Após 3 décadas da fim da hiperinflação, Brasil tem de superar novos desafios/‘Uma atitude muito leniente com a inflação é punida nas urnas’
Economistas que forjaram o Plano Real contam bastidores da operação e indicam o que o País tem de fazer agora para superar o baixo crescimento e a desigualdade
Por Daniela Amorim, O Estado de S. Paulo, 30/06/2024
‘Uma atitude muito leniente com a inflação é punida nas urnas’
Pedro Malan Ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda
Um dos mais longevos ministros da Fazenda do Brasil, o economista Pedro Malan, relembra como se deu a formação da equipe econômica que saiu vitoriosa contra a hiperinflação no País. Ao Estadão, o economista disse acreditar que os tempos de hiperinflação ficaram para trás. A população, pondera ele, puniria em uma eleição um governo que eventualmente seja leniente com aumentos de preços. “Jamais vamos voltar àqueles 1.000% de inflação, isso já está fora de questão já. Mas uma atitude (de governo) muito leniente, complacente em relação à inflação é punida nas urnas”, disse.
O convite para assumir o Banco Central veio quando o sr. era negociador da dívida externa. A negociação já estava bastante encaminhada quando o sr. veio para o Brasil?
A negociação foi longa. Eu fui convidado e aceitei em junho de 1991. As negociações começaram em agosto, com a nossa proposta perante o comitê de bancos. Eram 20 bancos que representavam os mais de 700 credores. Elas se estenderam por dois anos, praticamente, até a sua conclusão.
Como foi o trabalho conjunto à época de preparação do Plano Real?
Teve muita discussão nos meses de setembro, outubro e novembro, e, no dia 7 de dezembro de 1993, nós apresentamos uma Exposição de Motivos 395, que o ministro da Fazenda encaminhou ao presidente da República, dizendo: “Olha é isso que nós vamos fazer na dimensão fiscal, um programa fiscal para o biênio 1994-1995, nas propostas de mudança constitucional”. Foi complicado, porque tinha uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os chamados Anões do Orçamento. Então estava um período de turbulência no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados pelo menos. Mas nós conseguimos aprovar o que era fundamental naquele momento, que era uma desvinculação de cerca de 20% das receitas, que era uma parte importante para o equilíbrio fiscal de 1994/95.
No lançamento do real, houve uma valorização da nova moeda ante o dólar e as taxas de juros foram elevadas duramente. Quão importante foi o papel do Banco Central para sustentar os primeiros anos da nova moeda?
Eu vou responder de forma breve. O papel do Banco Central, e não poderia ser de outra forma, foi absolutamente essencial ao longo dos anos seguintes. Eu me refiro aqui às presidências do Persio Arida, que foi quem me sucedeu em 1995, na primeira metade do ano, do Gustavo Loyola, do Gustavo Franco, que sucedeu o Loyola, e do Armínio Fraga, que teve um papel absolutamente fundamental no segundo mandato Fernando Henrique em consolidar o sistema do tripé macroeconômico (formado pela taxa de câmbio flutuante, pelo sistema de metas de inflação e pela responsabilidade fiscal).
Quando o sr. considera que a estabilização foi alcançada?
Não foram meses, eu diria que foram necessários anos, mais de uma década. Até eu achar que tínhamos alcançado um ponto em que a maioria esmagadora da sociedade brasileira se deu conta de que a preservação da inflação sob controle era a preservação do poder de compra do salário do trabalhador brasileiro. Hoje em dia temos essas transferências diretas de renda que assumiram uma importância crescente no Brasil. Para você ter uma ideia, dos 27 Estados do Brasil, em 15, os recipientes desse auxílio de transferência direta de renda são em número maior do que aqueles empregados com carteira assinada. A preservação do poder de compra dessas transferências também depende da preservação da inflação sob controle. Acho que criou raízes entre nós a percepção de que a inflação sob controle numa perspectiva não imediata, mas de médio e longo prazos, como objetivo de longo prazo. Criou raízes e tem uma razão para isso, que é a vantagem das democracias. (…) Nós jamais vamos voltar àqueles 1000% de inflação, isso já está fora de questão já. Mas uma atitude (de governo) muito leniente complacente em relação à inflação é punida nas urnas. A população percebe que é a obrigação de um governo e é um direito do cidadão a preservação do poder de compra da sua renda. E é um dever e uma obrigação do Estado.
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