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Mercosul não é causa do isolamento do país, diz Teixeira da Costa

Economista lança livro sobre falta de abertura do Brasil e questiona argumento do ministro da Economia

Valor Econômico – Por Alex Ribeiro – 18/06/2021 – Atualizado há uma semana

O economista Roberto Teixeira da Costa diz que é uma “desculpa” colocar no Mercosul a responsabilidade pela falta de progresso na abertura da economia brasileira ao mundo. “Botar na conta da Tarifa Externa Comum [TEC] as responsabilidades pelo insucesso do Mercosul e do Brasil é querer tapar o sol com a peneira”, afirma ele, que é conselheiro e fundador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

A tese tem sido levantada, ultimamente, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que na semana passada afirmou que o Mercosul foi uma “armadilha” para o Brasil que impediu que nossa economia se integrasse às cadeias produtivas globais.

Costa, que foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), está lançando o livro “O Brasil tem medo do mundo? ”, que aborda exatamente as razões do isolamento do país. O subtítulo do livro – “Ou o mundo tem medo do Brasil?” – é uma referência ao período mais recente, no governo Bolsonaro, quando as demais economias tomaram a iniciativa de se distanciar de nós, num movimento agravado pela pandemia.

“Na questão da imagem do Brasil, vamos ter que trabalhar muito para mudar. Quase geracional. Com esse governo, jamais vamos conseguir”, afirma.

Guedes, liberal, é defensor das virtudes da internacionalização da economia brasileira, mas anunciou uma estratégia em dois passos. Primeiro, afirma, o país deve fazer reformas, como a tributária, que vão assegurar as condições competitivas às empresas. Só então seria possível abrir o país ao mundo.

Costa discorda dessa estratégia. “O que vem antes? O ovo ou a galinha?”, pergunta, questionando se na verdade não é a abertura que traz mais eficiência e competitividade. “Vamos ter acesso a novas tecnologias, vamos ter acesso a novos mercados.”

Aos 86 anos, ele afirma que um dos legados da pandemia foi expor a desigualdade de renda. “Meus amigos dizem que eu virei socialista. Eu digo: não sou socialista.

Como você vai criar mercado no Brasil sem distribuir renda? Me explique. O sujeito tem dez geladeiras, vai comprar mais dez?” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que o sr. escreveu um livro sobre o isolamento do Brasil em relação ao mundo?

Roberto Teixeira da Costa: Depois que saí da Comissão de Valores Mobiliários

[CVM], comecei a dedicar um tempo importante da minha vida às relações internacionais, no Conselho Empresarial da América Latina [Ceal] e, mais tarde, principalmente com [o ex-ministro das Relações Exteriores] Luiz Felipe Lampreia, trabalhamos em conjunto com um grupo de empresários e estadistas na criação do Centro Brasileiro de Relações Internacionais [Cebri]. Concluí que, em termos comparativos, a nossa presença nas reuniões internacionais, o nosso envolvimento, estava muitíssimo abaixo do que deveria. Havia quase uma alienação do interesse brasileiro em termos internacionais. Cito no livro uma frase do Fernando Henrique Cardoso: “O brasileiro adora ser ignorado”. Não é bem assim, mas é quase assim. Há 21 anos estamos discutindo um acordo comercial com a União Europeia. Por que o Brasil está tão isolado do mundo? Devemos atribuir à geografia? Não, a geografia deixou de ser uma razão. É um país que foi descoberto por caravelas.

Valor: O Brasil tem medo do mundo, como o título do livro sugere?

Costa: Se não tem medo, é intimidado. O subtítulo do livro, “O mundo tem medo do Brasil?”, foi criado em 2020, por causa da pandemia. Ficamos execrados pelo resto do mundo. Ainda agora estava vendo que a França está se negando a receber estudantes brasileiros. Isso é algo jamais visto. O Brasil era sempre muito querido no resto do mundo. Onde você ia, as pessoas nos recebiam com um sorriso. Hoje, nos recebem com restrições e não entendem o que está acontecendo no Brasil. Há anos, participei de uma reunião em Washington, quando a inflação estava em 70% ou 80%. As pessoas perguntavam: como vocês conseguem conviver com uma inflação como essa? A inflação nos colocava numa posição de isolamento. E, hoje, é a pandemia, são os incêndios florestais, o Brasil estar mudando regras que tinham sido consideradas estáveis. A previsibilidade é um fator fundamental para um investidor.

Valor: Nosso isolamento não vem do fato de sermos um país continental, diferentemente do pequeno Chile, que tem que se abrir para sobreviver?

Costa: Numa reunião com o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, eu fiz essa pergunta. Ele disse: “Somos diferentes, não somos um país baleia, somos um que tem que olhar para o mercado externo”. Mas não é compreensível que o Brasil seja fechado apenas pelo tamanho. Havia um protecionismo aqui do chamado grupo de suporte: federações da indústria, comércio, sempre tivemos um viés protecionista. Em Davos, por exemplo, você vê que a federação da indústria da Índia, os argentinos, os mexicanos, os chilenos, todos têm presença maior do que o Brasil. A coisa mudou um pouco com o Collor de Mello, com a abertura unilateral. E todos dizem: nós demos muito nessa abertura unilateral e não pedimos nada. Ficou esse jargão durante muito tempo, até cairmos na real. E aí ficamos sempre pensando um novo momento para uma revisão tarifária, mas ela não veio.

Valor: O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um liberal e reconhece as vantagens da abertura. Mas ele diz que, antes, tem que fazer a reforma tributária para dar condições para o empresário nacional competir com os chineses. Não parece correto esse sequenciamento?

Costa: Eu acho que é uma desculpa. Veja bem, o que vem antes? O ovo ou a galinha? Quando se olha a internacionalização, nós só pensamos em valor do mercado. Nós não pensamos nos “plus” que vamos ter com uma empresa multinacional. Vamos ter acesso a novas tecnologias, vamos ter acesso a novos mercados. Uma coisa que ficou clara com o Collor é que não podemos mais olhar o Brasil como um mercado isolado. A crise nos ensinou que existem mercado globais. Outro dia assisti à Hillary Clinton dizendo que os Estados Unidos não podem mais ficar dependentes da compra de insumos de fora. Embora não tenha falado em China, disse nas entrelinhas. Quando os Estados Unidos se depararam com a necessidade dos insumos chineses, dos aparelhos respiradores, chegaram à conclusão de que, mesmo tendo que pagar um custo mais alto, eles vão ter que ter uma produção local. Ou, acrescento eu, uma produção num país vizinho com que tenham uma relação mais amistosa. Portanto, esse é um “plus” para o Brasil, uma oportunidade que o Brasil deve aproveitar.

Valor: O ministro Guedes disse na semana passada que o Mercosul foi uma armadilha que evitou que o Brasil se integrasse às cadeias globais. O Mercosul está travando a abertura brasileira para o mundo?

Costa: De novo, é uma desculpa. Botar na conta da Tarifa Externa Comum [TEC] as responsabilidade pelo insucesso do Mercosul e do Brasil é querer tapar o sol com a peneira. Continuo sendo um grande defensor do Mercosul. Você não pode numa vizinhança, numa rua, com o seu vizinho do lado tendo problemas o tempo todo. Se ele tem problemas o tempo todo, vão acabar te contaminando. A Argentina não é uma opção para o Brasil. A Argentina é uma realidade que está do nosso lado. Você não pode olhar a Argentina como um concorrente. É um parceiro nosso. Uma das aberturas importantes que o Brasil fez para o mercado internacional foi para a Argentina. No tempo do [ministro da Economia argentino Domingo] Cavallo, a taxa de câmbio era extremamente favorável ao Brasil e os brasileiros descobriram a Argentina. Depois, o contrário, os argentinos descobriram o Brasil. Mas tem que ter parcerias.

Valor: Mas a Argentina não nos atrapalha na busca de um acordo de livre-comércio, por exemplo, com a União Europeia?

Costa: Quando o Brasil queria fazer, a Argentina não queria fazer, e vice-versa. O Mercosul foi abandonado. As crises, que deveriam nos unir, nos separaram. Cada um procurou o seu lado. Na área de alta tecnologia, quantas coisas poderíamos fazer com os argentinos e não fazemos? Acho que não tem sentido botar a culpa nos outros. Vamos rever a TEC? Sim, vamos rever, mas desde que seja por unanimidade. O Uruguai quer fazer um acordo bilateral com os Estados Unidos? Acho que deve ser feita uma exceção. O que Uruguai vai conseguir num acordo bilateral, francamente falando, o que o Mercosul não possa conseguir? Abandonar o Mercosul parece muito mais fácil do que realmente é. Muitas empresas se estruturaram baseadas na existência de uma TEC. Você simplesmente, agora, não pode abandoná-la.

Valor: Na última reunião do G-7, uma novidade foi os Estados Unidos procurarem criar um programa de investimentos junto com os europeus para se contrapor ao da China, que tem o “Belt and Road Initiative”. Como o Brasil deve ser portar diante desses dois polos?

Costa: Vejo muitos analistas prevendo o domínio crescente da China no mundo. Acho que essas pessoas estão subestimando o papel dos Estados Unidos. Nessa reunião do G-7, a Europa se deu conta de que tem que estar junta dos Estados Unidos para fazer frente à China. Agora, na relação com o Brasil, não devemos tomar partido nisso. Temos, sim, que olhar o que nos interessa. Programas de infraestrutura americanos interessam ao Brasil? Mais do que nunca. Infelizmente, o nosso presidente tomou uma atitude incorreta em relação aos Estados Unidos apostando todas as fichas. Isso é um erro estratégico. A questão é que nós não damos peso à nossa importância. Nossa importância não estava nisso, em assumir posições que mais tarde iriam nos custar caro.

Valor: Mas, do ponto de vista prático, é possível manter essa equidistância? O Brasil está sendo muito pressionado dos dois lados na disputa do 5G.

Costa: O 5G é realmente difícil de equacionar. Se, de um lado, você veda a Huawei, que tem uma presença grande [no Brasil], vai ser uma destruição de uma coisa que já foi construída. Do outro lado, os Estados Unidos, em vez de ficarem barrando, deveriam fazer alguma coisa que rivalizasse com a Huawei, que pudesse ser uma alternativa para os países, e não brincar de vedar. Não acho que é uma solução inteligente que os Estados Unidos estão tomando em relação ao assunto.

Valor: O Brasil está sendo pressionado pelos Estados Unidos também na pauta ambiental. Qual é a estratégia seguir, nesse caso?

Costa: Mas o Brasil não tem estratégia. Não tem. O Brasil gasta mais tempo com o passado. A não ser algumas exceções raríssimas, está todo mundo olhando para trás. Por que a China é o que é? Eles têm planejamento, de 20 anos ou 30 anos para frente. Não nos damos conta de que temos que olhar o futuro. Aí que vem a questão de Estado e governo. Temos que ter programas de médio e longo prazo. O nosso sistema presidencialista tem esse pecado. Copiamos o modelo americano, de um país que é completamente diferente do nosso. Você elege um presidente para quatro anos de mandato, o primeiro ano ele não sabe os botões que vai apertar. No segundo, ele começa a governar. No terceiro ano está preocupado com sucessão. Sou radicalmente favorável ao parlamentarismo. Não está dando certo, muda. Aqui, se errou, vai carregar por quatro anos. É o caso do Bolsonaro. Apesar da popularidade dele, acho que muitos dos que votaram nele hoje não estariam com o mesmo entusiasmo. Principalmente a Faria Lima.

Valor: Como a pandemia afeta nossa integração com o mundo?

Costa: Infelizmente, embora seja uma pessoa com um realismo esperançoso, a pandemia nos atrapalhou muito. Os Estados Unidos chegaram a 500 mil mortos, o Brasil nas próximas semanas vai chegar a isso. Por isso que as pessoas têm medo do Brasil. Como um país que tem um sistema de saúde que era cantado em prosa e verso como eficiente se retardou tanto? A questão é política. Houve um atraso muito grande na vacinação. Acho que isso é uma chaga que vai nos acompanhar. Portanto, na questão da imagem do Brasil, vamos ter que trabalhar muito para mudar. Quase geracional. Com esse governo, jamais vamos conseguir. Temos que buscar um estadista, escolher as pessoas certas para que o Brasil recupere a sua imagem no exterior.

Valor: A saída de Ernesto Araújo do Itamaraty não ajuda a melhorar a nossa imagem no exterior?

Costa: Estávamos com uma política externa suicida. Não dava para entender aonde queríamos chegar. Agora imaginar que o sucessor venha a recolocar o Brasil numa posição que ele tinha anteriormente é um pouco o que falei antes. É uma questão de tempo, não é do dia para a noite. Não sei se foi o Fernando Henrique que falou isso: o Brasil, na América do Sul, era sempre lembrado em qualquer acordo, qualquer disputa, como na entre o Peru e o Equador. O Brasil agora é totalmente esquecido na região. Ninguém mais fala do Brasil. Nunca vi uma situação como essa. Nunca viu tamanha disparidade, desinteresse.

Valor: A pandemia nos trouxe outros prejuízos?

Costa: A pandemia não nos ajudou. Ajudou meia dúzia de empresas que se favoreceram com esse contexto. Um dos problemas cruciais no Brasil é a distribuição de renda. Meus amigos dizem que eu virei socialista. Eu digo: não sou socialista. Como você criar mercado no Brasil sem distribuir renda? Me explique. O sujeito tem dez geladeiras, vai comprar mais dez? Tem cinco carros, vai comprar mais cinco carros? Não. Tem que criar condições para as pessoas chegarem ao mercado. Você só vai fazer isso distribuindo renda.

Valor: Mas o Brasil não criou um programa imenso de transferência de renda na pandemia?

Costa: Sempre tive muita cautela em defender a renda mínima. Mas eu acho que a renda mínima é uma das possíveis soluções. Não sob o ponto de vista de distribuir dinheiro, mas sim de gerar emprego. Da mesma forma como o Estado americano está criando na infraestrutura. É muito melhor você dar dinheiro para uma pessoa do que está trabalhando do que dar dinheiro para uma pessoa apenas ficar com ele. A pandemia não piorou os problemas, ela aflorou muitos dos problemas do Brasil.

Valor: Não houve avanços?

Costa: Essa questão da representação racial no Brasil. É certo que o Brasil continua com um viés racial enorme. É uma coisa cultural. Mas a coisa está mudando. Você olha as universidades, o número de negros que tem, olha na própria televisão, hoje tem uma presença maior. O Brasil se move com as crises. As crises nos ajudam a encarar melhor os problemas. O ESG [Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês], novamente, uma coisa entre o Estado e a sociedade. Isso está andando. Quando uma empresa se dava conta de que, ao comprar uma ação, era importante saber a política dessa empresa com o meio ambiente? Isso tudo está mudando, são mudanças fundamentais. Não acredito que elas vão ter a velocidade que eu gostaria. Mas, a curto prazo, esse é um efeito. Mas, no curto prazo, as coisa pioraram também.

Valor: De tudo o que o sr. cita no livro, quais são as duas principais medidas que o Brasil deveria tomar para diminuir esse distanciamento com o resto do mundo?

Costa: Primeira, mudar o “mindset” dos empresários sobre o assunto. Os empresários são a ponta de lança numa inserção internacional. A segunda coisa é ir um pouco às origens. É um problema de educação, cidadania. Temos que cultivar um pouco essa visão de autoconfiança no Brasil. Isso requer uma mudança no processo educacional. Não nos olharmos com viés de inferioridade, olharmos olho no olho. O país tem vantagens competitivas. O binômio educação e distribuição de renda são fundamentais em termos de futuro.

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