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As lições negligenciadas da Ásia

‘Milagres’ econômicos são consequências naturais da valorização da educação e do livre mercado. Mas os conflitos geopolíticos estão fazendo o mundo esquecer dessa preciosa lição

Por Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, 19/05/2024

Nunca na história humana o bem-estar se massificou tão velozmente quanto no pós-guerra fria. Desde 1990, a população mundial na extrema pobreza caiu de 40% para 8%; a mortalidade infantil, de 9% para 3%; o analfabetismo, de 25% para 13%; e a expectativa de vida subiu de 64 anos para 73. O motor, como mostrou uma série do Estadão, foi o “milagre asiático”. Mais de 70% dos miseráveis do mundo eram asiáticos, hoje são 25% – uma queda de 1,6 bilhão para 166 milhões. Os jovens no Pacífico e no Sul estão entre os mais educados do mundo. O impulso começou no Japão do pós-guerra, foi emulado pelos “tigres” (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura) e depois se espalhou pela China e por países com culturas e regimes diversos como Bangladesh, Indonésia, Vietnã e Índia.

Diz-se “milagre” entre aspas, para caracterizar os efeitos espetaculares da transformação, mas as causas nada têm de sobrenaturais. “Ao longo do tempo, (essas nações) adotaram políticas de abertura ao comércio e investimentos, facilitaram a modernização agrícola e a transformação industrial, apoiaram o progresso tecnológico, investiram em educação e saúde, mobilizaram altos níveis de poupança doméstica para investimentos produtivos, promoveram o desenvolvimento da infraestrutura, perseguiram sólidas políticas macroeconômicas e implementaram políticas de redução da pobreza e inclusão”, concluiu Takehiko Nakao, ex-presidente do Banco de Desenvolvimento da Ásia, no estudo Viagem da Ásia à Prosperidade. Sintetizando: é a igualdade de oportunidades por princípio; a educação por base; o livre mercado por meio; e o progresso social por fim.

Em 1955, a Coreia do Sul era mais pobre que a do Norte. Hoje é 20 vezes mais rica. Taiwan era só um pouco mais rica que a China. Quando o tirano Mao Tsé-tung morreu, em 1976, era quatro vezes mais. Então, Deng Xiaoping liberalizou a economia comunista, e o resto é história.

Mas as últimas duas décadas foram turbulentas: terrorismo islâmico, a crise financeira, o confronto EUA x China, a pandemia e as guerras na Europa e no Oriente Médio. “Tudo isso contribuiu para um novo senso de vulnerabilidade e uma suspeita renovada de uma economia mundial aberta”, diagnosticou Johan Norberg no livro O Manifesto Capitalista. “Isso inspirou um desejo por líderes fortes e governos grandes para nos proteger de um mundo perigoso. As negociações na Organização Mundial do Comércio foram paralisadas, seu mecanismo de resolução de disputas foi sabotado pelos EUA e, depois da crise financeira, a parcela do comércio no PIB parou de crescer pela primeira vez desde a 2.ª Guerra. A liberdade econômica global estagnou e a onda de democratização se encerrou num refluxo autoritário”. Na China as reformas estão sendo revertidas. No Ocidente, populistas à esquerda e à direita vendem mais proteção e intervenção do Estado.

Mas tão pedagógicos quanto os exemplos asiáticos são os contraexemplos latino-americanos. Em 40 anos os “tigres” cresceram 10 vezes mais que, por exemplo, o Brasil. “Muitos estudiosos, especialmente de fora da Ásia, tendem a superestimar o papel de uma intervenção forte do Estado. Mas o sucesso da Ásia se baseou essencialmente nos mercados e no setor privado como motores do crescimento. As economias começaram a crescer mais rápido quando as políticas mudaram da intervenção estatal para a orientação do mercado, enquanto os governos continuaram a exercer alguns papéis proativos”, diz Nakao.

Ocasionalmente, os asiáticos se valeram de tarifas, subsídios, créditos preferenciais ou incentivos tributários para apoiar a industrialização, estratégias que podem ser eficazes, especialmente em estágios iniciais de desenvolvimento. No entanto, “se mal empregadas, levam ao patrimonialismo, à competição injusta e à ineficiência”, lembra Nakao. “Políticas industriais têm mais chances de ser eficientes quando promovem a competição e são implementadas com transparência, metas claras e prazos para acabar.” Essa parte da lição os latinoamericanos negligenciaram e o mundo se inclina a negligenciar. O crescimento ridículo da América Latina prova que o custo será alto.

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