‘Crise expôs a falta de liderança do País’, diz idealizador do Brazil Conference
Para cientista político, Brasil precisa saber como quer ‘desenvolver, liderar e projetar os seus interesses na região’
Entrevista com Hussein Kalout
Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo – 21 de abril de 2020 | 05h00
No momento em que a pandemia do novo coronavírus avança no mundo e no Brasil, é fundamental discutir os desafios sociais, econômicos e políticos que a covid-19 impõe ao País. A avaliação é do cientista político Hussein Kalout, pesquisador da Universidade de Harvard e um dos idealizadores da Brazil Conference at Harvard & MIT, plataforma que reúne lideranças de diferentes segmentos da sociedade e de distintos matizes ideológicos para debater soluções para os desafios do País.
Neste ano, na sexta edição da Brazil Conference, os painéis online ocorrem a partir desta quarta-feira, 22, até o início de maio, e serão transmitidos pelo YouTube. Na programação, estão nomes como o prêmio Nobel de Economia em 2019, Michael Kremer.
O evento é realizado anualmente pela comunidade brasileira de estudantes em Boston, nos Estados Unidos. Pela primeira vez, ele será por videoconferência – por causa da pandemia – e terá parceria do Estado, que fará a cobertura completa e exclusiva em suas plataformas.
Qual a importância de reunir figuras de peso para discutir os desafios do Brasil?
Debater os rumos do Brasil é um imperativo. Apesar das possíveis dissonâncias de visões que existam, há denominadores mínimos que unem todos. É preciso fazer um diagnóstico do presente e pensar os caminhos do futuro em nome da democracia e do Brasil.
Como a pandemia do novo coronavírus impacta as discussões da conferência?
A ausência de liderança do Brasil ficou plenamente exposta a partir dessa crise. A conduta de algumas autoridades tem sido contra o consenso científico internacional. Isso nos coloca diante de um cenário de incerteza.
Quais as consequências dessa conduta para o futuro?
O Brasil não tem sido capaz de liderar. A interpretação que se faz é de que o Brasil não tem apreço pela sua região como tem por outras regiões do mundo. É um vácuo que se deixa, independentemente de quaisquer circunstâncias. Hoje, o Brasil se tornou nesse momento um país que não prima por ser um bom exemplo. A política do confronto e do negacionismo nada agregam aos interesses estratégicos do país. Apenas servem para alimentar uma faminta e ignorante bolha ilusória e criar inimigos imaginários. O Brasil está entre a insensatez e a cegueira ideológica quando o que mais precisamos é de racionalidade e de espírito público. O Estado brasileiro nunca tinha experimentado um anacronismo tão flagrante de liderança.
Em que dimensão isso afeta as relações internacionais?
A política externa brasileira precisa ser totalmente reconfigurada. O país obliterou a sua capacidade de operar nos principais tabuleiros internacionais. Precisamos restaurar a nossa influência na América do Sul. O Brasil precisa saber como quer desenvolver, liderar e projetar os seus interesses na região. E hoje isso não está claro. Pelo contrário, o cenário é de abandono. No fundo, estamos à deriva. O Brasil não é visto mais como ator proponente de soluções, mas de um país gerador de animosidades e de conflitos. O Brasil está carente de uma visão estratégica integrada, coesa e focada nos grandes objetivos nacionais.
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