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CHEGOU A VEZ DOS ENGENHEIROS

Shigeaki Ueki*, Revista do Instituto de Engenharia, Edição 647/2021

No recente encontro no Instituto de Engenharia de São Paulo, prestigiosa e secular instituição paulista, constatei uma profunda preocupação dos engenheiros sobre o presente e o futuro do nosso país.

Nem tudo está perdido. O nosso país registra um formidável crescimento no setor primário, ao ponto de o engenheiro agrônomo Allysson Paulinelli ser um dos indicados por organismos internacionais para receber o Prêmio Nobel.

Esse feito é resultado de uma boa política implantada no setor pelos sucessivos over nos desde 1970 e decorre de resultados de um bom plano e de uma boa execução, como o Plano do Álcool.

Além de reconquistar a posição de maior produtor e exportador de açúcar, ser o segundo maior produtor de etanol e importante gerador de eletricidade, mesmo no período de estiagem. Apesar disso, é preciso constante reavaliação do plano pelos engenheiros. Por exemplo, técnica e economicamente, a mistura obrigatória de 27,5% de etanol na gasolina é justificável? Sabemos que a mistura nesse nível eleva o preço da gasolina. A política norte-americana é de misturar 10%, sem obrigatoriedade, para evitar gastos adicionais em logística. Eles ou nós que estamos certos?

A Petrobras adota também a política de preço de derivados em preço CIF, isto é, inclui frete e seguros, partindo da premissa de exportar petróleo bruto para Europa, Estados Unidos, China, Singapura e outros, e de importar gasolina, diesel etc desses mesmos países. Clara[1]mente, uma política equivocada, adotada pela Venezuela. Será que devemos seguir o exemplo de um país que não deu certo?

Deveria, sim, buscar autossuficiência em derivados (gasolina, diesel etc.), exportar o excedente e ganhar divisas. O preço dos destilados passaria de CIF (Cost, Insurance and Freight, em português, Custo, Seguro e Frete) para FOB (free on board, em português, livre a bordo), e o preço final para os consumidores brasileiros seria mais baixo do que o praticado hoje.

A atual política de preços deve sofrer ampla análise dos engenheiros. A Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) condenou a atual política de preços dos derivados com argumentos incontestáveis.

O Instituto de Engenharia deveria ouvir os técnicos da Petrobras e debater a questão com racionalidade. Somos grandes exportadores de alimentos, minérios e energia. Provavelmente, em 2030 seremos o quinto maior exportador de petróleo bruto de excelente qualidade.

Mas o Brasil, com 213 milhões de habitantes, não pode ser desenvolvido apenas no setor primário. Pode ser adequado para países como Canadá e Austrália, que têm menos de 50 milhões de habitantes e o mercado doméstico não tem escala para proporcionar ampla industrialização. No século passado, o nosso país possuía um parque industrial invejável. Hoje, a nossa situação é medíocre, diria até vergonhosa, não por falta de engenharia, mas pelo baixíssimo investimento na infraestrutura, onerando a logística, e gastos insuportáveis do setor público que exige, ano após ano, mais impostos.

Na tarifa da energia elétrica, por exemplo, atinge o nível absurdo de 50%. E para onde vai toda receita tributária? As maiores causas da falta de competividade do setor industrial brasileiro são a enorme carga tributária, uma anacrônica legislação trabalhista, o alto custo do transporte e de energia, além da insegurança jurídica e do baixo nível educacional.

Não é por falta de empreendedores, técnicos e engenheiros nem de trabalhadores. Autossuficiente em alimentos e energia, temos tudo para sermos um país competitivo no setor industrial. Para tanto, temos que corrigir várias políticas equivocadas.

Estou convencido de que, no debate dos problemas nacionais, falta a presença dos engenheiros que, por formação, são fortes em números e possuem raciocínio pragmático para analisar e propor soluções. Hoje, são os profissionais de formação jurídica e de ciências humanas que analisam e propõem soluções, principalmente após entrar em vigência a Constituição de 1988, e é evidente que fracassaram.

De lá para cá, registramos a menor taxa de crescimento econômico, queda nos investi[1]mentos, desindustrialização, fuga de capital, evasão de técnicos etc., mas sempre proclamando que as instituições democráticas estão funcionando harmonicamente. Será mesmo?

Temos hoje um país com dois sistemas jurídicos. O Brasil dos servidores do setor público e empregados das estatais, com legislação trabalhista onerosa e superprotecionista, com privilégios e estabilidade, inexistentes para os trabalhadores do setor privado.

A discriminação é tão vergonhosa que, em plena pandemia, enquanto todos os trabalhadores do setor privado fizeram grandes sacrifícios, os do setor público mantiveram integralmente seus salários e vantagens, e a proposta justa e necessária do Ministério da Economia de diminuir a carga horária de trabalho com redução proporcional de salários foi rejeitada pelo STF, sob o argumento de ser inconstitucional.

Será que a nossa Constituição é tão retrógrada que todos nós devemos defendê-la em nome da democracia? Estamos realmente vi[1]vendo num país democrático? Tem algum país democrático estável, com voto obrigatório, onde menores de 18 anos e analfabetos votam? Entre os 15 países com maior PIB, o voto é obrigatório somente no nosso, enquanto nos demais é facultativo. Somente nós estamos certos e todos os demais estão errados?

Está mais do que provado que, nos países onde o voto é obrigatório, os debates políticos são pouco sérios e quase todos vivem em constantes crises. O recente debate sobre urnas eletrônicas merece uma análise dos engenheiros. A grande maioria dos países, até hoje, não adotou por falta de recursos ou de tecnologia, ou há outras preocupações? Temos a obrigação de discutir a nossa democracia e aperfeiçoá-la com a realidade que aí está e procurar uma evolução inteligente, sem sobressaltos.

O insuportável custo do Executivo, Judiciário e Legislativo em todos os níveis deve ser eternizado, mesmo que seja insuportável e até imoral? E não é possível diminuir os gastos, mesmo sob o argumento de ter direito adquirido. Existe isso em constituições de países desenvolvidos?

Lamentavelmente, o fantasma da inflação voltou, e o nosso país registra a quarta maior inflação do mundo. Qual é a causa? Na minha opinião, repetindo, a maior causa está no setor público superineficiente. O consumo do setor público está absorvendo boa parte da produção de bens e serviços e não tem saldo para investimentos.

O balanço patrimonial da União já é altamente negativo, e a dívida do setor público se aproxima de 90% do PIB. Em síntese, o brasileiro que nasce hoje começa a vida com uma grande dívida, ao contrário de quem nasce num país credor, como muitos países–membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Teremos que ser eternamente devedores, pagando aos credores os juros mais altos do mundo? Será que temos reserva, realmente, de 370 bilhões de dólares, quando a nossa dívida é bem superior a essa posição de caixa e o país é o segundo maior devedor entre 200 países? O maior devedor, a China, deve 1,4 trilhão, mas tem em caixa de mais de 3 trilhões. Nós, como segundo maior devedor, temos dívida da ordem de 600 bilhões e caixa de 370 bilhões. Podemos considerar reserva?

Mensalmente estamos tomando mais empréstimos, pagando juros de 3,5% e aplicando a menos de 1% ao ano. Os números sobre a educação básica são vergonhosos. Estamos entre os piores países. Investimos recursos em educação coerentes com a renda nacional, mas o aprendizado das crianças está no nível de países que investem uma fração do nosso.

Na maioria dos países, os estudantes de cursos profissionalizantes correspondem a cerca de 30%, enquanto no nosso não chega a 10%. O nosso país, provavelmente, tem um sistema judiciário mais oneroso do mundo em relação ao PIB e, mesmo assim, não conseguimos melhorar os índices de segurança física e jurídica. Vivemos aos sobressaltos.

Será que podemos afirmar que vivemos em um país onde há segurança jurídica, quando temos mais de 100 milhões de processos pendentes ou seja, quase equivalente à nossa população?

São infinitos os problemas nacionais que exigem debates sérios, com base em números e a busca de soluções possíveis com os recursos de que dispomos, sem empréstimos, mas com muito trabalho, menos desperdício e aumento da poupança para investimentos em setores essenciais.

Os romanos diziam, com propriedade, que o crédito é o dinheiro dos escravos. Temos que nos esforçar para deixarmos de ser escravos. Recentemente, a prestigiosa revista The Economist alertou, em editorial, em junho de 2021, que “o governo brasileiro (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve servir ao público, e não se servir com privilégios insustentáveis para os trabalhadores do setor público. Os políticos brasileiros têm tantos privilégios que somente 3% da população confia no Congresso. O próximo governo deve combater a corrupção e evitar desperdícios do setor público, além da reforma eleitoral e sistema partidário”.

Alguém pode discordar dessa análise?

Temos tudo para ser um país desenvolvido, credor, com segurança física e jurídica, motivo de orgulho. Somos um povo sem radica[1]lismo religioso e sem racismo porque somos um dos povos mais miscigenados do mundo.

Estamos todos escrevendo um maravilhoso capítulo de convívio de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, somos todos irmãos.

Concluindo, entre tantos temas relevantes, a reforma administrativa do setor público é a mais importante, porque o seu custo passou a ser insuportável para nossa economia. Deverá ser profunda, como se o nosso país estivesse em guerra, quando o sacrifício deve ser de toda população. Nas grandes crises, muitos países emergiram para um longo período de prosperidade. Não tenho dúvida de que estamos vivendo uma grande crise, daí a oportunidade para corrigir graves distorções.

Fim de privilégios, das generosas pensões, aposentadorias e da estabilidade do setor público, além de uma drástica redução da carga tributária, para viabilizar a reindustrialização e investir com recursos próprios na infraestrutura, criando os tão necessários empregos. Para resolver urgentemente os nossos problemas, com base nos números e com o pragmatismo dos engenheiros, orientando os nossos líderes.

Têm a palavra os senhores engenheiros.

Como bacharel, jogo a toalha.

*Shigeaki Ueki é presidente do Conselho de Curadores da Fecap (fundada em 1902), primeira Escola de Comércio do Brasil. Ex-assessor do ministro Paulo Egydio Martins, no governo Castello Branco, também foi diretor da Petrobras no governo Médici, ex-ministro de Minas e Energia, no governo Geisel, e ex-presidente da Petrobras, no governo Figueiredo. Recebeu o título Top Ethanol (2010) da Única e Título Homem do Petróleo (1996) do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP)

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