Austeridade fiscal de mentirinha
Superávit de janeiro posterga discussão sobre meta fiscal cada vez menos viável
O Estado de S. Paulo, por Notas & Informações, 10/03/2024
O déficit fiscal zero, meta perseguida para este ano pela equipe econômica, é considerado uma abstração pelo mercado financeiro e pelo próprio governo, como já deixou claro, em diversas ocasiões, o presidente Lula da Silva. É praticamente consenso sua alteração, mais cedo ou mais tarde, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mantém-se obstinado na saga de zerar as contas públicas em 2024.
Se acredita realmente na viabilidade do compromisso firmado, só o ministro sabe. O fato é que continuará a cortar um dobrado para manter-se agarrado às rédeas de pretensa austeridade diante de um governo adepto do preceito de que qualquer gasto público é investimento – nem que seja apenas em popularidade – e de um Congresso ávido pela distribuição de mais recursos aos parlamentares.
O superávit fiscal primário de R$ 102,146 bilhões de janeiro, divulgado pelo Banco Central – consequência, principalmente, de uma arrecadação recorde para o mês – apenas empurra para o segundo semestre uma revisão esperada pelo mercado para abril. Mas fica cada vez mais evidente que a busca pelo equilíbrio fiscal não pode ser sustentada somente pelo aumento de receita. Sem corte de despesas, o esforço da equipe econômica será ineficaz.
Como mostrou reportagem do Estadão, um cálculo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados prevê a necessidade de bloqueio orçamentário de R$ 41 bilhões na revisão das contas públicas que ocorrerá este mês. Em dezembro do ano passado, a consultoria já havia previsto bloqueio de R$ 53 bilhões. Resultados que ultrapassam em muito as contas da Fazenda, que oscilam entre R$ 23 bi e R$ 25 bi. O cálculo dos consultores, nas duas vezes, foi pedido pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) um dos vice-líderes do governo na Câmara.
No centro da celeuma, a preocupação do Planalto em evitar contingenciamentos orçamentários que possam ameaçar os gastos ou, como prefere Lula da Silva, os investimentos públicos. Principalmente em relação às grandes obras do novo PAC, programa considerado imprescindível mais pelos dividendos eleitorais do que por avanços socioeconômicos.
A obsessão de Haddad e sua equipe não parece derivar da crença real de zerar o déficit em 2024. Os movimentos feitos desde o fim do ano passado indicam, apenas, empenho em postergar o contingenciamento, e o exemplo mais recente foi o ministro ter aceitado trocar a extinção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) pela fixação do limite de R$ 8 bilhões para a renúncia fiscal com o programa. Pressionado por parlamentares, recuou do fim da isenção tributária do Perse, mas negociou com Arthur Lira a manutenção da MP para garantir seu efeito contábil nos dois primeiros meses do ano.
Enquanto a discussão das contas públicas não deixarem o terreno da contabilidade da carochinha e seus efeitos fantasiosos e passarem a se concentrar nos resultados práticos de uma política fiscal responsável, não haverá uma forma segura de financiar políticas públicas sem afundar o País em dívidas impagáveis.
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