Em Lula 3, Legislativo protagoniza 70% das leis
Carlos Pereira, O Estado de S. Paulo, 06/01/2024
O Congresso era o maior legislador do Brasil no período democrático de 1946 até o golpe de 1964. O presidente, constitucionalmente fraco em ambiente multipartidário, não conseguia ser atraente o suficiente para montar e gerir maiorias legislativas. Crises de governabilidade e paralisia decisória geravam instabilidades e tensões quase que permanentes à democracia.
A partir da ditadura militar, o Executivo, como era de se esperar em regimes autoritários, se fortaleceu com uma série de dispositivos unilaterais de governo, passando assim a ser o maior legislador. A despeito da volta da democracia em 1985, o padrão caracterizado pela preponderância do Legislativo do período democrático anterior não retornou. Na realidade, o Executivo não apenas continuou a ser o principal legislador, mas também o protagonista no jogo com o Congresso, que passou a ter um papel eminentemente reativo ao presidente.
No entanto, a partir de 2018, o Legislativo (soma de Câmara e Senado) ultrapassou o Executivo no número de iniciativas legislativas que se transformaram em leis. A única exceção foi 2020, primeiro ano da pandemia.
O mais surpreendente no período foi o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, quando o Executivo só conseguiu ser o autor de 24% (64 iniciativas) de todas as 263 leis que foram promulgadas. Esseéo porcentual mais baixo da série histórica. Por outro lado, o Legislativo iniciou 70% (183 iniciativas: Câmara 53% e Senado 17% ) de todas as leis o que foram promulgadas.
Vários elementos institucionais e políticos contribuíram para esta mudança drástica. A impositividade das emendas individuais e coletivas certamente teve um peso importante.
Mas o Executivo possui várias outras moedas de troca extremamente valiosas.
Ainda é muito cedo para saber se esse será o novo padrão das relações entre o Executivo eo Legislativo. Oim portante é indagar se uma preponderância do Legislativo no processo decisório interessaria ou não ao governo e se isso acarretaria potenciais problemas de governabilidade.
Apesar da clara preponderância do Legislativo, o governo Lula não tem se mostrado, até o momento, vulnerável, a despeito do alto custo de governabilidade de sua supercoalizão de 16 partidos heterogêneos. Se o Legislativo está atuando em conformidade com os interesses do Executivo e não como adversário do presidente, o protagonismo dos legisladores não necessariamente vai gerar graves entraves para o funcionamento do presidencialismo multipartidário e para a democracia.
ARTIGO981