da Constituição de 1988 não conseguiria manter a inflação baixa. Podia até fazer o truque, de passar a inflação para baixo, mas não conseguiria mantê-la. Então, a gente trabalhou num negócio chamado PAI, o Plano de Ação Imediata. Era uma coisa bastante conservadora do ponto de vista fiscal. Era um pouco preparar o terreno para o day after.
O que era preciso fazer?
O pulo do gato é desindexar a economia. É mais fácil falar do que fazer, porque tem de sincronizar os contratos. Quando você está numa economia indexada, você tem uma inflação de 30% ao mês, o salário é modificado, o preço da gasolina (sobe) de 15 em 15 dias. Todos os grandes contratos da economia tinham de ser feitos pela média do último período. Isso não é fácil do ponto de vista gerencial. É um trabalho desgraçado, técnico e político.
E qual é a agenda que o Brasil precisa hoje?
O contexto é diferente. O Plano Real foi uma coisa para acabar com um incêndio. Quando você tem uma doença crônica, você poder ter essa doença por muito tempo e conviver com ela. O Plano Real é um caso de torniquete. O grande desafio agora é retomar o crescimento. E o Brasil tem uma grande vantagem. Tem um desafio mundial, que é o clima. Você não pode retomar o crescimento com uma economia suja. Tem de fazer investimentos limpos. E o Brasil tem uma vantagem imensa nessa área. O País não só é um grande produtor de energia, mas a gente conhece essa tecnologia e pode exportar. Para o Brasil, a crise do clima, que para alguns países é um horror, é uma oportunidade de investimento, de exportação. O grande desafio do Brasil é implementar essa transformação ecológica, tirando vantagens que temos, e voltar a crescer.
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