Erro foi apostar apenas no aumento de receitas
Por Álvaro Gribel, O Estado de S. Paulo, 16/04/2024
A alteração das metas fiscais expõe a grande falha do arcabouço elaborado pelo governo Lula em substituição ao teto de gastos, do governo Michel Temer.
O ajuste tem como foco o aumento da arrecadação, sem uma agenda efetiva de cortes de gastos, o que tornou irrealistas as projeções apresentadas pela equipe econômica em abril do ano passado.
De um lado, o arcabouço está sendo pressionado por três grandes grupos de despesas: o salário mínimo e os pisos da Saúde e da Educação. De outro, a Receita Federal e a equipe econômica já estão esgotando as possibilidades de aumento de receitas extraordinárias, que passam a enfrentar não só resistências no Congresso, mas também entre pessoas físicas e jurídicas, que terão de pagar a conta.
Na prática, esses três grupos crescem de forma mais acelerada do que a regra global do arcabouço fiscal, que permite alta de no máximo 2,5% dos gastos, em relação ao ano anterior, e limitado a 70% do crescimento das receitas. O economista Marcelo Fonseca, da Reag Investimentos, calcula que as contas públicas do País têm um “déficit primário estrutural” entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano. O cálculo é feito retirando todas as receitas extraordinárias da conta, ou seja, recursos que entrarão uma única vez nos cofres do Tesouro.
Se até a semana passada o mercado já havia assimilado a alteração desses números, agora a reação tende a ser diferente, com a piora do cenário global. A inflação americana e o mercado de trabalho mais aquecidos do que o esperado vão dificultar o início do corte de juros pelo Fed (o banco central dos EUA).
Com isso, a tendência é de aumento do dólar em relação às principais divisas do mundo. Países com problemas nas contas públicas, como o Brasil, tendem a sofrer mais. O reflexo disso já aparece na cotação do dólar sobre o real. A geopolítica global também ficou mais intrincada, com os ataques do Irã a Israel.
Mesmo com a revisão, os novos números ainda estão acima do projetado pelo mercado financeiro. Para 2025, a mediana de economistas e investidores aponta para um déficit de 0,6% do PIB, com leve melhora para -0,5%, no ano seguinte, e -0,2% em 2027.
De alguma forma, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) precisarão vencer a queda de braço interna contra integrantes do PT para convencer Lula a bancar uma agenda efetiva de cortes de gastos. Do contrário, o presidente poderá naufragar na economia.
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