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‘Empresas vão carregar fardo até 2038, mas País será mais competitivo’

Tributarista afirma que modelo aprovado é moderno e vai acabar com a guerra fiscal

Por Cleide Silva, O Estado de S. Paulo, 06/07/2024

Advogado, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, atua há mais de 25 anos na consultoria tributária de grandes empresas

“Nos próximos anos, as empresas terão de se ajustar na questão da logística porque a guerra fiscal vai acabar e, provavelmente, elas vão ter ganho de escala e redução de custos”

Próximo do prazo estipulado para a votação do projeto de lei complementar da reforma tributária, muitos temas seguem pendentes. Entre eles está o da criação de um tribunal específico para julgar contenciosos que devem surgir principalmente no período de transição do atual sistema para o novo, que estabelece o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual.

“Se forem mantidos os tribunais de hoje, pode ser que ocorram decisões discrepantes sobre um mesmo tema, o que vai ser muito ruim para a consolidação dessa legislação”, diz Tércio Chiavassa, sócio e coordenador da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Especialista na área de Direito Processual, Chiavassa também avalia que, em razão do convívio das duas formas de cobrança de tributos durante o período de transição, será possível a autuação de empresas para além dos sete anos previstos para a implementação total do novo sistema tributário. “As empresas vão carregar esse fardo até 2038, quando o sistema anterior morre de verdade”, explica. Ainda assim, ele vê a reforma como positiva. “Com as mudanças, o Brasil se tornará mais competitivo”, afirma.

Qual sua avaliação sobre o texto da reforma tributária?

A reforma tributária está na pauta há muitos anos. Desde que entrei no escritório, há 31 anos, ouço falar que vai ter uma reforma, mas acho que desta vez ela amadureceu. Nos últimos dois anos, o Congresso permitiu que houvesse uma discussão mais aprofundada sobre o tema, e projetos foram fundidos. Embora o projeto original não fosse esse, chegou-se ao chamado IVA Dual (Imposto sobre Valor Agregado), que é a soma do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que vai substituir o imposto estadual ICMS e o municipal ISS) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, que substituirá os tributos federais PIS e Cofins).

O que muda para os contribuintes?

Essa reforma tem o que chamamos de neutralidade. O objetivo é tentar fazer com que se tenha uma cadeia de consumo com oneração apenas na ponta, ou seja, do início até chegar ao consumidor final vai ter uma neutralidade tributária para tentar fazer com que a carga diminua, o que nos parece viável. O coração dessa reforma é o split payment, modelo que vai permitir o recolhimento instantâneo dos tributos em pagamentos eletrônicos. Se tudo der certo, já começaremos a ter uma carga tributária menor em 2026 (quando tem início o período de transição do modelo atual para o IVA Dual, com implementação total até 2033). Estudos indicam para uma alíquota de 26,5% mas, à medida que a sonegação diminuir, poderemos ver alíquotas menores, o que será muito bom para a população e para as empresas. Hoje, a sonegação é de 20% a 25% e tende a cair para menos de 10% (em relação ao que é devido).

Alguns setores reclamam de aumento de custos, por exemplo para manter duas equipes de trabalho, uma para lidar com o modelo atual de tributação e outra com o novo modelo.

Não há dúvida de que num primeiro momento haverá aumento de custo de compliance para as empresas. No caso do IBS, o prazo se inicia em 2026 e, quando terminar, em 2033, ainda poderá haver autuações em relação ao recolhimento pelo modelo atual, pois a fiscalização é válida até cinco anos após o pagamento. É possível, então, que as empresas carreguem esse fardo até 2038, quando ainda poderão ser fiscalizadas em relação aos anos anteriores. O sistema anterior morre de verdade só em 2038. Hoje se perdem muitos dias por ano só fazendo o compliance tributário, e isso também vai mudar. E estamos falando só da parte da reforma que envolve o consumo, mas ainda terá a parte da folha de salários e da renda, que também oneram demais as empresas.

Após mais de 30 anos de discussão, essa reforma está alinhada com o que o País precisa hoje?

Realmente demorou demais, mas por outro lado este é um modelo bastante moderno pensando na comparação com IVAs que temos em outros lugares do mundo. Nos parece que o modelo é positivo e, para quem esperou todo esse tempo, vale esperar um pouco mais para essa transição. Falase em sete anos, mas a CBS estará plenamente funcionando em três anos. O IBS vai demorar um pouco mais porque estamos falando de mais de 5 mil municípios, cada um hoje com legislação própria, e nessa parte vamos ter uma evolução tremenda. Além de mais fácil, o cenário será mais justo. Nos próximos anos, as empresas terão de se ajustar na questão da logística porque a guerra fiscal vai acabar e, provavelmente, elas vão ter ganho de escala e redução de custos. Com as mudanças, o Brasil se tornará mais competitivo.

A guerra fiscal acaba mesmo?

Não há dúvida de que acaba. É claro que vamos ter de acompanhar, neste período de aprovação dos projetos de lei, se haverá ou não exceções. Como a tributação ocorrerá no destino, haverá uma repartição da receita entre os entes federativos. A guerra fiscal incomodou muito nos últimos anos, era um problema enorme principalmente com o ICMS, mas também com o ISS. Isso fez com que nos últimos anos tivéssemos inúmeras batalhas judiciais e até hoje há pendências no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça.

A perspectiva é de redução de ações na Justiça envolvendo questões tributárias. O sr. acredita nisso?

Ainda aguardamos o projeto de lei já encaminhado ao Congresso para a criação do Comitê Gestor do IBS e possíveis leis que vão tratar da existência de um tribunal para lidar com questões do IVA Dual. Ele seria composto por juízes de tribunais estaduais e federais e voltado especificamente para essas discussões, o que vemos com bons olhos. Se forem mantidos os tribunais de hoje, pode ser que ocorram decisões discrepantes sobre um mesmo tema, o que vai ser muito ruim para a consolidação dessa legislação. É algo que ainda não apareceu no Congresso, mas esperamos que surja em breve. Esperamos realmente que o tribunal seja criado porque fecharíamos o ciclo e teríamos menos discussões judiciais sobre o tema.

Do que está mais adiantado no projeto, quais pontos podem gerar mais judicialização? Já há setores pedindo equidade de alíquotas ou para ficar de fora da lista de bens sujeitos ao imposto seletivo, por exemplo.

Claro que estamos vendo um embate em várias categorias tentando garantir uma redução na carga ou que não haja um aumento da carga atual. A reforma tem de observar os princípios da Emenda Constitucional 132, do ano passado, que vão orientar todo o sistema tributário nacional. Um deles é o da justiça tributária, cujo conteúdo ainda vai ser interpretado pelos tribunais. Vamos supor que venha um Imposto Seletivo sobre mineração. Dentro desses princípios de justiça tributária, o setor poderá questionar se é correto ser mais agravado que outro. Não tenho dúvidas de que há possibilidades de discussão desses termos no Judiciário. E é bom lembrar que estamos num momento em que o Judiciário, tanto o STJ, quanto o Supremo, estão mais alinhados aos interesses do governo. Não sabemos como vai ser o termômetro quando essas discussões surgirem, provavelmente não de imediato, mas durante o próximo governo.

Qual sua opinião sobre o Imposto Seletivo?

É uma nova forma de onerar mais os setores que prejudicam o meio ambiente e a saúde. Sem dúvida existe um mérito nisso, mas acho que terá de ser muito bem calibrado para não inviabilizar determinados setores, como os de mineração, bebidas. Acho que as próprias empresas desses setores também estão devolvendo para a população de outra forma, pois são grandes empregadoras. Assim, ao mesmo tempo que há um determinado interesse de um lado, há o interesse na preservação do emprego, pois não queremos acabar no caos social. Por isso tem de ser feito com inteligência, não de forma afobada com base meramente em ideologia.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, estabeleceu prazo até o dia 11 para a votação do projeto de lei complementar da reforma, uma semana do recesso parlamentar. O sr. acredita que vai dar tempo?

A sensação pessoal é de que o Lira está muito otimista, pois, como tudo, se acontecer vai ser no último momento, com pressão forte. Eu diria que, no cenário atual, o termômetro é de que a chance é de 50%-50%, mas vejo muita gente apostando que, se deixar para o segundo semestre, vai acabar ficando para 2025 por causa das eleições municipais.

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