Artigos

Ensino técnico ‘significa emprego’, diz Luciana Ribeiro

Experiência com escolas profissionalizantes durante a pandemia leva grupo a expandir oferta de vagas

Valor Econômico, Marcos de Moura e Souza, 24/11/2022

Durante o período mais agudo da pandemia, a advogada Luciana Antonini Ribeiro liderou uma captação junto a investidores de quase R$ 200 milhões para um negócio que naquele momento se mostrava essencial: a formação de profissionais técnicos da área de saúde.

Iniciados em novembro de 2020, os investimentos em sete escolas técnicas em São Paulo e em Minas Gerais deram resultado e hoje o grupo Proz tem 24 escolas nos dois Estados e planos para mais 20 em 2023. A Proz se apresenta como um dos maiores grupos privados de educação técnica do país.

Luciana é sócia de Pedro Parente e de Eduardo Sirotsky Melzer na EB Capital, a gestora que é responsável pela operação da Proz. E a partir da experiência com esse segmento da educação, ela diz não ter dúvidas de que o caminho para o aumento da produtividade e da empregabilidade no país passa pela expansão do número de profissionais técnicos.

O Brasil tem hoje cerca de 6 mil escolas privadas que oferecem ensino técnico profissionalizante. Cerca de 5 mil delas são escolas com no máximo 250 alunos. A Proz, segundo Luciana, provê formação técnica para cerca de 30 mil alunos.

Ao todos, cerca de 2 milhões de estudantes estão hoje em instituições privadas de ensino técnico do país.

Luciana afirma que a demanda é muito maior e que alguns segmentos deveriam ser privilegiados diante da necessidade urgente de profissionais em alguns setores críticos.

Entre eles, os setores de tecnologia de saúde, de técnicos para o agronegócio, da indústria tradicional. Além dessas, uma área que ela entende como chave e na qual Brasil poderá avançar muito nos próximos anos: a da transição para uma economia verde.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Valor: Quais seriam os efeitos para a economia se o Brasil ampliasse de forma significativa o número de profissionais formados no ensino técnico?

Luciana Antonini Ribeiro: Eu não tenho nenhuma dúvida: o país teria uma melhoria em sua produtividade. Não só isso: a gente teria desenvolvimento de atividades que hoje a gente não tem. O caminho para o desenvolvimento do país passa pela educação técnica profissionalizante. É parar de olhar o diploma como se fosse a única salvação da lavoura e olhar de fato para educação técnica como aquilo que vai nos tirar do estágio atual, que vai aumentar PIB, que vai fazer com que a gente tenha melhor produtividade, que vai fazer darmos um passo à frente.

 

Valor: Mais profissionais técnicos significaria também menos desemprego?

Luciana: Educação técnica significa uma coisa: emprego. Precisa significar emprego, e emprego continuado. Não adianta a pessoa entrar em uma determinada vaga e por falta de qualificação profissional ou por falta de condições socioemocionais ficar dois ou três meses e sair do emprego. Isso não adianta.

Então, a primeira coisa que é importante deixar claro é: educação técnica não é igual a diploma. É óbvio que você recebe um diploma no final na maior parte dos casos, mas educação técnica para ter impacto em termos de produtividade e emprego dos jovens precisa significar empregabilidade e qualidade. A gente deveria medir sempre o sucesso da educação técnica a partir da quantidade de jovens que foi de fato empregada.

Esse foi um dos problemas do Pronatec. Não se mediu nem qualidade nem empregabilidade, e o programa, por diversos motivos, acabou não dando certo. Mas essa é a chave da educação técnica, na minha opinião: garantir emprego. Quando a gente olha para exemplos como os de Alemanha, Suíça, Japão, Coreia do Sul, todos eles têm algo em comum, que é a fortaleza da educação técnica profissionalizante mirando emprego da juventude em atividades que são importantes para o país, conectando essa formação com as demandas das indústrias e dos serviços de cada região.

 

Valor: Uma maior ampliação do número de profissionais com ensino superior não daria conta do gap de produtividade do país?

Luciana: Não porque você tem demanda por profissões técnicas. E veja os exemplos da Alemanha, da Suíça, do Japão. Algumas atividades são técnicas e precisam de técnicos. E são dois anos do curso técnico com olhar muito direto para a empregabilidade. O ensino superior não tem necessariamente esse olhar tão direto para a empregabilidade. Não é melhor nem pior, cada um tem o seu caminho.

Na Suíça e na Alemanha mais de dois terços dos alunos que saem do ensino médio vão para o ensino técnico.

Eu acho que a gente ficou aqui no Brasil muito na ideia de que o ensino superior é o Olimpo, mas o ensino técnico pode ser extremamente positivo, pode representar para a vida dessas pessoas uma transição fundamental e ser algo fundamental para a produtividade brasileira.

 

Valor: A percepção no Brasil a respeito do ensino técnico mudou?

Luciana: No Brasil, aproximadamente 8% dois jovens que saem do ensino médio vão para o técnico e a média nos países da OCDE é de 42%. Nós estamos na rabeira até quando a comparação é com países da América Latina. O Brasil tem o percentual de alunos no ensino técnico muito baixo. Isso se deve claramente à falta de valorização do ensino técnico durante muitos anos, seja pelas políticas públicas, seja também pelos empregadores que não viam de fato o valor do ensino técnico profissionalizante. Então, a gente tem hoje um contingente muito baixo de pessoas migrando para o técnico.

Mas nos últimos anos mudaram algumas coisas. Primeiro, há uma percepção muito clara por parte do empresariado de que o país não aproveitou o boom demográfico para aumentar a sua produtividade. Ao contrário. E esse boom demográfico foi mal explorado e bateu com a pandemia, o que significa dizer que provavelmente a população que representava o boom demográfico vai ser mais pobre do que os seus pais. Uma série de estudos nos Estados Unidos mostra que jovens que passaram por uma ou duas crises durante o seu período escolar dificilmente conseguem vencer esse gap de conhecimento. Então temos um grande problema aqui: não é pelo aumento da população que vamos melhorar a produtividade. Precisa ser pela qualificação profissional.

Nos últimos anos, eu acho que caiu a ficha para a sociedade de uma forma geral de que a situação do profissional técnico pode, sim, representar produtividade em escala e garantir emprego e melhoria de vida social para jovens que hoje estão sem uma perspectiva clara de futuro.

Acho que hoje tem uma percepção muito mais evidente da relevância do ensino técnico.

 

Valor: Quais são algumas áreas em que a demanda por técnicos é mais aquecida?

Luciana: O Brasil se deu conta de que a gente tem falta de profissionais qualificados em todas as áreas. A gente costuma falar sempre muito de tecnologia como uma área na qual faltam técnicos. Mas essa é a realidade em todas as atividades. Um exemplo: o número de técnicos de enfermagem que temos no Brasil é sete vezes menor do que o que existe nos Estados Unidos. Temos o mesmo “ratio” de médicos por habitantes que os Estados Unidos têm, mas o “ratio” de técnicos de enfermagem é sete vezes menor.

Algumas atividades são “cross”. A demanda por ensino profissionalizante em tecnologia é “cross”, do Oiapoque ao Chuí. Saúde é outro curso que é “cross”, não importa onde você esteja, existe demanda.

Quando a gente fala do agronegócio existe uma demanda imensa por profissionais. O agronegócio brasileiro é cada vez mais tecnológico – seja se você está no trator, seja se você está administrando a fazenda – e você precisa de pessoas com qualificação técnica para essa atividade.

E olhando para a transição verde da economia, eu sei de empresas que, por falta de identificar no mercado profissionais com capacidade de trabalhar com turbinas eólicas, com painéis solares, hoje têm programas de formação desses profissionais. Tem uma demanda imensa. Toda essa parte de transição verde para aonde estamos caminhando precisa de gente para implementá-la. Não adianta a gente pensar genericamente. É preciso de técnicos.

 

Valor: O Brasil começou neste ano a oferecer ensino técnico junto com o ensino médio. Como você tem visto esse início?

Luciana: Outra questão que foi fundamental foi a mudança da legislação do ensino médio por meio da qual se passou a ter a trilha do técnico acoplada ao ensino médio das escolas públicas. Ou seja, os alunos podem fazer o médio técnico concomitantemente. Isso é bacana. Lembrando que 85% dos alunos do ensino médio estão no ensino público.

Uma pesquisa recente do Datafolha e Todos Pela Educação mostra que 65% dos alunos entrevistados querem ir para a faculdade e 22% querem ir para o técnico e quase 100% dos alunos gostariam que o ensino médio os preparasse para o mercado de trabalho. Então, hoje os Estados já atuam diretamente trazendo trilhas de ensino técnico dentro das escolas.

 

Valor: Ainda que este ano tenha sido apenas o primeiro ano desse novo ensino médio…

Luciana: Mas o caminho está dado. São Paulo, Minas Gerais têm feito um trabalho muito bom, e outros e Estados estão indo na mesma direção. Então, já tem um movimento importante dos Estados no sentido de trazer o ensino técnico para dentro do ensino médio. Estamos em um cenário positivo, estou esperançosa. Agora, além dos dois cuidados – qualidade e empregabilidade -, outra coisa importante: é necessário entender onde estão as demandas de cada região. Em países onde ensino técnico é muito desenvolvido e funciona muito bem para produtividade, e Alemanha e Suíça são casos bem exemplares, há uma conexão muito grande entre a demanda dos serviços e das indústrias daquela região com os profissionais que estão sendo formados.

 

Valor: Nos dois primeiros mandatos de Lula houve uma ênfase na ampliação nas políticas de acesso ao acesso ensino superior. Agora o novo governo deve girar a chave para dar mais ênfase ao ensino técnico?

Luciana: A mudança de chave já está dada [principalmente na esfera dos Estados, que são os que mais ofertam ensino médio no país]. Se o governo federal quiser de alguma maneira participar desse ambiente, é importante que as coisas sejam concatenadas. E acima de tudo não adianta a gente despejar dinheiro no ensino técnico se não tiver qualidade e empregabilidade. Porque nesse caso de nada adianta ter um diploma. Você precisa garantir que esses jovens, se eles quiserem, possam ser empregados a partir das habilidades que ele passou a ter.

O ensino técnico tem que ser sinônimo de emprego e, se a gente não encarar com muita clareza que o ensino técnico precisa gerar emprego para os jovens no final, nós vamos ter um ciclo de recursos que vão ser investidos nesse programa e que vão dar em nada. Então a gente precisa garantir de fato que o emprego esteja no final e isso se garante com qualidade, isso se garante com estágio.

ARTIGO 898

Print Friendly, PDF & Email

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *