Epidemia não deve ficar só na mão de cientistas
O Estado de S. Paulo – 3 May 2020
É COLUNISTA FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
Ignorância de Trump faz dos especialistas sumidades, mas eles erram; escolhas devem ser feitas também com base em economia, política e ética
Para todos que assistem com terror crescente ao presidente Donald Trump oferecer uma série de ideias incompletas e palpites sobre como lidar, tratar e curar a covid-19, a solução parece óbvia: siga o que a ciência diz. Os detratores de Trump adotaram esse mantra.
Mas o que isso significa? Afinal, foi o médico Anthony Fauci quem inicialmente minimizou os perigos do coronavírus. Em 26 de janeiro, por exemplo, ele disse: “É muito, muito baixo o risco para os Estados Unidos… Não é algo com que o povo americano tenha que se preocupar ou ficar assustado”. Poucos dias depois, o secretário de Saúde e Serviços Humanos, Alex Azar, disse: “O risco de infecção para os americanos permanece baixo”. Para ser justo, ele apenas refletia a visão das autoridades de saúde pública do governo.
Ao mesmo tempo, Peter Navarro, alguém que não é cientista, e observava os mesmos dados da China, alertou em 29 de janeiro, em um memorando sobre “o risco de o coronavírus evoluir para uma pandemia, colocando em risco a vida de milhões de americanos” e pediu “ação agressiva”. Parece que o leigo estava certo e os cientistas, errados.
A realidade é que a ciência não fornece uma resposta simples. Fauci chegou a uma conclusão razoável, dada a evidência inicial. À medida que a evidência mudou, ele mudou de ideia.
Há certas áreas de estudo – mudança climática, por exemplo – em que os cientistas têm pesquisado há décadas, coletado montanhas de dados, publicado estudos revisados por pares e chegado a um consenso. A covid-19 é totalmente diferente. É um fenômeno com apenas quatro meses e pouca pesquisa.
Em um excelente artigo sobre a pandemia, publicado na semana passada em seu blog, Bill Gates dedica parte do texto a “várias coisas importantes que ainda não entendemos”. Um exemplo: por que os jovens tendem a se sair muito melhor com a doença? A resposta nos ajudaria a decidir quanto tempo e sob quais condições reabrir as escolas. Outras perguntas: Quais atividades aumentam a probabilidade de infecções? O clima afeta a propagação do vírus?
À medida que avançamos no processo de confinamento e reabertura de serviços não essenciais, cientistas de todo o mundo estão coletando dados. Deveríamos dar boas-vindas a isso e usar para refinar ou até reverter nossas opiniões em relação à pandemia. E devemos acolher aqueles que têm abordagens heterodoxas. T.J. Rodgers, o CEO fundador da Cypress Semiconductors, fez uma análise dos dados disponíveis que o levaram a concluir que a velocidade com que as cidades foram fechadas teve pouco efeito apreciável na redução da taxa de mortalidade por covid-19.
É um modelo relativamente rudimentar, mas ainda vale a pena examiná-lo. Ele sugere, por exemplo, que a alta densidade populacional tem uma probabilidade quase nove vezes maior de se correlacionar com uma alta taxa de mortalidade do que um confinamento tardio. Isso talvez explique por que cidades densamente povoadas como Nova York – com suas redes de transporte público lotadas – tenham sido atingidas com tanta força, e o por que um Estado como a Flórida, apesar de ter esperado mais para o confinamento, tenha tido poucas mortes.
A ignorância deliberada de Trump nos faz querer entregar os EUA ao médico Fauci. É a resposta errada. Precisamos de líderes que assumam responsabilidades e façam escolhas, informadas profundamente pela ciência, mas também pela economia, política, ética e outras disciplinas. Assim como a guerra é importante demais para ser deixada aos generais, as pandemias são importantes demais para serem deixadas aos cientistas.
ARTIGO401