Celebrações e ressalvas
Ignorar que o Brasil precisa continuar explorando o petróleo de que dispõe, em nome de um ambientalismo carente de realismo, pode nos custar caro
Jorge J. Okubaro, O Estado de S. Paulo, 19/12/2023
Decerto não foi por descaso nem por ironia. Mas apenas dois dias depois de, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, a COP-28, em Dubai, quase 200 países terem chegado a um acordo histórico a respeito da transição para um mundo sem combustíveis fósseis, a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou seu relatório mostrando que nunca, como em 2023, o mundo consumiu tanto carvão mineral. A demanda global aumentou 1,4% neste ano, na comparação com 2022, alcançando o recorde histórico de 8,5 bilhões de toneladas. A boa notícia é que o consumo poderá declinar a partir de 2026.
Melhor seria para o mundo que o consumo de combustíveis fósseis, como o carvão mineral, já estivesse caindo continuamente há mais tempo e em ritmo mais intenso. É preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa com mais rapidez, dada a urgência do enfrentamento da crise climática, cujos efeitos – incêndios, tempestades, ciclones, calor excessivo – assombram a humanidade. Mas a vida de muitas pessoas, parte delas duramente afetada pelos problemas climáticos, pode se tornar ainda mais dura se mudanças na matriz energética mundial não corresponderem à velocidade que o mundo pode suportar. O caso do carvão parece exemplar.
Custos, questões ambientais, baixa eficiência energética comparada com a de outros combustíveis, entre outros fatores, têm forçado a substituição do carvão mineral. No Brasil, usinas termoelétricas que utilizam carvão vêm perdendo participação, já pequena, no total de energia elétrica gerada. Estados Unidos e União Europeia registram as maiores quedas no consumo de carvão mineral nos últimos anos. Mas países pobres e em desenvolvimento continuam a utilizar intensamente esse combustível fóssil. Na Índia, o consumo aumentou 8% neste ano e, na China, 5%, por causa do aumento da demanda por energia e da queda da geração hidráulica. Como ficariam esses e muitos outros países e suas populações com uma ambientalmente desejável interrupção imediata do consumo de carvão mineral?
O caso do petróleo é semelhante. Parte dos ambientalistas exige compromisso mundial para a interrupção da extração de petróleo e a proibição do consumo de seus derivados no menor prazo possível. Também aqui esse é o objetivo desejável. É de perguntar se é possível e suportável social e economicamente para todos os países e para todas as comunidades o cumprimento dos prazos geralmente citados pelos que lutam por um mundo sustentável. A bandeira dos ambientalistas na COP-28 foi, como tem sido nos últimos anos, pela assunção de compromissos mais fortes, pelos países participantes, com o fim do uso dos combustíveis fósseis. Ela marcou a conferência de Dubai.
Foi uma luta longa, como ocorre com certa frequência em grandes plenários internacionais nos quais as decisões são tomadas por consenso. Desta vez, ela foi travada pelos que querem o fim rápido do uso dos combustíveis fósseis, os que não querem tratar do assunto e os que entendem ser necessário caminhar na velocidade que os países e as pessoas podem suportar. Nenhuma das partes poderá se proclamar vitoriosa com o acordo que se alcançou. Membros de algumas delas estão considerando o resultado fraco no presente e perigoso no futuro. Talvez venha a ser. Mas foi o resultado possível, e animador.
Embora não fale claramente em eliminação dos combustíveis fósseis (notadamente carvão mineral, gás natural e petróleo), o texto aprovado pela COP-28 contém a expressão “transição”, uma espécie de rumo que afaste o mundo desses combustíveis. Parece pouco, e é. O texto pode até denotar falta de percepção do senso de urgência no enfrentamento das mudanças climáticas. Mas é mais do que se previa na versão original do documento, que não tinha nenhuma menção à eliminação dos combustíveis fósseis. Falava-se apenas em redução do consumo e produção “de forma justa” para alcançar a meta de emissão zero de gases de efeito estufa em 2050. E o que se alcançou em Dubai é um acordo histórico, pois a questão foi, pela primeira vez em conferências dessa natureza, tratada de maneira explícita e com o compromisso – ainda que sem metas, nem critérios – de abandonar o consumo de combustíveis fósseis.
Embora seu uso deva começar a diminuir, o petróleo continuará sendo consumido até que seja inteiramente substituído por energias de fonte renovável e ambientalmente seguras. O Brasil chegou tarde à posição de grande produtor mundial de petróleo. A descoberta e a exploração do pré-sal propiciaram o avanço observado nos últimos dez ou 20 anos. O potencial ainda é alto e, a despeito da oposição de parte de ambientalistas, o petróleo de que o Brasil dispõe deve continuar sendo explorado. Ainda carente em muitos aspectos, especialmente o social, o País precisa disso. Ignorar esse fato em nome de um ambientalismo carente de realismo pode nos custar caro.
ARTIGO1007