Cheia recorde do Guaíba inunda aeroporto e deixa milhares sem água
Quatro das 6 estações de tratamento de água da capital gaúcha estão paradas; prefeito pede que moradores da zona norte deixem casas
Por Renata Okumura, Sabrina Legramandi, Luciano Nagel, Iander Porcella, Eduardo Amaral, Juliana Domingos Lima, O Estado de S. Paulo, 05/05/2024
Com os temporais que atingem o Rio Grande do Sul, que até ontem haviam causado 55 mortes – e outras 7 em investigação – e deixado 74 desaparecidos, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), destacou ontem preocupação com falta d’água na cidade. Das seis estações de tratamento de água do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) da capital gaúcha, quatro estão com operações suspensas. No bairro Sarandi, zona norte da cidade, um dique que represa o Rio Gravataí começou a transbordar, e o vazamento fez o prefeito recomendar aos moradores que corressem para deixar a região.
“Hoje (ontem) pela manhã, começou o vazamento por cima do dique. Por isso, quero convidá-los a aceitar, a sair de suas residências e vir para os abrigos da prefeitura, porque bens materiais, a gente pode perder, a vida não volta mais”, apelou Melo nas redes sociais.
Porto Alegre ainda enfrenta blecautes – 54 mil moradores sem luz, segundo balanço da CEEE Equatorial pela manhã –, tem acessos bloqueados e as operações do Aeroporto Salgado Filho foram suspensas.
O prefeito pediu ainda aos moradores das áreas vizinhas à Arena do Grêmio, na zona norte, que deixassem suas residências devido à cheia do Rio Guaíba, que superou o nível de 5 metros (a cota de inundação é de 3 metros). É a maior marca já registrada na capital gaúcha, superando a cheia histórica de 1941, com 4,76 metros.
Na Grande Porto Alegre, o Hospital de Pronto Socorro de Canoas foi evacuado por causa da inundação que atingiu a cidade ontem. “A prioridade no Hospital de Pronto Socorro de Canoas é salvar vidas e transferir todos os pacientes com segurança”, informou o órgão nas redes sociais. Na quinta, o hospital de Três Coroas também havia sido interditado.
‘PLANO MARSHALL’. O governador Eduardo Leite (PSDB) disse, no início da noite, que o Estado precisará de medidas extraordinárias de reconstrução, com apoio de todo tipo, sem diferenças políticas. “A gente vai precisar de uma espécie de Plano Marshall de reconstrução”, disse, referindo-se ao plano de apoio capitaneado pelos EUA para reerguer a Europa ocidental ao término da Segunda Guerra Mundial. “Quem já foi vítima da tragédia não pode ser vítima depois da desassistência.”
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltará ao Rio Grande do Sul hoje para acompanhar as medidas contra enchentes no Estado. Ele estará acompanhado de nove ministros e visitará Porto Alegre. O Planalto pedirá aos governadores que centralizem em suas unidades do Corpo de Bombeiros doações para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Segundo a assessoria do ministro da Casa Civil, Rui Costa, o assunto foi debatido ontem em Brasília. O governo quer, dessa forma, agilizar a chegada de insumos ao Rio Grande do Sul. Depois da centralização e triagem das doações nos Estados, os itens serão encaminhados para as bases aéreas do Galeão, no Rio de Janeiro, e de Guarulhos, em São Paulo.
Segundo o Planalto, 92 mil cestas básicas foram disponibilizadas para o Estado, e o efetivo de quase mil militares das Forças Armadas que atuam na região já realizou 9.749 resgates. Na reunião, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que 11 dos 12 aeroportos do Estado estão em operação. Segundo ele, a expectativa é de que o Aeroporto Salgado Filho reabra nesta segunda-feira.
‘NÃO DÁ PARA DESPERDIÇAR’. Segundo o prefeito de Porto Alegre, a estação de tratamento de água do Dmae de Ilhas (Ilha da Pintada) parou de operar, afetando gravemente a área do Arquipélago. As estações Moinhos de Vento, São João e Tristeza, que afetam 66 bairros, já tinham tido o funcionamento interrompido pela gestão municipal. Ontem, Só as estações Menino de Deus e Belém Novo funcionavam. “É fundamental que não haja desperdício de água. Não dá para desperdiçar um copo de água, neste momento. Tem milhares de pessoas que não têm caixas d’água na cidade. É quase uma determinação do prefeito. Teremos um problema sério de água. Estamos trabalhando fortemente para recuperar a situação, mas, quando o rio está muito para cima, você não consegue fazer o tratamento da água.”
Na zona norte, abastecida pela estação São João, há relatos de falta de água, segundo Maurício Loss, diretor geral do Dmae. “Estamos tentando isolar um pouco as bombas para que a gente consiga religar principalmente a estação de São João.”
Em todo o Estado, até ontem, os temporais deixaram 860.952 endereços sem abastecimento de água, segundo a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O número representa 28% do total de clientes no Rio Grande do Sul. Já a falta de energia elétrica chega a 350 mil pontos, sendo 296 mil deles relativos a clientes da RGE Sul (9,5% do total) e 54 mil da CEEE Equatorial (3% do total).
O serviço de internet e telefonia está prejudicado em 63 cidades atendidos pela Tim, 46 pela Vivo e 19 pela Claro. No total, 300 dos 497 municípios gaúchos são afetados pelos temporais. Há 9.581 desabrigados e 32.640 desalojados.
15 SOTERRADOS. Prefeito de Roca Sales, na região do Rio Taquari, Amilton Fontana (MDB) disse na noite de sexta que 15 pessoas estão soterradas em diferentes bairros da cidade, uma das mais afetadas pelas chuvas. A cidade, de cerca de 11,5 mil habitantes, enfrenta dificuldades de comunicação, acesso a serviços básicos e falta de equipamentos de socorro. No Taquari também há cheia histórica.
“Essa informação foi repassada por vizinhos. Tem pessoas em Três Pinheiros, no Pinheirinho, na Serrinha, que estão soterradas e a gente precisa fazer o resgate”, ressaltou Fontana, no Instagram. “Roca Sales vive um caos. Roca Sales foi praticamente destruída novamente”, disse o prefeito, referindo-se às enchentes de 2023, durante a passagem de um ciclone.
Diversas áreas ficaram ilhadas no Estado, com dificuldade de acesso terrestre e até de resgate por aeronave. O rompimento de barragens – como uma estrutura perto de Bento Gonçalves – também ameaça municípios em várias regiões.
PARANÁ E SANTA CATARINA.
Um casal de idosos morreu na sexta, arrastado pela enxurrada durante forte chuva na cidade de Bela Vista da Caroba, no sudoeste do Paraná. O homem, de 69 anos, e a mulher, de 65, tentavam atravessar a ponte sobre um córrego na localidade de Lajeado Bonito, mas o veículo foi levado pelas águas. O sudoeste paranaense tem sido atingido pelas chuvas, que avançam pelo Sul após castigar o Rio Grande do Sul. Em Capinzal, Santa Catarina, o motorista escolar Leomar Ribas salvou a vida de dez estudantes na quinta, após o veículo que dirigia ser invadido pela água em uma enxurrada. O ônibus transitava na área rural do município, quando a água começou a subir. O motorista parou próximo a um local elevado, e guiou os aslunos, com idades entre 12 e 15 anos, para a saída de emergência no teto.
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