‘É muito cedo ainda para falar em mudar meta’
Para economista, regra do teto de gastos tem condições de lidar com a necessidade de mais recursos
O Estado de S. Paulo – 14 Mar 2020 – Adriana Fernandes / BRASÍLIA
A ex-secretária do Tesouro Nacional Ana Paula Vescovi avalia que ainda é cedo para o governo pensar em mudar a meta fiscal das contas públicas. Vescovi, que é hoje economista-chefe do Santander, diz que é preciso o Brasil manter a âncora fiscal da economia para o Brasil não sair mais desorganizado da crise. “É muito cedo ainda em falar de mudar a meta. Se for necessário lá na frente, tem que ser bem comunicado.”
- Como vê a reação do governo à crise do coronavírus na economia?
A crise é grave, mas temos que assegurar durante esse processo de contingências os nossos fundamentos macroeconômicos. Quando a gente sair da crise, não podemos ter um problema adicional, que provavelmente vai ter uma solução muito mais demorada. Eu me refiro à questão fiscal. Estamos entrando na crise ainda não organizados e não resolvidos em termos do ajuste fiscal. Antes de termos conseguido completar a nossa consolidação fiscal que foi combinada por meio de algumas instituições, como a regra do teto. Estamos na metade do caminho.
- A mudança da meta tem sido defendida por parte da equipe econômica. Qual a sua opinião?
É muito cedo ainda para falar em mudar a meta. Se for necessário lá na frente, tem que ser bem comunicado. Tem que ter indicadores mais concretos do que temos hoje e qual é o espaço que se terá que ajustar. Nesse caso, sendo bem comunicado, tendo todo um caráter temporário, é um instrumento que existe: poder mudar a meta.
- Qual o risco de mudar a meta agora? Abrir espaço para maior gasto?
Poder dispersar o esforço que deveria estar totalmente concentrado numa contingência sanitária. Estamos falando de uma crise bem diferente.
- Poderá ser necessário atender setores específicos com desoneração para empresas mais afetadas, como as áreas?
Ser for necessário. Não tenho todos os elementos para analisar as condições setoriais, que seja feito via subvenção (subsídio), gasto orçamentário dire- to, transparente, sem ter redução de tributo. Para isso, teria de aumentar tributo em outra ponta. É uma saída, mas não ve- jo espaço. É mais complicado.
- Mas subvenção pode ficar fora do teto?
Se for algo emergencial, temporário, associado à crise, bem justificado, também pode ficar no modelo do crédito extraordinário. Como foi feito no subsídio ao diesel para acabar com a greve dos caminhoneiros. Tem início, meio e fim. Tem uma operacionalidade complexa, mas é algo transparente e passível de ser monitorado e com uma temporalidade bem marcada.
- A sra. teme pelo futuro das contas públicas?
Esse momento de grande incerteza e instabilidade suscita uma série de discussões que vão trazer pressões para o lado fiscal. Eu já vejo muitas de pessoas que a regra do teto vai incomodar, que Lei de Responsa- bilidade Fiscal (LRF) vai inco- modar e sou absolutamente contra. Por quê? A crise vai pas- sar e a nossa macroeconomia vai ficar desestruturada. O Bra- sil vai criar outra crise. Temos que cuidar das pessoas, mas temos que sair da crise organiza- dos.
- Para cumprir a meta fiscal atual, o governo terá que fazer um bloqueio. Isso não atrapalha os recursos para atender a demanda da crise?
Por que desse bloqueio? Insuficiência de recursos, diante das despesas previstas no Orça- mento. Cabe a área técnica en- contra a saída e tem um diálo- go aberto com o Congresso.
- Qual o principal projeto a ser aprovado agora para dar alívio ao bloqueio?
Uma coisa que vai impactar o bloqueio é a retirada da receita de privatização da Eletrobrás. É um recurso muito importan- te nesse momento.
ARTIGO278